“Se um motorista avança um sinal e não atropela ninguém, ele comete um ato ilícito sem causar dano, passível de sanção administrativa, na forma de multa, e até mesmo de uma investigação criminal pelo risco oferecido, mas de forma alguma cabe a sua responsabilização civil com vistas a uma indenização.”
O exemplo foi utilizado pelo advogado Gabriel Dolabela de Lima Raemy Rangel, da comissão de Direito Civil do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros, na última quarta-feira, 20. O causídico apresentou parecer contrário ao PL 9.574/18, de autoria do ex-deputado Federal Wadih Damous. O advogado relatou a matéria e teve seu parecer aprovado pelo plenário.
O PL se destina a alterar os artigos 186 e 297 do Código Civil, para que todo ato ilícito gere indenização, mesmo que não cause dano material.
Para Rangel, “um ato ilícito gera o dever de indenizar somente quando ocorre lesão na esfera moral superior a um mero aborrecimento, a um dissabor do cotidiano”. O relator, para quem as justificativas apresentadas no PL “são ralas e carecem de dados reais”, traçou um panorama histórico do tratamento dispensado pela legislação ao dano moral.
De acordo com ele, “já se negou a reparação, muito tempo atrás, sob o fundamento de ser o dano moral inestimável, pois se pensava que seria impossível atribuir valor ao sofrimento”. Contudo, informou o advogado, tal concepção “foi dando lugar à ideia de que se deveria recompensar aquele que passou por dissabores, mas não com a restituição efetiva, pois o conceito de equivalência inerente ao dano foi substituído pelo de compensação”.
Rangel explicou ainda que “hoje não existe mais discussão quanto à existência ou à necessidade de reparação do dano moral, até porque a CF/88 admite expressamente essa figura”.
Segundo o advogado, o reconhecimento ao dano moral também está presente no Código Civil, no CDC, na lei da Ação Civil Pública e, ainda, na lei 13.467/17 – reforma trabalhista. Na opinião do causídico, está garantido o direito à reparação nas relações de consumo, de trabalho, familiares, contratuais e com o Estado prestador de serviços públicos.
Mero aborrecimento
O advogado diverge conceitualmente do autor da proposta, para quem, “diante da tão propagada ideia de uma indústria do dano moral, a jurisprudência, em um efeito contrário, provocou a maximização do mero aborrecimento”.
Para Rangel, não há dados que confirmem a existência de uma indústria do dano moral, que visaria ao enriquecimento por meio da Justiça. “Estudos demonstram que as condenações não são altas, não passando de 3% do total as fixadas em valores superiores a R$ 100 mil”, afirmou.
O advogado questionou também o suposto aumento de ilícitos passíveis de indenização, tratados, como meros aborrecimentos, pelo autor do PL 9.574/18.
“O mero aborrecimento é uma construção jurisprudencial que limita a configuração do dano moral diante de uma lesão pequena, um aborrecimento leve”, defendeu, mas ressaltou que deve haver indenização por danos morais nos casos em que fornecedores de bens e serviços tiverem, por repetidas vezes, conduta de desrespeito ao consumidor. “Não se pode prestigiar uma conduta ilícita reiterada, por mais que a ofensa seja irrisória.”
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