“Nossos filhos são o motor que nos impulsiona a continuar sempre, não importa o que aconteça”, garante Lidia Rodrigues, recém-formada na Faculdade de Direito - e mãe de três. Nesta sexta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher, revelamos histórias que detalham as nuances da conciliação do papel de mãe com a rigorosa exigência de um curso superior.
Lidia é uma delas: aos 16 anos, no último ano do Ensino Médio, descobriu-se grávida. Nascida em uma família humilde, na qual os pais não conseguiram chegar aos bancos de uma universidade, a graduação em Direito não era apenas sonho da jovem, mas de toda a família:
“Quando descobri a gravidez, meu primeiro sentimento foi de desespero. Achei que seria impossível alcançar tudo o que eu havia planejado, agora com uma filha nos braços. Porém, neste momento, o apoio da minha mãe e a segurança que ela me transmitiu foram fundamentais.”
Com a ajuda da família, especialmente a mãe, Lídia conseguiu concluir o Ensino Médio.
“O sonho de cursar Direito, naquele momento, parecia impossível, e esta era a minha maior frustração. Novamente eu teria que buscar caminhos que fossem possíveis com a existência da maternidade. Não desisti. Fiz alguns cursos técnicos para me especializar e comecei a estudar para concursos públicos.”
Já casada, aos 22 anos veio a segunda filha. E com ela o desejo ainda mais forte de realizar o curso de Direito. Por meio do ProUni, Lídia ingressou na Faculdade de Direito da Unaerp; classificou-se para a única vaga oferecida, em que concorreram 187 candidatos.
“Me lembro muito bem da emoção que senti no dia em que fui efetuar minha matrícula, e depois no primeiro dia de aula, quando entrei na Universidade. Lembrei de todo o meu trajeto, de ter sido mãe ainda tão jovem e mesmo assim estar ali, e do quanto minha mãe torceu e me incentivou. Ela cuidava das meninas quando eu saía para a faculdade; às vezes elas também ficavam com o meu marido, e as noites em que ele trabalhava, e minha mãe tinha algum compromisso, eu as levava comigo para a faculdade.”
Lídia recorda, por exemplo, de momentos da história das meninas nos quais não pôde estar presente, já que estudava. E eis que, no último ano da graduação, “uma doce surpresa!”: logo mais chegaria Lorenzo, o terceiro filho do casal.
“As viagens de uma hora até chegar na faculdade se tornaram muito difíceis com as náuseas, as dores nas costas em passar horas escrevendo a monografia já de barrigão na frente do computador, e a correria em conciliar as consultas, ultrassons, com provas e prazos da faculdade, tudo em outra cidade, o que levava ainda mais tempo. Nesta época eu também fazia o estágio, e confesso, que por muitas vezes achei que não fosse conseguir. Ainda para concluir o curso, teria que fazer todas as provas e estas estavam marcadas para a semana do meu parto.”
Neste momento, Lídia faz questão de destacar o apoio recebido pelo coordenador do curso e sua equipe, que a acolheram em momentos de ansiedade. Além disso, alguns professores anteciparam as provas, e ofereceram o suporte necessário já que o pequeno Lorenzo chegaria em pouco tempo.
“Frequentei a faculdade até a véspera do nascimento do meu terceiro filho. Algumas adaptações tiveram que ser feitas, como a apresentação da minha monografia, que não foi na mesma semana da turma. Esta aconteceu quando meu filho estava com um mês. Fui aprovada com nota máxima em todos os requisitos e por isso, minha monografia hoje faz parte do acervo da biblioteca da Unaerp.”
No dia formatura, o recém-nascido ficou em casa, mas as duas filhas estavam lá: Heloísa, a mais velha, que está no 2º ano da Faculdade de Direito, e Laís: “Além do nascimento dos meus filhos, aquele com certeza foi o dia mais emocionante da minha vida; uma grande realização, não só para mim, mas para todos que caminharam comigo nesta jornada. Chorei muito ao entregar à minha mãe, a rosa que homenageava os pais, pois sabia que sem o apoio dela, nada daquilo teria sido possível. Devo a ela tudo o que me tornei hoje, e, neste dia das mulheres, é para ela a minha homenagem – a mulher mais forte e mais guerreira que conheço!”
Recentemente, Lídia foi aprovada em um concurso estadual para dar aulas para o curso de técnico jurídico, e já pretende iniciar a pós-graduação: “Com certeza, entre os 187 candidatos com os quais concorri, muitos não tinham filhos. E ser mãe não me impediu de conquistar aquela tão sonhada vaga na universidade. Acredite, invista em você, nunca se sinta incapaz, não deixe as adversidades te desanimarem, aprenda com elas a dar a volta por cima.”
Rede de apoio
Ter o auxílio, seja da família, seja de colegas e professores, foi lembrado por todas as entrevistadas. Ângela Vieira Frazão Silva, aluna da faculdade de Direito da USP e mãe do Gael, de 7 meses, destaca: “Sempre lembro a frase que vi em um documentário: é preciso uma comunidade para criar uma criança. É isso, o apoio é muito importante.”
“Pedi a licença-maternidade em setembro, só em outubro aprovaram. Era pouco tempo para enviar todos os trabalhos, mas a faculdade também não foi tão rígida, porque entendiam minha situação.”
No total, foram 11 trabalhos durante a licença. “Não vou mentir: foi bem complicado, parece até que o Gael sentia eu nervosa com os prazos; ele passou a chorar durante algumas noites. Parecia que ele estava estressado junto comigo.” A estudante chegou a fazer trabalho de dez páginas manuscrito:
“Tive professores muito compreensivos, outros não muito. Os docentes que enviaram isso não entenderam o tamanho da tarefa de cuidar de uma criança, ainda mais amamentando, com uma grande privação de sono. Ainda hoje acordo a cada duas ou três horas durante a noite.”
Ângela conta ter sido crucial o apoio recebido das amigas e das avós do pequeno. E faz um balanço:
“Fiquei muito cansada de fazer tudo isso. Mas a maternidade é um cansaço diferente do que qualquer um pode imaginar. Ouvi de uma doula algo muito bonito: que o cansaço da maternidade te prepara para coisas maiores. No final, você olha para seu filho e vê algo muito maior que o cansaço, e com uma boa rede de apoio, não tem como travar - dá para ir em frete e conciliar. Hoje, olhando meu filho, me sinto bem mais impulsionada a realizar, seja na vida profissional, acadêmica, na minha saúde. Adoro ser mãe.”
Maternidade e estudos: Prova de fogo
Nessas horas, todo o apoio conta – e ainda pode não ser suficiente, como revela: “Meu esposo ficava com a neném no corredor da faculdade ou então no estacionamento para que eu pudesse amamentar.” No 10º semestre, último do curso de Direito, Bruna tentou, por diversas vezes, negociar o estágio obrigatório.
“Solicitei que fosse ele realizado em casa, com a entrega das peças que eram desenvolvidas dentro do Núcleo. Negaram e tive que cumprir carga horário durante um semestre dentro do núcleo. Além de assistir audiências, atividades complementares e, por fim, fazer o TCC. A mãe da Helena era o pai.”
A amamentação materna exclusiva até os seis meses de vida é orientação preconizada pela Organização Mundial da Saúde. Mas a sua concretização passa longe de uma mera vontade ou deliberação da mãe: os espaços públicos e privados precisam estar aptos para proporcionar o conforto e a segurança necessários às mães e seus filhos.
Há pouco mais de dois anos, por exemplo, é que a legislação (lei 13.363/16) passou a prever como direito da advogada (gestante, lactante, adotante ou que der à luz) a garantia de preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia.
Paula Corrêa, que se tornou mãe no 3º ano da faculdade, narra sua história: “Eu retirava o leite com o auxílio de bombinhas para quem fosse ficar com minha filha dar na mamadeira. No caso, minha mãe ou meu companheiro, uma situação muito desgastante, pois diversas vezes a quantidade de leite não era suficiente.”
Antes da maternidade, Paula levava uma rotina típica de milhares de estudantes: estágio/trabalho durante o dia e aulas à noite. Até que veio a notícia: “Ser advogada sempre foi um sonho, mas no início do 6º semestre descobri que estava grávida de 1 mês. Na minha cabeça só passava: ‘E agora? Como vou terminar minha faculdade?’, mas com a ajuda dos meus pais e principalmente do meu companheiro, consegui frequentar as aulas até o início do 8º mês, pois minha filha nasceu prematura.”
A jovem, então, iniciou em meados de abril de 2017 a licença, garantida pela lei 6.202/75, que permite que a estudante gestante possa a partir do 8º mês até o 3º mês depois do parto ficar assistida por atividades domiciliares. “Voltando da licença começou a real dificuldade. Com três meses, como todo bebê, ela não dormia à noite e bem pouco durante o dia, e eu ainda amamentava, então frequentar as aulas era uma prova de fogo e uma total superação. O cansaço era constante, mas minha vontade em ser advogada era bem maior. Neste semestre começou o estágio obrigatório e as audiências, também obrigatórias no curso de Direito.”
Tanto esforço mostrou resultado: Paula passou pelo curso com ótimas notas, e no último semestre, ainda amamentando, foi aprovada o exame da Ordem: “Posso dizer que engravidar e ser mãe durante uma graduação de ensino superior, seja qual for o curso, demanda muita determinação e uma rede de apoio - a qual tive, com muita sorte - e foco total para não desistir nas diversas dificuldades que só aparecem!”