Foi incluído na pauta da 2ª seção do STJ do próximo dia 27 processo que trata da cobertura do seguro habitacional do SFH - Sistema Financeiro da Habitação por sinistros provocados por vícios na construção.
O acórdão recorrido, do TJ/SP, assentou que os referidos danos, provenientes de causas internas, porquanto intrínsecos à coisa segurada (e, pois, qualificados como de responsabilidade do construtor), estão expressamente excluídos da cobertura securitária.
O processo é de relatoria da ministra Nancy Andrighi e a afetação ao colegiado foi proposta pelo ministro Ricardo Cueva. A Corte tem precedentes em sentidos diametralmente opostos, quais sejam: reconhecendo a abusividade da cláusula que restringe a cobertura securitária por vícios de construção e, por outro lado, que a seguradora só é responsável pelos vícios na construção se houver previsão na apólice.
Em sessão de julgamento no último mês de fevereiro, a 2ª seção, por maioria, rejeitou a questão de ordem de desafetação do recurso especial. No mérito, após o voto da relatora, acompanhada pelo ministros Luis Felipe Salomão, Raúl Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino, pediu vista antecipada ministro Antonio Carlos Ferreira.
Boa-fé objetiva e função social do contrato
Ao proferir voto, a ministra Nancy Andrighi reformou o acórdão paulista para restabelecer a sentença. S. Exa. lembrou lição do jurista Clóvis Beviláquia sobre o verdadeiro contrato de boa-fé e ponderou que o exame não pode perder de vista a própria causa do contrato do seguro, que é a garantia do interesse legítimo do segurado.
De acordo com a relatora, “a pedra de toque” para o correto exame da questão é a boa-fé objetiva contextualizada na função socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório vinculado ao SFH.
Nancy citou informações retiradas do próprio site da Caixa Econômica Federal, em consulta realizada, no sentido de que o seguro habitacional é garantia fundamental e obrigatória para crédito imobiliário com benefícios para todas as partes envolvidas, e também garante a indenização ou reconstrução do imóvel.
Assim, prosseguiu S. Exa., o seguro obrigatório ganha função diferenciada dentro da política habitacional, visando a proteção da família em caso de morte ou invalidez do segurado e salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário.
“Uma das justas expectativas do segurado nessas condições é a de receber o imóvel próprio e adequado ao uso a que se destina, e corresponde a de ser devidamente indenizado por prejuízos suportados em decorrência de danos originados na vigência do contrato, como os vícios estruturais de construção.”
No caso concreto, destacou, os danos suportados pelos segurados resultaram de vícios estruturais de construção a que não deram causa e não poderiam evitar, e que evidentemente se agravam com o decurso do tempo e a utilização da coisa. Há o risco expresso de desmoronamento dos imóveis.
Para a ministra Nancy, a interpretação fundada na boa-fé objetiva contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato leva a concluir que a restrição de cobertura no tocante aos riscos indicados deve ser compreendida como a exclusão da seguradora de atos praticados pelo próprio segurado ou uso natural.
“Ao contrário do entendimento do TJ/SP, não é compatível com a garantia de segurança esperada supor que prejuízos que se verifiquem por vícios de construção sejam excluídos de cobertura securitária. (...) De fato, por qualquer ângulo, conclui-se à luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da função social do contrato que os vícios estruturais da construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se estender no tempo mesmo após a extinção do contrato, ainda que se revele após a extinção, pois o vício é oculto.”
O julgamento na próxima semana será retomado com o voto-vista do ministro Antonio Carlos.
- Processo: REsp 1.804.965