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Assalto ao trem pagador: a história de Ronald Biggs, que escapou da Justiça por mais de 30 anos

Biggs viveu no Brasil a maior parte do tempo em que ficou foragido.

6/6/2019

Na madrugada de 8 de agosto de 1963, um trem postal que ia da cidade escocesa Glasgow a Londres foi assaltado por “piratas dos trilhos” ao parar no sinal vermelho. 

Jornais da época contam que o grupo precisou de somente 28 minutos para roubar 2,6 milhões de libras – aproximadamente R$13 milhões para os dias de hoje. Para roubar o trem, os ladrões alteraram as sinalizações ferroviárias, renderam o maquinista, desengataram a locomotiva de dois vagões que continham o dinheiro e, em um desvio, levaram tudo. 

A história, tida como o roubo do século, ficou conhecida como assalto ao trem pagador e teve como protagonista um dos piratas dos trilhos, Ronald Biggs.

Biggs foi preso meses após o roubo e foi condenado pela Justiça britânica a 30 anos de prisão, mas conseguiu fugir da cadeia depois de 14 meses ao pular o muro usando uma corda feita, por ele mesmo, de pano.

Após a fuga, Biggs se escondeu em vários países, inclusive no Brasil, onde permaneceu por mais de 30 anos em liberdade e ganhou notoriedade devido a suas fugas. 

Ronald Biggs no Brasil

Biggs chegou ao Brasil em 1970 usando um passaporte falso. Desde sua fuga, ele era um dos homens mais procurados no mundo, até ser descoberto em Copacabana em 1974 pela polícia judiciária de Londres, a Scotland Yard.

No entanto, devido à ausência de acordo de extradição  entre Brasil e Inglaterra, Biggs pode permanecer no Brasil. Em 1974, Biggs e sua namorada brasileira Raimunda Rothen tiveram um filho, Mike, que foi integrante do famoso grupo infantil da década de 80, Balão Mágico.

Ronald Biggs se tornou celebridade ao escapar da Justiça britânica e viver tranquilamente no Brasil. Durante seus anos no Rio de Janeiro, morou no boêmio bairro de Santa Teresa e teve um restaurante. 

Chegou a participar de um álbum da banda Sex Pistols em 1978, gravando uma música de sua autoria chamada No one is innocent, que em forma de oração, pede para que Deus salve “todos nós pecadores” e que "Ronnie Biggs estava enrolando, até que ele fugiu."

Além disso, Biggs publicou uma autobiografia intitulada “A minha verdade” na qual relata como foi o assalto ao trem pagador. 

Em 1981, um grupo de mercenários sequestrou Biggs e o levou para uma ilha em Barbados na esperança de obter recompensa das autoridades britânicas. Mas teve seu reingresso ao Brasil assegurado por laissez passer emitido pelo governo brasileiro. 

Justiça brasileira

Em 1974, a Inglaterra já pedia a expulsão de Biggs do solo brasileiro, mas o STJ – na época Tribunal Federal de Recursos – negou o pedido ao explicar que a expulsão, na prática, tinha o mesmo princípio da extradição e que ainda não existia um acordo entre os países. 

Na mesma época, com base no decreto-lei 941/69, o ministério da Justiça determinou que Biggs ficasse em regime de liberdade vigiada. Em 1980, a norma foi revogada pela lei 6.815/80 que definiu a situação jurídica de estrangeiros no Brasil, ficando determinado o uso da liberdade vigiada:

Art. 73. O estrangeiro, cuja prisão não se torne necessária, ou que tenha o prazo desta vencido, permanecerá em liberdade vigiada, em lugar designado pelo ministério da Justiça, e guardará as normas de comportamento que lhe forem estabelecidas.

Em 1992 Biggs foi autor de remédio heroico perante o STJ para eximá-lo da liberdade vigiada na qual se encontrava.  Ao apreciar o HC 13.455, o relator ministro José Dantas defendeu que não era “crível que a constrangedora medida restritiva imposta ao paciente tolere-se legítima com o caráter de perpetuidade já denunciado pelo transcurso dos dezoito anos de sua duração.”

O pedido foi atendido parcialmente, cassando apenas as restrições atribuídas a Biggs administrativamente pelo ministério da Justiça. No relatório do processo ficou estabelecido que o art. 73 da lei ia contra o art. 5 da CF/88 que determina que apenas a autoridade judiciária tem competência para impor restrições ao direito de ir e vir de quem quer que se encontre sob a jurisdição brasileira, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar.

Em 1997, o Brasil firmou acordo de extradição com a Inglaterra e assim, Biggs foi surpreendido  ao receber um pedido de extradição inglês ao Ministério das Relações Exteriores brasileiro. 


(Jornal O Globo, 1997)

 

O STF apreciou o pedido de extradição de Ronald Biggs. Por unanimidade, os ministros consideraram que a solicitação do governo britânico não deveria ser analisada devido ao crime do assalto ao trem pagador, ocorrido há 34 anos, já estar prescrito e votaram pelo arquivamento do pedido inglês.

À época, o relator do caso, ministro Maurício Correa, alegou que pela legislação brasileira, não era possível conceder extradição uma vez que a prescrição do crime de roubo ocorreu 20 anos após a data da fuga, em 1965. 


(Jornal O Estado de S. Paulo, 1997)

Bigss permaneceu no Brasil até 2001, quando decidiu voltar para Inglaterra. Ao chegar lá, do aeroporto foi direto para a prisão, ficando preso até 2009 quando foi solto por já ter cumprido um terço da pena e por estar com problemas de saúde. 

Ronald Biggs faleceu em 2013 aos 84 anos. 

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