“Mas vai! Comprovou-se que a vida já te emancipou, e agora quem o faz é o Poder Judiciário, que lhe deseja paz e inteireza, para cuidar de si, sua família e irmãos, pois se você ainda não tem esses direitos, caráter, honra e brio já demonstrou que possui, de sobra. Como toda sertaneja, és uma forte!”
O juiz de Direito Luciano Ribeiro Guimarães Filho, de Jequié/BA, emancipou uma jovem que morou sozinha em um galinheiro na beira da estrada. A mãe da jovem, que tinha outros filhos, colocou-a para fora de casa aos 11 anos. Hoje, aos 17 anos, a autora tem um filho de dois anos; o objetivo da emancipação é adquirir uma casa pelo programa Minha Casa Minha Vida.
A sentença foi proferida em 1ª pessoa, e o magistrado mostra-se extremamente comovido com a situação da requerente.
“Todo Juiz(íza) por prevalência e anterioridade, é um SER HUMANO. Aliás, no dia em que realizada a audiência de instrução, foi difícil conciliar a noite ao sono...”
O juiz lamentou a “antiga e cruel política nacional de atendimento das necessidades básicas e vitais” das pessoas pobres e abandonadas no Brasil.
“Como julgar o presente caso apenas com base na letra fria da lei, que, não raramente, deixa de contemplar e prever as tragédias que são impostas a significativa parcela da população brasileira?”
No caso, o julgador considerou não apenas as disposições do Código Civil como também os princípios da Constituição. Pelo CC, a jovem não cumpre os requisitos para a emancipação – contudo, o juiz concedeu-a sob o prisma constitucional da dignidade da vida humana e o direito pessoal e familiar a uma moradia digna, que somente poderão ser proporcionados à jovem com a sua emancipação civil.
Luciano Ribeiro Guimarães Filho narra na sentença que, quando terminada a audiência de instrução, “foi incontrolável o acalentador desejo de um pai em abraçar aquela jovem, transmitindo-lhe algum conforto, carinho e esperança”. E assim o fez.
“Tragicamente, este é o nosso Brasil, um país em que o Poder Público não entrega à sua juventude nenhum direito social, sabotando-lhes educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados. Como resultado desse jogo mais que injusto, perde Naiane, perdemos todos nós. Até quando …?”
No fim da decisão, o magistrado atribuiu à sentença força de mandado de averbação, direcionado ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais da cidade.
- Processo: 0502912-67.2017.8.05.0141