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Comunicação informal de juiz e promotor é irregular em países como Israel, Itália e África do Sul

Em Israel, Suprema Corte proibiu conversa informal após escândalo de promotor que disse a juíza: "pareça surpresa".

26/6/2019

A 2ª turma do STF negou liberdade para o ex-presidente Lula, condenado na Lava Jato pelo então juiz Sergio Moro. Mas deu indícios de que, quando julgar o HC no qual a defesa alega a suspeição do magistrado, agora ministro da Justiça, a história será outra. 

O HC foi impetrado há meses (nov/18). Porém, as recentes revelações do site The Intercept têm o condão de mudar o resultado do processo, ao vazar a comunicação entre MoroDeltan Dallgnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato. 

Enquanto aqui há diversas correntes e teorias pela licitude ou não da prática, lembramos: há um ano, polêmica semelhante levou à proibição, em Israel, das interações informais entre juízes e promotores.

A iniciativa da ministra Ester Hayut, presidente da Suprema Corte de Israel, surgiu após denúncias de que uma magistrada que lidava com prisões em investigações de corrupção ligadas ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu trocou mensagens de texto com o promotor. Na conversa, o integrante do Ministério Público informou que concordaria com a soltura de dois investigados e pediria a prorrogação da prisão de outros. Em dado momento, disse que a juíza teria que “parecer surpresa”.

O professor e constitucionalista Saul Tourinho Leal, que entre 2018 e 2019 assessorou a vice-presidência da Suprema Corte de Israel, pondera: O Tribunal teve a oportunidade de reafirmar o dever de equidistância do juiz na sua relação com promotores ou investigadores. Agora, a interação há de ser feita na sala de audiências, com solicitação prévia."

Para Saul, "a Suprema Corte atuou com justiça e independência, reafirmando o dever de equidistância do julgador, que é a base da confiança pública que a sociedade deposita no Judiciário”. Em tempo: o escândalo foi tamanho em Israel que a expressão “pareça surpreso” foi incorporada à linguagem corrente no país.

Cenário

Seria Israel um caso isolado na comunidade internacional? Aparentemente, não. Um jurista sul-africano, que prefere não se identificar, explica que, como o país tem um sistema antagônico, conforme o modelo do Reino Unido, “seria altamente irregular para um juiz ter qualquer comunicação sobre o caso” com qualquer parte. “Especialmente em matéria penal, seria tão irregular que o processo provavelmente seria anulado.”  

E o que chama ainda mais a atenção: o país da operação Mani Pulite, inspiração da Lava Jato e do modus operandi de Moro, tem restrição semelhante.

Na Itália, há um juiz instrutor (produtor de provas) e um juiz julgador (que será aquele que efetivamente dará a sentença). O advogado Daniel Pacheco Pontes, professor de Direito Penal da USP, explica que isso ocorre no sistema italiano justamente para evitar esse tipo de problema que se enfrenta, agora, no Brasil: "Se houver qualquer suspeita sobre a imparcialidade do juiz instrutor, não tem problema, porque quem vai julgar é outra pessoa. Isso minimiza esse tipo de situação."

No Brasil, ao contrário, não há essa separação. Em tese, adota-se o sistema acusatório, que seria um sistema em que o juiz teria que ser provocado, sem produção de prova de ofício. Mas a prática é outra: "Usamos um sistema acusatório que é um pouco diferente, o nosso juiz tem bastante liberdade, a própria lei processual confere a ele a possibilidade de produzir prova de ofício. É um sistema um pouco estranho, um sistema acusatório impróprio", define Pontes.

Vejamos o que ocorre no DIPO - Departamento de Inquéritos Policiais de São Paulo (capital), que segue na linha da sistemática europeia: há juízes que vão trabalhar apenas com a parte do inquérito policial - ou seja, uma medida de interceptação telefônica ou de busca e apreensão, será dferida ou indeferida por esse magistrado; mas esse juiz não vai julgar. Posteriormente, na ação penal, a caneta condenatória ou absolvitória é de outro julgador. 

Essa bola dividida no DIPO, no entanto, é apenas na capital - no interior do Estado já não funciona assim. No geral, o mesmo juiz que faz a instrução pode pedir provas de ofício.

"Ele terá aí, muitas vezes por conta do princípio da verdade real, liberdades que são um pouco estranhas no processo acusatório", pondera o professor da USP. Daniel Pontes prossegue argumentando que, desta perspectiva, o caso de Moro e Dallagnol oferece uma oportunidade, do ponto de vista jurídico, para debates relevantes que podem gerar proveitos ao processo penal.

"O juiz conversar com o advogado, com o promotor, é normal. Não tem tanto problema simplesmente a conversa. Começa a ter problema quando o juiz direciona o trabalho do Ministério Público, ou mesmo do advogado. Aí já começa a ficar um pouco duvidoso, parece que está extrapolando a função do juiz. Essa é a dúvida que fica no caso."

A Associação Juízes para Democracia repudiou a afirmação de Moro, feita no Senado, de que o contato privado do juiz com promotor é comum. Mas, segundo relatos, não parece de fato que Moro foi o primeiro juiz que fez isso. Resta a dúvida: pode ou não pode? É lícita ou não? Até que ponto a comunicação informal é lícita?

O penalista Daniel Pontes lembra ainda a questão que concerne à prova - ou falta dela, no caso dos vazamentos: "Essa notícia, se for do jeito como aparece lá [The Intercept], pode ser entendida como prova ilegal. Sabemos que a regra geral seria que tem que ser descartada, não pode ser considerada. Porém, há o entendimento, no que diz respeito especificamente ao processo penal, que a prova ilegal poderia ser usada em benefício do réu."

A doutrina cita, exemplificarmente, uma interceptação telefônica que foi feita de maneira ilegal, mas que demonstra a inocência do réu. "Por conta disso, essa notícia poderia ser usada para beneficiar o ex-presidente Lula, mas não para prejudicar ou esponsabilizar Sergio Moro", destaca Pontes.

Segundo o professor, porém, a tese não é tão simples, na medida em que as revelações atestam, por enquanto, "não uma prova da inocência do Lula, mas sim uma prova de um comportamento talvez equivocado do ex-juiz Sergio Moro".

"Não tenho para mim tão claro que essa prova pode ser utilizada. Talvez possa. É um julgamento interessante. Se for um julgamento técnico, vai acabar aprofundando algumas coisas que são importantes no processo penal, que a gente se depara de vez em quando. Sempre que acontece algo, tem que ser averiguado. Não há nulidade sem prejuízo, e tem que ver se essa conversa entre o ex-juiz e os procuradores acabou influenciando alguma coisa no julgamento."

Vazamentos

Migalhas reuniu, em site exclusivo, todas as informações e desdobramentos dos vazamentos envolvendo a operação Lava Jato. Acesse: vazamentoslavajato.com.br

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