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Suspenso julgamento sobre prisão civil para inadimplentes em contratos de alienação fiduciária

23/11/2006


STF


Suspenso julgamento sobre prisão civil para inadimplentes em contratos de alienação fiduciária

 

Pedido de vista do ministro Celso de Mello suspendeu o julgamento no STF dos Recursos Extraordinários (REs) 466343 e 349703, respectivamente do Banco Bradesco S.A. e do Banco Itaú S.A., contra acórdãos proferidos pelo TJ/SP. Os acórdãos questionados estabeleceram que os contratos de alienação fiduciária de bens, em garantia de empréstimo, não se equiparam ao contrato de depósito de bem alheio, para efeito de aplicação da prisão civil, autorizada no inciso LXVII do artigo 5° da Constituição Federal (prisão civil de depositário infiel).

 

O caso

 

O julgamento iniciou-se pelo RE 466343, do Bradesco, cujos advogados informam que o TJ-SP julgou procedente ação de depósito, decorrente de busca e apreensão de um automóvel financiado pelo banco para cliente que se tornou inadimplente. No entanto, o acórdão atacado não previu a possibilidade de decretação de prisão civil de depositário infiel, conforme previsto pelo inciso LXVII, do artigo 5º da Constituição Federal, sustenta o Bradesco.

 

Para o Bradesco, a interpretação do TJ-SP fere, entre outras normas, o disposto no artigo 66, da Lei nº 4.728/65, com a redação dada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 911/69, que determinou que “a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direito e depositário de acordo com a lei civil e penal”. O banco alega que a Constituição de 1988 teria recepcionado esta norma e assim seria admitida a prisão civil no caso.

 

Voto do relator

 

O relator, ministro Cezar Peluso, após analisar os contratos de depósito e de alienação fiduciária em garantia demonstrou que “não existe afinidade alguma ou conexão teórica entre dois modelos jurídicos que permita à razão passar de um para outro”. A cláusula final do contrato de depósito está na “guarda e reposição da coisa depositada”, ou seja, “a obrigação de guardar para restituir, inerente à tipicidade do depósito”, integra a figura do depositário como responsável pela obrigação. Citando inteligência jurídica consagrada, o ministro ressaltou que “se ao depositário se concede o direito de usar da coisa, já não haverá depósito”.

 

Por outro lado, “a abertura de crédito com garantia de alienação fiduciária” revela a intenção de provisão de recursos para aquisição de bens duráveis, constituindo-se em garantia do pagamento do crédito. Dessa forma, o sentido de alienação fiduciária para aquisição bens é o “negócio jurídico em que um dos figurantes adquire, em confiança, determinado bem, com a obrigação de devolvê-lo, ao se verificar certa condição acordada”. Sob essa ótica, para Cezar Peluso, “é impossível encontrar na alienação fiduciária em garantia, resíduo de contrato de depósito e até afinidade de situações jurídicas subjetivas entre elas”.

 

O relator ressaltou que, inaugurada pela Constituição de <_st13a_metricconverter productid="1934, a" w:st="on">1934, a doutrina jurídica que prevalece no Brasil é a de estabelecer “entre os direitos e garantias individuais, que ‘não haverá prisão por dívidas, multas ou custas’ sem qualquer outra restrição”. As exceções foram abertas pela Constituição de 1946 que previa a prisão civil por inadimplemento de prestação de alimentos e a de depositário infiel, tal como se mantém na atual Constituição. Assim, “não se pode estender por interpretação o regime especial (a exceção) a outras hipóteses. Ao lado do regime geral (a regra) é que se acham as forças sociais preponderantes na reconstituição semiológica e na aplicação de toda regra de direito positivo, sobretudo quando hospede garantias fundamentais ou valores individuais supremos”, ponderou Cezar Peluso.

 

O relator salientou que vem do direito romano o princípio da responsabilidade patrimonial no campo negocial com a lex Poetelia Papiria, quando os plebeus se livraram da morte ou a venda do devedor.

 

O ministro-relator concluiu que “para dar pela ilegitimidade da prisão civil neste caso, não é preciso ir ao pacto de São José de Costa Rica”, “deveras não podia nem pode ser aplicado em todo seu alcance, por inconstitucionalidade manifesta, o artigo 4º, do Decreto-lei 911/69”. De acordo com a Emenda 1/69 “ao fiduciário está autorizado o uso da ação de depósito, mas sem a cominação nem a decretação da prisão civil do fiduciante vencido”.

 

Nesses termos, o relator negou provimento ao recurso.

 

Voto-vista no RE 349703 (voto vogal no RE 466343)

 

O ministro Gilmar Mendes adotou seu voto-vista (clique aqui) no RE 349703, para o qual havia pedido vista, no caso em discussão.

 

O ministro constatou que existe eventual conflito entre o tratado de São José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil em 1992, e o ordenamento constitucional brasileiro. Gilmar Mendes afirmou que “as legislações mais avançadas em direitos humanos proíbem expressamente qualquer tipo de prisão civil, decorrente do descumprimento de obrigações contratuais, excepcionando apenas o caso do alimentante inadimplente”.

 

Pedido de vista

 

O ministro Celso de Mello ressaltou que, nesta tarde, o STF reviu antiga posição da jurisprudência sobre “tema impregnado do mais alto relevo constitucional”.

 

Segundo ele, o tribunal tinha reconhecido, de um lado, a plena legitimidade constitucional do devedor fiduciante. De outro lado, o Supremo também reconhece paridade normativa entre convenções internacionais e as leis internas – sempre acentuando a subordinação hierárquico-normativa à autoridade da Constituição da República.

 

O ministro Celso de Mello disse que “a promulgação dessa emenda constitucional 45, na realidade, introduz um dado juridicamente relevante apto a permitir a esta Corte a reelaboração da sua visão em torno da posição jurídica que deve ostentar, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, os tratados e convenções internacionais em matéria de direitos humanos”, afirmou.

 

De acordo com o ministro, essa mudança “estimula novas reflexões por parte do STF” entre a ordem jurídica doméstica e o direito internacional sobre esse tema. “O impacto vai se fazer sentir também não apenas no que diz respeito ao instituto da alienação fiduciária, a questão da prisão civil do devedor fiduciante, mas colocará também em debate, é claro, em momento oportuno, a própria subsistência ou não da parte final do artigo 652 do Código Civil Brasileiro, que ainda continua a prever a possibilidade de prisão civil, por até um ano, do depositário infiel”, prevê Celso de Mello.

 

O ministro ressaltou que, com base no julgamento, será definido qual dentre quatro posições a Corte dará aos tratados e convenções internacionais em matéria de direitos humanos em relação à Constituição: a) de supremacia a essas convenções; b) conferir qualificação constitucional a elas; c) a atualmente adotada pelo STF, que reconhece paridade normativa; d) e a posição proposta nesta quarta-feira pelo relator, no sentido de que se reconheça e se confira “supralegalidade” a elas, passando as convenções ostentar uma posição intermediária entre a legislação comum brasileira, de um lado, e a Constituição da República, de outro.

 

O ministro Celso de Mello disse que, embora os julgamentos estivessem praticamente concluídos, pediu vista para poder realizar uma “maior reflexão” sobre a revisão do entendimento do STF nessa matéria.

 

A votação

 

Por se tratar de assunto idêntico, a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, chamou para julgamento o RE 349703, do Banco Itaú S.A., cujos autos, da mesma forma, serão objeto de vista do ministro Celso de Mello.

 

O placar da votação de hoje terminou da seguinte forma:

 

RE 466343 (clique aqui): negaram provimento ao recurso o relator, ministro Cezar Peluso, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e a ministra Ellen Gracie. O ministro Celso de Mello pediu vista.

 

RE 349703 (clique aqui): negaram provimento o relator Carlos Ayres Britto (sucessor do relator original Ilmar Galvão), os ministros Gilmar Mendes, Moreira Alves (sucessor: ministro Joaquim Barbosa), Sydney Sanches (sucessor: ministro Cezar Peluso), Marco Aurélio, e a ministra Cármen Lúcia e a presidente Ellen Gracie.

 

Faltam votar, em ambos os recursos, os ministros Sepúlveda Pertence e Eros Grau.

 

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