A Corte Especial do STJ começou nesta quarta-feira, 21, o julgamento do processo que decidirá se há necessidade de comprovação de que a segunda-feira de Carnaval é feriado, sob pena de ficar caracterizada a intempestividade do recurso especial interposto.
A jurisprudência do último par de anos do Tribunal é de que a segunda-feira de Carnaval e Corpus Christi não são feriados nacionais constantes na lei, de modo que, por mais notório que seja, precisa ser comprovado no momento da interposição do recurso. Assim, se o prazo estiver correndo, tendo no meio o Carnaval, e o causídico não mandar a portaria do respectivo tribunal com a fixação da folga, o recurso é intempestivo.
No ano passado, o ministro Raul Araújo chamou a atenção para a “falta de razoabilidade da jurisprudência do STJ” nessas situações: “Duvido que exista algum tribunal do país que esteja de portas abertas na segunda-feira de Carnaval. É um absurdo. Segunda-feira de Carnaval, nenhuma repartição burocrática do país, só polícia, segurança, saúde”, disse Raul. Assim, propôs à 4ª turma a afetação do processo para a Corte Especial.
Vale dizer, em 2017, a Corte entendeu impossível a comprovação do feriado local posteriormente à interposição de recurso, e o ministro Raul ficou vencido.
Sustentação oral
O professor José Roberto Bedaque sustentou oralmente em nome da AASP e defendeu que há de se “adequar o processo à realidade”.
“Nunca vi processo que não tenha por primazia o julgamento do mérito. O NCPC procurou deixar claros estes princípios. O processo é meio e não fim.”
O professor mencionou levantamento segundo o qual não houve expediente em feriado de Carnaval em nenhum tribunal do país.
“Vamos exigir que essa formalidade seja cumprida estritamente sem a possibilidade da incidência das regras que formam o NCPC, da primazia do julgamento de mérito?”
Fato público e notório
O ministro Raul Araújo, relator, iniciou o voto com explicação acerca do significado da palavra feriado, visto que não correm os prazos nos dias em que não há expediente forense.
“Feriado é um dia normalmente isolado que seria útil, mas que por razões patrióticas, religiosas ou sociais é resguardado, impondo-se como regra a suspensão de todas as atividades públicas e particulares que só se realizam em dias úteis.”
Após mencionar estudo com registros históricos acerca dos feriados desde a proclamação da República, S. Exa. ponderou:
“Embora a segunda de Carnaval não seja feriado amplamente reconhecido de forma oficial, é certo que há muitas décadas tornou-se invariável prática e todo o país ter-se á segunda-feira abrangida no feriado de Carnaval, festa de indiscutível prestígio no calendário nacional. É certo que há muitas décadas consolidou-se a incorporação do referido dia como feriado nacional de Carnaval. (...) É fato público e notório que independe de prova, estando alcançado pelas normas do CPC (art. 374) e mesmo no anterior.”
Raul lembrou que, a despeito de constituir feriado nacional somente a terça-feira de Carnaval, é notório que há muitas décadas em todo o país não há expediente normal nas repartições públicas desde o sábado de Carnaval até o meio-dia de quarta-feira de Cinzas. O relator lembrou a Corte, ainda, que em nenhum caso que o Tribunal apreciou sobre a segunda-feira de Carnaval, a parte contrária contestou afirmando que houve o expediente.
“É assim hora de mudar. A interpretação formalística e restritiva adotada pela jurisprudência desta Corte é objeto de críticas incisivas e justas, sobretudo agora diante do advento do CPC/15, que prestigia a primazia do óbvio, talvez, da decisão de mérito. (...) Não há dúvida de que todos os tribunais estaduais, assim como as demais repartições públicas federais, estaduais, distritais e municipais, suspendem o expediente forense em ambos os dias, segunda e terça, por ser da própria cultura brasileira a relevância de tal comemoração como fato de repercussão até mundial.”
Para o relator, o julgador não pode se desvencilhar da realidade social e “uma Corte Superior não pode desconsiderar uma realidade indubitável”, exigindo “prova do óbvio”.
“Mostra-se atualmente desnecessária a comprovação do feriado local relativo a segunda-feira de Carnaval, por constituir fato público e notório, pois há muitas décadas não há expediente. Caberá à parte contrária provar que houve expediente normal."
Assim, afastou a intempestividade do apelo e determinou o prosseguimento do julgamento.
Divergências
O ministro Herman Benjamin, que destacou a discussão, propôs uma posição intermediária: antes de considerar inadmissível o recurso, pela não comprovação do feriado local de segunda-feira de Carnaval, o relator pode intimar a parte para regularizar o eventual vício (art. 932, CPC/15).
A ministra Maria Thereza explicou, porém, que para adoção dessa posição, seria preciso mudar o entendimento da Corte da comprovação do feriado. S. Exa. propôs voto divergente ao do relator:
“Não me parece razoável quando há lei que diz quais os dias do feriado nacional e uma do Poder Judiciário que diz os feriados do Judiciário e não está a segunda-feira de Carnaval, o advogado deve saber. A ninguém é dado ignorar a lei. O que me incomoda é considerar como se fosse feriado nacional por ser fato notório que não se trabalha. Não é argumento jurídico. Na medida em que abrirmos um entendimento mais liberal, posso agora entender que, na Bahia, o Carnaval começa antes.”
Maria Thereza entende que, se seguirem o voto do relator, acabariam a uma casuística, com possibilidade de insegurança jurídica: “Cada hora vai se ter determinado dia como sendo praxe que não se trabalhe, e assim vamos nos substituir ao legislador, a quem cabe dizer quais são os dias que são nacionalmente feriados”.
O ministro Francisco Falcão acompanhou a ministra Maria Thereza, e adiantando voto, o ministro Humberto Martins seguiu a posição intermediária do ministro Herman.
O ministro Og Fernandes seguiu o relator integralmente, afirmando:
“Falar da segunda-feira de Carnaval como dia útil, notadamente para os nordestinos, é quase uma heresia. Essa informação da realidade é de conhecimento público. Os meios de comunicação levam a qualquer lugar. Desconhecer neste caso concreto a realidade da segunda-feira de Carnaval é prestigiar em excesso o dogmatismo do Código de Processo Civil. Parafraseando o samba, ou é ruim da cabeça ou doente do pé.”
O processo ficou com vista para a ministra Nancy Andrighi.
Para o presidente da AASP, Renato Cury, o julgamento não acabou e o tema está em aberto na Corte Especial: “Acreditamos que a divergência aberta pelo ministro Herman é a que melhor se amolda ao espírito do CPC, vez que dá ao recorrente a possibilidade de comprovação da tempestividade do recurso a posteriori, nos exatos moldes do parágrafo único do artigo 932”.
- Processo: REsp 1.813.684