Abuso
Brasil é condenado por Corte Interamericana de Direitos Humanos
Familiares de uma vítima de abuso de direitos humanos venceram pela primeira vez um caso contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada na Costa Rica.
O caso diz respeito à morte do cearense Damião Ximenes, em novembro de 1999, enquanto estava internado na Casa de Repouso Guararapes, uma instituição psiquiátrica à época filiada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Damião morreu quatro dias depois de ser internado na clínica, que fica a <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="200 km">200 km de Fortaleza.
Embora o laudo do Instituto Médico Legal – redigido pelo mesmo médico que trabalhava na Casa de Repouso – apontasse "causa (de morte) indeterminada", Damião apresentava marcas de tortura e maus-tratos.
Em mais de 80 páginas de justificativas, a Corte decidiu que o país violou a Convenção Americana de Direitos Humanos em quatro artigos.
A sentença determina que o país a investigue os responsáveis pela morte de Damião e realize programas de capacitação para profissionais de atendimento psiquiátrico, além de elevar o valor da indenização aos familiares.
O tribunal enfatizou que é a primeira vez que julga a "violação dos direitos de uma pessoa portadora de deficiência mental".
De Ipoeiras, no interior do Ceará, a irmã de Damião, a contadora Irene, aplaudiu a decisão, mas lamentou que tenha sido necessário recorrer a um órgão internacional para conseguir as reparações pelo caso.
"Fomos à corte porque no Brasil um crime cometido por um manicômio nunca seria julgado", disse ela à BBC Brasil. "O do meu irmão seria apenas mais um."
A Secretaria Especial de Direitos Humanos, em Brasília, divulgou nota informando que criará um grupo especial para agilizar a tramitação do caso na Justiça.
Caso
O caso se tornou notório no Ceará por conta da pressão de grupos de direitos humanos e da imprensa local à época em que ocorreu.
No dia 1º de outubro de 1999, Damião foi levado por sua mãe, Albertina, à Casa de Repouso Guararapes. Ela temia pelas crises do filho, que também sofria de epilepsia.
Na segunda-feira seguinte, Albertina voltou à clínica, mas teve a notícia de que o paciente "não estava em condições de receber visitas".
Caso suscitou pressão de grupos de direitos humanos
Segundo a irmã de Damião, Irene, a mãe resolveu entrar à força. Lá, encontrou o filho "amarrado, com as roupas rasgadas, sangrando, coberto de hematomas e andando com dificuldades", relata Irene.
Caído aos pés da mãe, Damião teria dito: "Polícia, polícia…"
"Vendo o filho naquele estado, Albertina solicitou aos funcionários que o levassem para tomar um banho, indo em seguida procurar por um médico que pudesse atendê-lo na clínica", relata o processo encaminhado à Corte pela Organização não-Governamental Justiça Global, que representou a família.
"Encontrou finalmente o Dr. Francisco Ivo de Vasconcelos – diretor da Casa de Repouso Guararapes e legista do IML de Sobral – que se limitou a prescrever alguns remédios, sem sequer examiná-lo."
Sem opção, a mãe voltou à sua casa, no município de Varjota, a <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="70 km">70 km de Sobral. Mal chegou, foi chamada de volta à clínica. Lá, descobriu que o filho havia morrido.
A morte de Damião foi atribuída a "parada cardiorespiratória" e "causa indeterminada" pelo mesmo médico que assinou os laudos da instituição psiquiátrica e do IML, respectivamente.
Indignada, a família procurou grupos de direitos humanos e a comissão de direitos humanos da Assembléia Legislativa do Ceará.
Em julho de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="2000, a">2000, a pressão da opinião pública levou a uma intervenção de 120 dias na Casa de Repouso Guararapes, que foi fechada.
Responsabilidades
A Corte condenou o Brasil de violar quatro artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos: o 4º (direito à vida), o 5º (direito à integridade física), o 8º (direito às garantias judiciais) e o 9º (direito à proteção judicial).
Ao longo do processo, o Brasil reconheceu que havia violado os dois primeiros artigos, mas dizia ter tomado providências para melhorar a fiscalização e o credenciamento de instituições psiquiátricas no país.
A decisão levou a Secretaria de Direitos Humanos, vinculada à Presidência, a criar um grupo de acompanhamento judicial para agilizar o julgamento dos responsáveis neste e em outros processos.
Além da própria Secretaria, farão parte do grupo o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério das Relações Exteriores e a Advocacia-Geral da União.
O país terá também de pagar um valor mais alto como indenização à família. O valor inicial, de um salário mínimo, havia sido considerado "insignificante" e recusado pelos familiares de Damião.
Para governo, legislação sobre clínicas psiquiátricas melhorou
"Decisão histórica"
A diretora da Justiça Global, Sandra Carvalho, disse que a decisão é "histórica".
"(A decisão) é uma referência para a proteção dos direitos humanos e, em particular, dos pacientes psiquiátricos. O Brasil tem agora a oportunidade de mostrar que quer combater violações (deste tipo)", disse a diretora-executiva.
Em voto separado, o juiz brasileiro Antonio Cançado Trindade criticou a legislação brasileira de direitos humanos, e em particular uma mudança constitucional realizada em 2004, que dificultou a aprovação no Congresso de tratados internacionais na área.
Para o governo brasileiro, a decisão reconheceu "avanços" no sistema de atenção à saúde mental no país.
Na nota que emitiu, a Secretaria de Direitos Humanos afirmou que houve "uma importante reorientação do modelo centrado no hospital para uma rede de serviços extra-hospitalares, de base comunitária. E o município de Sobral, onde ocorreram os fatos, é atualmente referência nacional em políticas de saúde mental".
É a primeira vez que um caso de abuso de direitos humanos no Brasil é julgado na Corte Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Apenas há oito anos o país aceita a competência do órgão para julgar casos de direitos humanos. Foi um dos últimos no continente.
No Peru, que aceita a Corte desde 1981, e na Colômbia, que acata as decisões do órgão desde 1985, as sentenças têm ajudado a criar uma legislação no campo dos direitos humanos.
Uma série de sentenças condenatórias ao Estado peruano durante o regime do presidente Alberto Fujimori tem sido especialmente apontada como um marco na luta pelos direitos humanos dentro do país.
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