"Não é, com efeito, o júri unicamente uma instituição jurídica: é uma criação política de suprema importância no governo constitucional."
Rui Barbosa
A competência do Tribunal do Júri revela a "suprema importância" apontada por Rui Barbosa aos processos ali julgados: a proteção, acima de tudo, da vida. Infelizmente, por razões variadas, os julgamentos do Júri padecem de desafios que urgem serem enfrentados.
Diante deste cenário que o presidente do CNJ Dias Toffoli instituiu Grupo de Trabalho para estudar e propor alterações normativas que modernizem os julgamentos do Júri, assegurando a resposta célere e justa do Estado-juiz. O Grupo, liderado pelo ministro do STJ Rogério Schietti, já apresentou no início deste mês a minuta de anteprojeto de lei. As mudanças propostas buscam, entre outros, evitar os adiamentos do Júri e as nulidades do processo.
Diagnóstico
Antes de detalharmos as mudanças à vista, vale a pena um olhar mais atento para dados atualizados dos julgamentos no Tribunal do Júri. O próprio Grupo de Trabalho apresentou um estudo esclarecedor acerca do tema, intitulado "Diagnóstico das Ações Penais da Competência do Tribunal do Júri".
O desfecho mais recorrente nos processos de competência do Tribunal do Júri foi a condenação (47,9% dos casos decididos). Em seguida, vieram as decisões pela extinção da punibilidade e, em menor proporção, as decisões absolutórias.
As informações relativas ao tempo de duração dos processos também impressionam: os processos que já foram baixados tiveram um tempo de duração de aproximadamente seis anos, enquanto os casos pendentes tramitam, em média, há sete anos. O maior tempo de duração dos processos está em São Paulo, com média dos casos baixados de treze anos e 80% dos casos tramitando há mais de oito anos.
- Veja a íntegra do estudo.
Mudanças à vista
A despeito da proposta, S. Exa. recorda que já foram adotadas providências (recomendação 55/19 do CNJ), com uma série de medidas a serem desenvolvidas pelos juízes e tribunais do país – incluindo a criação de mais varas do Tribunal do Júri, instituição de Câmaras ou Turmas especializadas em crimes dolosos contra a vida na composição dos tribunais estaduais, maiores investimentos voltados à adoção do sistema de videoconferência em atos processuais, comunicação de atos de forma eletrônica, por e-mails ou por WhatsApp e a apresentação de vídeo institucional elaborado pelo CNJ, com o objetivo de ambientar os jurados quando convocados para as sessões de julgamento.
“Tudo isso, somado a uma busca incessante, por parte dos juízes e tribunais, pelo julgamento prioritário desses crimes – o que, inclusive, justifica mutirões ou forças-tarefa nos tribunais, a exemplo do que se fez no mês de novembro no STJ e nos tribunais e juízos com essa competência – permitirá que os processos durem menos e, assim, certamente diminuirão os casos de encerramento do processos sem julgamento do mérito.”
Com relação à proposta do Grupo de Trabalho, uma delas é a possibilidade de ser realizado o julgamento mesmo se ausente uma testemunha já ouvida em juízo, quando não houver evidência concreta de que poderia mudar seu depoimento: “Tal medida visa a evitar algo muito comum atualmente, que é o adiamento sucessivo de sessões do Júri, por conta da ausência de testemunhas arroladas pelas partes.”
A simplificação dos quesitos que os jurados respondem é outra alteração que se pode esperar. O CPP prevê a formulação dos quesitos na seguinte ordem: materialidade do fato, autoria ou participação, se o acusado deve ser absolvido, se há causa de diminuição de pena, se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
A simplificação, explica Schietti, busca tornar mais clara a decisão de cada juiz popular, evitando nulidades também frequentes quanto a esse momento do julgamento.
O anteprojeto institui duas cédulas principais a serem respondidas pelos juízes leigos, após confirmarem a autoria e a materialidade do crime: uma, com a palavra “condeno” e outra com a palavra “absolvo”, “eliminando, portanto, qualquer dúvida quanto à convicção que cada um dos jurados forma ao final do julgamento do acusado”, diz Schietti.
Abandono do plenário
O abandono do plenário pelos representantes das partes também recebeu atenção do Grupo de Trabalho: “Consideramos que esse comportamento, quer do representante da defesa, quer do órgão de acusação, constitui um ato de desrespeito com o Judiciário, com os jurados e com a sociedade, pois implica a dissolução do Conselho de Sentença e a interrupção do julgamento.”
Assim, o anteprojeto prevê que o profissional que cometer o ato estará sujeito a uma multa no valor de 10 a 100 salários mínimos, sem prejuízo de responsabilização administrativa perante seu órgão correcional pela falta funcional.
Decisão de pronúncia
Por vezes alvo de contestação judicial, a decisão de pronúncia foi o tema mais polêmico durante os debates do grupo. Tanto que, de acordo com o ministro, resolveu-se não apresentar neste momento no Congresso a proposta de eliminar a decisão de pronúncia.
“Uma vez que essa decisão funciona como um filtro contra acusações infundadas, alguns sustentam que bastaria exigir que o recebimento da denúncia do Ministério Público fosse melhor motivada, eliminando a necessidade de se ouvirem testemunhas por mais de uma vez. Achamos que a proposta precisa ser amadurecida, por envolver uma abreviação radical do procedimento.”
O relatório de diagnóstico do Tribunal do Júri levantou a hipótese de um déficit na abrangência e qualidade da defesa dos réus, “um problema estrutural e funcional da Justiça Criminal", avalia Schietti, que afeta todos os feitos que tramitam perante os milhares de ofícios jurisdicionais, "perante os quais nem sempre atuam profissionais suficientes e devidamente especializados para a defesa dos réus em ações penais”.
“Confiamos que o progressivo crescimento e aparelhamento das Defensorias Públicas irá diminuir o déficit de assistência judiciária a réus que não podem contratar seus próprios advogados.”
O ministro Schietti destaca também como importante instrumento a implementação de medidas com a finalidade de garantir a segurança e o mínimo de conforto aos jurados sorteados para composição do Conselho de Sentença, uma das recomendações do CNJ.
Por exemplo, oferecendo transporte de retorno dos jurados às suas residências após o fim dos julgamentos, por condução oficial ou meios alternativos.
“Com isso se evita algo muito comum, de serem os juízes populares obrigados a aguardarem em um ponto de ônibus, por horas e sem segurança alguma, um transporte coletivo que nem sempre estará disponibilizado, em razão do fato de que muitos julgamentos se encerram altas horas da noite ou mesmo da madrugada.”
O texto do anteprojeto assegura aos jurados o recebimento integral de seu dia de trabalho (sem desconto) e a proteção contra eventual demissão.
O ministro Toffoli deve levar a proposta ao Congresso no começo do ano legislativo, em fevereiro de 2020. Ainda, o Grupo de Trabalho está elaborando um Manual de Gestão para acelerar a tramitação dos processos submetidos ao Júri. O Manual, sob a supervisão do juiz de Direito Fabrício Castagna Lunardi, deverá ser concluído já no início deste ano. “Servirá como importante ferramenta – que já comprovou sua utilidade e êxito em varas judiciais que implementaram as rotinas que ele propõe divulgar – para tornar o andamento dos processos mais racional e ágil, contribuindo para a eliminação de procedimentos e atos desnecessários na condução dos feitos”, assegura Schietti.