A 2ª seção do STJ resolveu nesta quarta-feira, 26, última sessão do semestre, afetar para julgamento na Corte Especial processo que trata do cabimento de reclamação para discutir aplicação de repetitivo.
A disputa é em uma ação de cumprimento individual de sentença coletiva contra a Telefônica. Os reclamantes alegam que o TJ/SP aplicou equivocadamente tese repetitiva do REsp 1.301.989, segundo a qual “sobre o valor dos dividendos não pagos, incide correção monetária desde a data de vencimento da obrigação, nos termos do artigo 205, parágrafo 3º, da Lei 6.404/1976, e juros de mora desde a citação”.
A relatora do processo é a ministra Nancy Andrighi, que chegou a proferir o voto. Após, o ministro Luis Felipe Salomão sugeriu a afetação à Corte, para garantir a uniformização do tema, tendo em vista o julgamento nas outras duas seções, e a relatora acolheu a ideia. Vale lembrar que a jurisprudência do Tribunal tem sido pelo conhecimento das reclamações, e a ministra Nancy propõe outra orientação.
Inadequação da via
Em longo voto, a ministra Nancy propôs o indeferimento da petição inicial e extinção do processo sem resolução de mérito, ante a inadequação da via eleita.
Traçando um histórico do instituto da reclamação, de sua concepção até a positivação no ordenamento jurídico, Nancy mencionou o fato de que a implementação da sistemática dos repetitivos teve o efeito de aumentar consideravelmente o número de reclamações ajuizadas no STJ, gerando novos debates quanto ao instituto.
A ministra ponderou que o CPC/15 normatizou de maneira mais extensiva a Rcl constitucional, trazendo nos artigos 989 a 993 regras quanto à competência, a legitimidade ativa, ao procedimento, ao dispositivo da decisão e especialmente quanto às hipóteses de cabimento. Contudo, prosseguiu, “as incertezas são ainda mais abundantes” no que concerne às hipóteses de cabimento previstas no novo Código (art. 988) e antes mesmo deste entrar em vigor, modificadas pela lei 13.256/16.
“No mesma ato normativo, o legislador visivelmente excluiu uma hipótese de cabimento da reclamação e, passo seguinte, regulamentou essa hipótese que acabara de excluir, agregando-lhe um pressuposto de admissibilidade.”
A partir daí, Nancy Andrighi narra a construção legislativa do CPC/15 e da lei, para afirmar que em todas as manifestações, os legisladores ratificaram a opção de extinguir o cabimento da reclamação voltada ao controle da aplicação dos temas repetitivos e de repercussão geral.
“Aos Tribunais superiores compete a fixação da tese e uniformização do direito, sendo dos tribunais locais, onde efetivamente ocorre a distribuição da justiça, a aplicação da orientação paradigmática. (...) Não se consegue conceber que seja admitido o cabimento da reclamação para que seja examinada a aplicação supostamente indevida de precedente oriundo do recurso especial repetitivo. A admissão da reclamação em tal hipótese atenta contra a finalidade da instituição do regime próprio dos repetitivos.”
De acordo com S. Exa., para além de definir a tese, também incumbiria ao STJ o controle de sua aplicação individualizada, em cada caso concreto, “em franco descompasso com a função constitucional do Tribunal e com o sério risco de comprometimento da celeridade e da qualidade da prestação jurisdicional”.
Para Nancy, aceitar o cabimento da reclamação na hipótese tornaria estéril a vedação do Código quanto à interposição de agravo quando o recurso especial é inadmitido na origem em razão da coincidência entre o acórdão recorrido e a tese repetitiva.
“Bastaria a parte cumprir formalmente com a exigência de interposição doa gravo interno num Tribunal local para submeter seu litígio concreto ao exame desta Corte mediante a reclamação.”
Conforme a relatora, o meio adequado e eficaz para forçar à observância da norma jurídica oriunda de precedente ou corrigir a sua aplicação é o recurso.
“A reclamação constitucional não trata de instrumento adequado para o controle de aplicação dos entendimentos firmados pelo STJ em repetitivos. Este controle é próprio do sistema recursal, ressalvada a via excepcional da rescisória, como bem desenhou o legislador no CPC. Não é o cabimento da reclamação que torna obrigatória a observância da orientação firmada por esta Corte em seus precedentes. O efeito obrigatório decorre do próprio sistema de precedentes do CPC.”
A decisão do colegiado para afetar o processo à Corte Especial foi unânime – tendo antes o ministro Marco Aurélio Bellizze ponderado de sua afetação ao Pleno para que todos os ministros da Corte tenham a chance de se manifestar quanto ao tema.
Isso porque a composição da Corte Especial não é uniforme em relação às três seções, já que segue a ordem de antiguidade do Tribunal – e de fato a de Direito Privado é a que tem menos integrantes ali. Salomão ponderou que a mudança regimental não teria a mesma força de um precedente da Corte Especial, por isso sendo melhor a afetação jurisdicional do tema.
Afetado à Corte, conforme o resultado do julgamento, deve vir a mudança regimental.
- Processo: Rcl 36.476