Em seu discurso de posse no governo, o ministro da Justiça Sérgio Moro foi enfático ao dizer que o plenário do STF “já decidiu diversas vezes” sobre a regra da execução da condenação após julgamento em segunda instância.
De fato, este é tema recorrente entre as manifestações do ministro. Agora, convém voltar no tempo e rever o histórico de julgamentos para esclarecer os fatos. Porque, ao contrário do que diz o ministro, não foi bem isso o que se deu nas decisões supremas.
Inconstitucional
A controvérsia sobre quando é possível iniciar a execução da pena não é tema recente.
Em 88, o princípio da presunção da inocência foi legitimado pela CF, mas alterações legislativas não deram uniformidade ao tema, porque, do outro lado, o CPP, promulgado em 41, discorria sobre antecipação da culpabilidade, já que previa que o juiz poderia aplicar medidas de segurança ainda no curso de inquérito.
Além disso, a súmula 9 do STJ, que vigorava à época, dizia que sim, o sujeito poderia ser preso provisoriamente sem que isso ofendesse a garantia constitucional:
A exigencia da prisão provisoria, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.
Mas, em 2009, o Supremo mudou o entendimento e estabeleceu que era inconstitucional a execução antecipada da pena. Por 7 a 4, o plenário do STF concedeu o HC 84.078 para permitir a um condenado pelo TJ/MG que recorresse em liberdade.
Constitucional
Em 2016, uma nova reviravolta e um julgamento histórico sinalizaram que poderia haver mudança na jurisprudência sobre o tema: ao julgar um HC, o plenário, por 7 votos a 4, afirmou ser possível a prisão após 2ª instância.
Não se tratava, por sua vez, de processo objetivo: era um habeas corpus, quer dizer, só dizia respeito ao caso concreto. Os próprios ministros da Corte passaram a decidir, monocraticamente, de formas distintas.
5/7
Celso de Mello suspende execução de prisão de réu antes de trânsito em julgado
28/7
4/8
Fachin revoga decisão de Lewandowski e determina execução de pena após condenação em 2ª instância
27/10
Oito meses depois, em outubro daquele ano, a Corte indeferiu liminares em duas ADCs, de modo que ficou mantido o posicionamento a favor da prisão, só que por 6 votos a 5. A mudança na votação deveu-se ao ministro Toffoli, que tinha em mente um voto médio permitindo a prisão a partir de manifestação do STJ.
Em novembro do mesmo ano, a Corte reconheceu repercussão geral no ARE 964.246, recurso com agravo no mesmo caso discutido no HC, sobre execução provisória. Além disso, por 6 votos a 4, os ministros entenderam existir "reafirmação de jurisprudência", e julgaram o mérito ali mesmo, em ambiente virtual.
Quer dizer, o tema não chegou ao plenário físico, não foi discutido pelos ministros e sequer teve manifestação de toda a Corte. Isso sem falar no fato de que se reconheceu a "reafirmação de jurisprudência" a qual só tinha um único precedente, que aliás era do próprio caso que estava sendo julgado. Ou seja, não se obedeceu, nem de longe, a lógica que se quis implementar ao se instituir o julgamento célere por "reafirmação de jurisprudência".
Processo objetivo
Atualmente, aguarda-se que sejam julgadas no mérito as ADCs 43 e 44.
Além de a ministra Rosa Weber não ter julgado no ARE 964.246, processo no qual foi reafirmado o novo posicionamento, a composição do plenário já não é a mesma, com o ingresso de Alexandre de Moraes.
Além disso, são sempre possíveis as reconsiderações de voto, como aconteceu com os ministros Toffoli e Gilmar com relação a esta matéria.
Como se vê, o tema não está dirimido, e o julgamento, marcado para abril, pode reservar surpresas.