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Cortes Constitucionais de todo mundo debatem a nova “era dos dados”

Evento realizado em Jerusalém aconteceu dias 16 e 17/12 e reuniu professores de diferentes países para discutir os rumos do processo decisório nas Supremas Cortes.

19/12/2018

Entre os dias 16 e 17/12 Cortes Constitucionais de todo mundo estiveram reunidas no workshop “A tomada de decisão pelas Supremas Cortes no direito comparado” (Comparative Supreme Court Decision Making), que aconteceu na Universidade Hebraica de Jerusalém, no monumental campus do Monte Scopus, de onde é possível ver toda a parte árabe da cidade, o deserto que circunda a região e bairros judeus ortodoxos.

Professores de diferentes países debateram os rumos do processo decisório nas Supremas Cortes e não o fizeram à luz de teorias constitucionais apenas, ou de suas convicções pessoais, mas a partir das conclusões a que chegaram após analisarem os dados extraídos de plataformas digitais capazes de reunir uma quantidade inimaginável de informação e, à luz da inteligência artificial, combinada com a intervenção humana, escavá-la em busca de respostas que não são facilmente encontradas em sites oficiais.

Se antes a concentração de terras era a fonte mais definitiva de poder, a chegada da revolução industrial fez o ferro se tornar a menina dos olhos do mundo. A mudança mostrou que até o poder tem as suas variáveis. Agora, é a posse de dados e, especialmente, a capacidade de tratar esses dados, que podem empoderar imensamente uma pessoa, uma corporação, ou mesmo um país. Nas democracias, esse fenômeno alcança as Supremas Cortes, responsáveis por decisões que afetam questões individuais, coletivas e o aperfeiçoamento das instituições essenciais à preservação da própria democracia. Em linhas gerais, essa foi a conclusão do evento, como nos conta o constitucionalista Saul Tourinho Leal (Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia), que atualmente é assessor estrangeiro da vice-presidência da Suprema Corte de Israel, e que compareceu ao congresso, colaborando com esta matéria.

A organização do evento coube a Lee Epstein, da Universidade Washington (em St. Louis), e da professora Keren Weinshall, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Elas aproveitaram para lançar o Dataset da Suprema Corte israelense, onde todos os dados de julgamentos da Corte serão disponibilizados com critérios de pesquisas diversos dos do site oficial do Tribunal. 

O projeto foi inaugurado com elogios e sugestões da juíza da Suprema Corte de Israel, Daphne Barak-Erez, que, enfatizando que nos tempos atuais “informação é poder”, sugeriu inclusões na plataforma. “Há em Israel e em todo o mundo casos relevantíssimos, verdadeiros divisores de água, que, apesar da influência, não contaram com análise de mérito. Esses dados, contudo, não estão na plataforma. Deveriam estar”, disse a juíza.

Adam Liptak, do The New York Times, observou: “Plataformas de dados e as análises que fazemos a partir delas irritam os juízes. E isso é ótimo”. O jornalista, que tem formação jurídica, faz o acompanhamento da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Segundo ele, não se faz mais um bom jornalismo sem se ter acesso aos dados que, a partir de plataformas cada vez mais sofisticadas, permitam fazer cruzamentos essenciais à apuração da notícia. Questões sobre o tempo de tramitação do processo, ou a inclinação do juiz, a depender de qual partido o indicou, ou mesmo a migração da Corte para um lado mais ou menos conservador em alguns temas, depende dos critérios e dados que apenas essas plataformas independentes – e não oficiais – disponibilizam.

No painel “Criando datasets para o estudo do processo decisório das Supremas Cortes”, Matthew Gabel, da Universidade Washington (com Jeff Ziegler), apresentou o paper “Automatizando a base de dados do complaw: explorando os limites e as possibilidades de substituir codificadores humanos”. Gunnar Grendstad, da Universidade de Bergen, expôs: “Analisando a tomada de decisão da Suprema Corte da Noruega”.

Dia seguinte, o painel “Formação de coalisões nas Supremas Cortes” abriu os trabalhos. Chris Hanretty, da Universidade de Londres, falou sobre “Formação das turmas na Suprema Corte do Reino Unido”. Yen-Tu Su, da Academia Sinica & Chien-chieh Lin, de Taiwan, apresentou o artigo: “Os juízes da Corte Constitucional de Taiwan são políticos?”. Nuno Garoupa, da Universidade George Mason (em co-autoria com Alejandro Chehtman, Sofia Amaral-Garcia e Sergio Muro) expôs “A divergência na Suprema Corte da Argentina”.

Então se seguiram as seguintes apresentações no painel Supremas Cortes versus Governo: “Julgando o Governo: Evidências da Suprema Corte do Canadá”, por Andrew Green e Benjamin Alarie, da Universidade de Toronto; “Reforçando a performance no sistema da common-law versus o da Civil-Law: um estudo empírico sobre uma transformação jurídica”, por Eyal Zamir, da Universidade Hebraica de Jerusalém – com Leon Yehuda Anidjar e Ori Katz; “Proporcionalidade na teoria e prática: uma análise multi-nacional”, por Talya Steiner, do Israel Democracy Institute (com Mordechai Kremnitzer e Andej Lang).

A tarde teve início com o painel Juízes Como Seres Humanos. Lee Epstein (com James E. Daily e Kevin Quinn) trouxe o paper “Usando a Análise Automatizada da Linguagem para aferir como os julgadores se comportam”. Gad Barzilai, da Universidade de Haifa, Assaf Meydani, do Colégio Acadêmico de Tel – Aviv Yaffo e Maoz Rosental, do IDC Herzliya, falaram sobre “A personalização do judicial review: a coesão das indicações para o Judiciário e Cortes Constitucionais” e  Oren Gazal-Ayal, da Universidade de Haifa (com Haim Azulai e Itai Hammer) apresentou o paper: “Os juízes obedecem as leis?”.

O ultimo painel foi “A tomada de decisão na Suprema Corte de Israel”. Michal Alberstein (com Limor Gabay-Egozi Bryna Bogoch, da Universidade Bar-Ilan) abordou “Formalismos no Direito: construindo medidas para analisar a instabilidade da retórica jurídica nas decisões da Suprema Corte”. Menachem Hofnung e Ofir Hadad, da Universidade Hebraica de Jerusalém, trataram do “Enquadramento legal e elaboração de política judicial: ex-colaboradores de Inteligência, pedidos atuais de asilo e a Suprema Corte de Israel”. Inbar Levy (com Nadiv Mordechay), da faculdade de Direito de Melbourne, expôs “o custo das decisões e o judicial review na Suprema Corte de Israel”.

Tendo sido divulgado previamente o paper de cada apresentação (acesse aqui), a plateia pôde sabatinar os expositores, que contavam ainda com um debatedor cuja missão era fazer comentários, sugestões e críticas a respeito da exposição.

O evento mostrou que as Supremas Cortes e as Cortes Constitucionais de todo o mundo também passaram a viver na “era dos dados”, com seu comportamento, decisões e perfis de julgadores servindo para inúmeras análises a partir de plataformas digitais que, além de condensarem dados, constroem suas próprias formas de escavá-los, trabalhando com inteligência artificial e intervenção humana, atualizando seus algoritmos e códigos de modo a identificar questões sensíveis no processo decisório desses Tribunais.

Do alto do campus do Monte Scopus, em Jerusalém, professores e pesquisadores de todo o mundo aliaram as suas bases intelectuais com as mais modernas ferramentas de coletas e refinamento de dados que o mundo – e a tecnologia israelense – são capazes de oferecer. O resultado foi uma radiografia detalhada sobre a tomada de decisão e o que a influencia, em diferentes Supremas Cortes. Da Argentina ao Reino Unido; de Israel aos Estados Unidos; do Canadá à Austrália; de Taiwan à Noruega.

Dados, dados e dados. Essa é uma realidade que chegou ao Brasil e que passa a influenciar cada vez mais as discussões acerca do Supremo Tribunal Federal, numa mudança de postura que, ao que parece, é um caminho sem volta.   

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