A 2ª turma do STF trancou a ação penal contra o deputado Fernando Capez, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por suposto envolvimento na máfia da merenda. A denúncia havia sido recebida pelo Órgão Especial do TJ/SP no mês passado.
O advogado Alberto Zacharias Toron (Toron, Torihara e Szafir Advogados), ao pedir o trancamento da ação penal, classificou o caso de “patente” falta de justa causa para manejo da ação penal, “onde as provas de forma maciça apontam para a exclusão da responsabilidade do paciente”.
“Ele era deputado, candidatava-se a nova candidatura, e foi acusado de interceder em prol de empresa para sagrar-se vencedora em licitação e por isso recebeu propina. Mas os funcionários da secretaria de Educação, um antigo reitor da Unicamp, passando pelo chefe de gabinete dele até a funcionária responsável pelo certame, todos foram ouvidos e disseram que esse certame não teve a interferência de quem quer que seja. Todos disseram que nem o paciente ou qualquer outra pessoa interferiu indevidamente. A empresa para a qual supostamente o paciente teria favorecido perdeu o certame licitatório. A lógica acusatória vai se esgotando.”
Toron ressaltou ilegalidades no processo investigatório, como o fato de que testemunhas foram coagidas pela polícia e pelo MP.
“O que sobra contra o deputado Fernando Capez que legitimou o recebimento da denúncia? Aquilo que dito em Bebedouro, sob coação.”
Por sua vez, o subprocurador-Geral da República Carlos Vilhena reforçou o parecer da PGR no sentido de não conhecimento do habeas, por óbice da súmula 691.
“O TJ/SP recebeu a denúncia. Qualquer modificação disso exigiria aprofundado exame das provas, incabível no âmbito do HC. É importante que a ação penal tenha curso na origem para que se possa chegar à realidade dos fatos. A defesa pretende reverter o julgamento do TJ/SP fazendo vencedora a tese lá vencida.”
Trancamento da ação
O relator do HC, ministro Gilmar Mendes, começou o voto lembrando que, no TJ/SP, o placar foi 12x9.
O ministro leu trechos do voto do decano da Corte paulista, Xavier de Aquino, oriundo do MP, que concluiu pela total falta de provas no caso, considerando-se que o delator e as testemunhas foram “vítimas de coação, seja na polícia, seja no gabinete do promotor de Justiça”.
Gilmar afirmou que, se por um lado tem entendido o Supremo que somente palavras do delator não são suficientes para subsidiar recebimento de denúncia, no caso presente, ainda que considerada isoladamente, a delação não bastaria para instauração da ação penal, por não incriminar o paciente: “Acentua-se o fato da prova testemunhal, de forma uníssona, ter isentado o paciente. Na espécie encontra-se ausente esse substrato probatório mínimo.”
Conforme o ministro, a prova técnica também não socorre a denúncia do parquet, na medida em que Capez ofereceu espontaneamente contas bancárias e outros dados, que nada revelaram, e pediu inclusive para ser investigado; além disso, a quebra de sigilo telefônico não revelou ligações de/para nenhum dos supostos envolvidos.
“O trânsito de processos sem o devido lastro empírico leva a ferir o princípio da dignidade humana, transformando o homem em objeto do Estado.”
Acerca da aplicação da súmula 691, requerida pelo MPF, Gilmar Mendes disse que, logo após a aprovação do verbete, a própria Corte refletiu sobre sua revogação; mas, para que não fosse constrangedor para o próprio Tribunal, teriam decidido superá-la quando for o caso de afronta à jurisprudência da Casa:
“É preciso recompor esse pano de fundo. (...) Tem-se que superar a súmula 691. A regra deve ser a sua superação. O uso da prisão provisória com desiderato de obter execução antecipada é flagrantemente inconstitucional. É um dever superar a súmula 691. É um abuso invocar a súmula 691 quando o HC parece cabível. Permitir que uma persecução penal inconsistente perdure ou, pior, que alguém fique preso indefinidamente.”
Assim, concedeu a ordem para trancar a ação penal por “patente falta de justa causa”.
O ministro Toffoli acompanhou o voto do relator no conhecimento e no mérito:
“A súmula 691 veio sinalizar para não vir ao Tribunal aqueles HCs absolutamente inviáveis, em que não houvesse teratologia. Com base nesta súmula todos nós negamos seguimentos ao HC; depois vem o agravo e colocamos em lista. Duvido que exista um juiz neste Tribunal que já não tenha proferido voto superando a súmula 691.
Isso para mim não é hard case, é bastante simples. De abuso de autoridade, direcionada a perseguir alguém, coagindo pessoas a deporem contra determinada outra pessoa. Se isso não era possível num governo de exceção, muito menos pode ser admitido em um Estado Democrático de Direito.”
Por fim, o presidente Lewandowski formou a maioria com o voto do relator, ao considerar que a denúncia baseia-se exclusivamente nas palavras do delator, e não foi confirmada por nenhuma testemunha, tendo sido desmentida pela prova documental e oral carreada aos autos.
Ficou vencido o ministro Fachin, para quem não seria o caso de conhecer do HC, e ao examinar a possibilidade de concessão de ofício da ordem, ressaltou que o HC não coloca em questão locomoção ou liberdade.
“É uma forma de julgamento antecipado sobre a ação penal. Tal providência só tem sido tomada em casos aberrantes. (...) Do conjunto probatório é possível que se reconheça que esse é mesmo um hard case, cuja solução depende do livre convencimento judicial decorrente da apreciação que se faz das provas.”
Segundo o ministro, descabe aos Tribunais Superiores “a prematura valoração do quadro probatório a fim de conferir efeitos absolutórios”.
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Processo: HC 158.319