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Habeas corpus que mudaram a história

Embora usado para garantir um direito individual, alguns HCs foram responsáveis por importantes mudanças na jurisprudência.

26/7/2018

Habeas corpus: "que tenhas teu corpo". Relevantíssimo instrumento jurídico, trata-se de ação constitucional prevista no artigo 5º, aquele pelo qual fica protegida a liberdade do indivíduo.

O Código de Processo Penal disciplina que dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Por vezes malvisto, tido como recurso protelatório, a verdade é que o HC, embora instrumento de tutela de direito individual, analisado de forma subjetiva, tem seus reflexos vistos para muito além dos casos concretos.

Vamos às provas.

Progressão de regime em caso de crime hediondo

Um curioso caso transcorreu em meados dos anos 2000. Um pedido de habeas corpus foi escrito à mão, de dentro da prisão, pelo próprio paciente, e seria o responsável por alterar a jurisprudência da Suprema Corte.

O caso é o do pastor evangélico Oséas de Campos, condenado por atentado violento ao pudor contra crianças em Campos do Jordão/SP, crime pelo qual se diz inocente. Na cadeia, conseguiu uma Constituição e um Código Penal, que ganhou após carta escrita ao advogado Roberto Delmanto Jr.

Oséas escreveu vários pedidos de HC, pelos quais conseguiu reduzir sua pena, inicialmente de 18 anos, para 8. Como trabalhava na cadeia, diminuiu ainda mais o período em que deveria permanecer no cárcere e, ao completar dois terços da condenação, em agosto de 2005 obteve liberdade condicional.

Em seu último remédio heroico, Campos apontava a inconstitucionalidade da não-concessão de progressão de regime nos casos de crimes hediondos ou equiparados. A petição foi enviada por carta ao STF, em selo reaproveitado pelo preso.

Em fevereiro de 2006, a Corte julgou, por 6 votos a 5, inconstitucional não conceder progressão de pena para presos condenados por crimes hediondos ou equiparados. No fim das contas, o habeas não mudou a situação de Oséas. Por outro lado, alterou a posição da Corte Suprema sobre o tema.

Sobre este caso, destaca-se o prestigiado voto do ministro Marco Aurélio, seguido pela maioria na decisão do habeas. 14 anos antes do HC do pastor, o visionário ministro já havia votado neste mesmo sentido, pela inconstitucionalidade da vedação da lei dos crimes hediondos, processo no qual ficou vencido.

O caso se deu dois anos após a entrada em vigor da lei dos crimes hediondos (lei 8.072/90), quando o plenário do Supremo, ao julgar o HC 69.657, pacificou o entendimento predominante nos tribunais inferiores a respeito da constitucionalidade da vedação, pela lei, de que condenados por crimes hediondos progredissem de regime prisional. Anos depois, o plenário do STF se deparou novamente com o tema, no HC 82.959, quando entendeu de modo diverso: pela inconstitucionalidade da vedação.

Prisão em 2ª instância

Uma das decisões mais comentadas em se tratando de HC foi a que se deu em 17 de fevereiro de 2016, quando o STF mudou a jurisprudência para permitir a execução de pena após condenação em 2ª instância.

O resultado aconteceu no histórico julgamento do HC 126.292, de relatoria do ministro Teori Zavascki, cujo voto, no sentido da mudança da jurisprudência, foi seguido por Fachin, Barroso, Fux, Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. A ministra Rosa Weber abriu divergência, que foi seguida pelos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Lewandowski.

A alteração substancial da jurisprudência por meio de habeas corpus foi, à época, duramente criticada. Desde então, a presidente da Corte, ministra Cármen, sofre pressões para que seja reaberto o debate, desta vez pela via considerada “apropriada” – qual seja, o julgamento das ADC 43 e 44.

Descriminalização do aborto

Acontece em agosto, no STF, discussão acerca do sensível tema da descriminalização do aborto no Brasil. Será realizada audiência pública que antecede o julgamento da ADPF 442, ajuizada no ano passado, em que o Psol busca a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

Esta, no entanto, não será a primeira vez que o assunto aporta à Corte Suprema. Em novembro de 2016, um HC (124.306) julgado na 1ª turma foi deferido para afastar a prisão preventiva de médico e outros réus envolvidos em um caso de interrupção de gravidez.

Embora o tema não tenha sido julgado objetivamente, foi possível conhecer a posição de alguns ministros. Barroso ponderou acerca da interpretação conforme da Constituição com dispositivos do CP. Em seu voto, assentou que a criminalização do aborto no 1º trimestre da gestação viola diversos direitos fundamentais das mulheres – como a autonomia, a integridade física e psíquica, a igualdade de gênero e os direitos sexuais e reprodutivos –, bem como o princípio da proporcionalidade. Ele foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber e Fachin.

Na discussão do HC, os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux também votaram por afastar a prisão dos réus, mas apenas por questões processuais, sem se pronunciarem sobre a questão do aborto.

HC coletivo

Em fevereiro do corrente ano, julgamento histórico aconteceu na 2ª turma: HC coletivo (HC 143.641) garantiu a conversão para prisão domiciliar a todas as gestantes e mães de crianças e deficientes em território nacional que estivessem em prisão provisória. O voto condutor do julgamento foi o do relator, ministro Lewandowski, elogiadíssimo pelos colegas.

Preliminarmente, os ministros decidiram, de forma unânime, que é possível a impetração do HC coletivo.

O ministro lembrou que o Estado brasileiro não é capaz de garantir estrutura mínima de cuidado pré-natal e para maternidade às mulheres que sequer estão presas. "Nós estamos transferindo a pena da mãe para a criança, inocente. Me lembro da sentença de Tiradentes, as penas passaram a seus descendentes."

Foram excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas.

Decano da Casa, Celso de Mello categoricamente afirmou que o voto do relator entrará para os anais da história da Corte: "É um voto brilhante e histórico porque vai representar um marco significativo na evolução do tratamento que esta Corte tem dispensado aos direitos fundamentais das pessoas. Este processo trata de um gravíssimo drama humano."

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