Migalhas Quentes

Ainda a operação Appius

Acompanhamento processual revela como se deu a decisão que enterrou a Castelo de Areia.

26/11/2019

Semana retrasada, o MPF/SP fez mais uma operação com base na delação de Antonio Palocci. A investigação trata, segundo a imprensa, do "Anexo 6" da colaboração (que deveria estar sob segredo de Justiça), no qual Palocci diz ter "ouvido dizer" que a construtora Camargo Corrêa pagou R$ 5 milhões ao ex-presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, para obter uma decisão.

Trata-se, portanto, da gravíssima acusação da venda de uma liminar.

O caso é de janeiro de 2010.

Segundo Palocci, o saudoso advogado Marcio Thomaz Bastos, teria – com o perdão da repetição – dito que lhe disseram que houve o pagamento.

Meses depois, outro advogado (x), que está vivinho da Silva, teria dito que "teria ouvido" o mesmo fuxico, acrescentando ainda que teria "ouvido dizer" que foi um terceiro advogado (y) que teria operacionalizado a suposta corrupção em nome da construtora.

Como se viu, foram terceiros que supostamente disseram que "ouviram dizer".

Com base nesse confuso "ouvi dizer" que "teriam dito", o MPF pede uma devassa na vida do ex-ministro Cesar Asfor Rocha, com direito a busca e apreensão.

Como se vê, o MPF deu credibilidade a um notório bandido, e nem sequer se deu ao trabalho de escutar o advogado (x) que supostamente teria narrado os fatos, o qual, conhecendo-o, dirá que isso é mais uma invenção de Palocci.

E mais, o MPF nem sequer está investigando o advogado (y) que, segundo Palocci ouviu dizer, teria sido o corruptor. Para piorar, nem mesmo quebrou-se o sigilo da construtora, sob o argumento de que daria muito trabalho.

Como se não bastasse, no milagre da multiplicação, transformam-se R$ 5 milhões em US$ 5 milhões, induzindo o magistrado a erro.

Vá, advogado, fazer tal confusão para ver o tamanho da má-fé que receberá.

Mas o mais aberrante é que se utiliza um facínora confesso, que diz ter "ouvido dizer", contra o próprio Judiciário, numa inversão ilógica e autofágica. Estamos a falar de um ex-presidente de um Tribunal Superior; é preciso fazer ponderações. 

Se todos que contrariarem o MPF hoje, daqui a 10 anos forem ser acusados desse jeito, ninguém mais vai querer decidir nada. É, sem dúvida, um meio de intimidação da magistratura. 

Mas voltemos à suposta decisão vendida.

2009

Em dezembro de 2009, o MPF de SP realiza a operação Castelo de Areia, tendo como alvo a construtora Camargo Corrêa. A empresa, por seu turno, tenta, em meados deste mesmo mês, um HC para paralisar a ação.

2010

Negado o pedido no TRF da 3ª região, e já estando no recesso do Judiciário, os advogados vão ao STJ. O ministro presidente Cesar Asfor Rocha, analisando o caso, em 14 de janeiro de 2010, houve por bem dar a liminar para conceder a "suspensão provisória" da operação, já que baseada só e só em denúncia anônima, sem outros elementos. E, ao contrário do que diz o parquet, o ministro não trancou a ação penal.

Ou seja, não se enterrou a Castelo de Areia, como o parquet insistentemente repete.

O então presidente do Tribunal da Cidadania ainda consignou que a suspensão se daria "até o julgamento de mérito deste HC pela Turma a que couber a sua distribuição". E se já não estivesse de bom tamanho, ainda acrescentou que "obviamente sem embargo de o seu Relator, que conduzirá o feito a partir do dia 1º de fevereiro do corrente ano, poder alterar os termos, o alcance ou o conteúdo desta decisão".

Nunca mais, frise-se, nunca mais o então Presidente participou de qualquer outra decisão ou julgamento deste processo.

Ou seja, se se comprou, comprou-se uma péssima decisão, pois o relator, no caso a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, poderia rever a decisão dali a 16 dias.

Chegado o dia 1º de fevereiro, a ministra não reviu a decisão, inércia que se revela, evidentemente, como uma convalidação do que foi decidido.

Tendo a decisão liminar, já aí convalidada, sido agravada, o julgamento da 6ª turma se deu em 4 de março de 2010. Na ocasião, o recurso do MPF não foi conhecido, por unanimidade.

Em 14 de setembro de 2010, a relatora, Maria Thereza de Assis Moura, traz seu voto, no mérito, concedendo a ordem de HC. Na sequência, o ministro Og Fernandes pediu vista.

2011

Retomado o julgamento em 15 de março do ano seguinte, o ministro Og denegava a ordem, e o desembargador convocado Celso Limongi pedia vista.

Em 5 de abril de 2011, o julgamento tinha fim, com os votos dos desembargadores convocados, Celso Limongi (TJ/SP) e Haroldo Rodrigues (TJ/CE), que acompanhavam a relatora, a qual ainda aditava o voto, com substanciosos argumentos no sentido de que "a denúncia anônima, em grau de proporção, não pode alicerçar medidas coercitivas sem haver um mínimo de outros elementos indiciários, porque a recomendação majoritariamente aceita dá conta de que, primeiro, deve-se colher elementos de confirmação da notícia anônima, para, a partir daí, se embrenhar nos meandros de comprovação do fato alegado".

Trocando em migalhas, foi aí que, de fato, enterrou-se a Castelo de Areia.

2015

Mas o luto durou ainda mais dois anos nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, a quem o processo foi distribuído no STF. E as últimas "homenagens" foram prestadas pela 1ª turma do STF em 2015.

2019

Quase uma década depois da liminar que durou 16 dias, o MPF, que tinha recusado a delação de Palocci, pega um anexo entregue à PF e, dando-lhe ares de "prova incontestável", quebra o sigilo de pessoas e escritórios de advocacia sem lógica e nexo.

Mas se já estava bom de vicissitudes rocambolescas nesse caso, a cereja do bolo fica para uma próxima matéria.

Ah...

Veja a íntegra da precária liminar.

Veja a íntegra do acórdão da 6ª turma do STJ.

Veja a íntegra do acórdão da 1ª turma do STF.

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