O plenário do STF deu continuidade, nesta quarta-feira, 13, ao julgamento das ADPFs 395 e 444, as quais pedem a proibição do uso de conduções coercitivas com finalidade de obter depoimento.
A prática está suspensa desde dezembro do ano passado por liminares do relator das ações, ministro Gilmar. Em sessão realizada na semana passada, o relator manteve sua posição, julgando procedentes os pedidos para proibir a prática da condução coercitiva para fins de interrogatório.
Na sessão desta quarta, a ministra Rosa acompanhou o relator. Houve, por sua vez, quatro votos pela possibilidade da medida coercitiva: Moraes, Fachin, Barroso e Fux. A discussão deverá ser retomada na sessão de quinta-feira.
Divergências
Inaugurando voto diverso daquele apresentado pelo relator, Alexandre de Moraes votou por dar parcial procedência às ADPFs.
O ministro destacou que, pelo CPP (art. 260), é possível a condução coercitiva, contanto que respeitado o devido processo legal, o que chamou de “diálogo equitativo” entre acusação e indivíduo, garantindo-se o direito ao silêncio e à não incriminação.
Moraes destacou, por sua vez, que a medida só é possível nos casos em que o investigado foi devidamente intimado e, de forma injustificada, deixar de comparecer. “Causar uma surpresa a alguém (...) sem que previamente seja intimado à condução coercitiva me parece ser uma das hipóteses de opressão na tentativa de desgastar, diminuir a natureza voluntaria do depoimento."
Assim, seu voto foi pela declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 260 do CPP, apenas para excluir a possibilidade de decretação direta da condução coercitiva, sem previa intimação com base no poder geral de cautela do juiz.
Próximo a votar, Edson Fachin apresentou uma terceira proposta: por não acolher os pedidos principais.
O ministro apresentou detalhado voto no qual tratou do sistema criminal brasileiro. “O Brasil tem sido marcado ao longo de sua história por um sistema de justiça criminal notadamente injusto, veiculador de um tratamento profundamente desigual entre os seguimentos mais abastados da sociedade e os cidadãos desprovidos de poder econômico e político." Fachin observou que "há um flerte com o autoritarismo", uma conivência com violência policial e métodos de investigação que desbordam dos limites legais e constitucionais.
“Jamais dirão que o que desejam é realmente manter a seletividade penal e a intocabilidade dos poderosos”, continuou, afirmando que o discurso vem escamoteado. “Tomam-se algumas falhas e desencontros e por meio de hipérboles, tentam fazer crer que uma nova ordem está se instaurando e é perigosa para as garantias individuais."
Sob esta perspectiva, afirmou que, embora via de regra não se admita, no campo processual penal, imposição de típicas medidas cautelares gravosas, tal proceder é admissível na hipótese em que esse instrumento seja empregado em favor do acusado ou do investigado, notadamente quando permita a substituição de medida cautelar típica que traduza maior gravame ao cidadão.
"Compreendo possível e constitucionalmente adequada a decretação judicial da condução coercitiva de investigados sempre que se atentar para os requisitos (...), e sempre que a condução coercitiva o for em substituição a uma medida cautelar típica mais grave, das quais são exemplo a prisão preventiva no art. 12 do CPP e a prisão temporária prevista pela lei 7.960/89."
Fachin não acolheu os pedidos principais das ações, acolhendo apenas o pedido subsidiário da ADPF 444 para dar interpretação conforme do art. 260 do CPP ao ressalvar a possibilidade de decretação da condução coercitiva sempre que decretada substitutivamente a medidas cautelares típicas mais graves. Para o ministro, assim como destacou Alexandre, também se impõe prévia intimação e ocorrência de não comparecimento injustificado.
80 anos
Barroso, em seu voto, acompanhou a divergência inaugurada por Fachin. Em seu voto, o ministro destacou que o Congresso, o presidente da República, a AGU e a PGR se manifestaram pela improcedência das ações. "É necessário um exacerbado ativismo judicial para o STF sobrepor a sua vontade à valoração dessa matéria por todos esses agentes políticos, eletivos e técnicos."
Assim como Fachin, Barroso apontou que o país sempre cultivou a cultura da desigualdade, e que “a postura igualitária que tentamos implantar aqui, diversos de nós, provoca choro e ranger de dentes". "Mas acho que há uma velha ordem que precisa ser empurrada para a margem da história, e nosso papel é empurrá-la."
O ministro também destacou que a redação original do artigo que trata da condução coercitiva data de 1941 – quase 80 anos atrás, sendo 30 deles sob a vigência da CF/88.
“Concorre a uma passagem para Zurique, na Suíça, para Ilhas Virgens ou para Ilhas Cayman quem adivinhar o que aconteceu de novidade no Brasil pra justificar a súbita indignação contra a condução coercitiva tantos anos após sua vigência. Eu arrisco um palpite: é que o Direito Penal finalmente vai chegando, aos poucos, com atraso, mas não tarde demais, ao andar de cima, aos que sempre se imaginaram imunes e impunes."
Assim como consta no CPP, Barroso esclareceu que a condução coercitiva só cabe se o investigado tiver sido intimado e injustificadamente ter deixado de comparecer. Se, no entanto, for utilizada em hipóteses em que admitida a prisão cautelar, entende que é possível a condução coercitiva independentemente de intimação. Destacou, ainda, que para ele é possível o uso da condução coercitiva como medida cautelar. Por fim, ele entende pela aplicação tanto para acusados (fase de ação penal) quanto para investigados (fase de inquérito).
Fux, da mesma forma, acompanhou Fachin. Ele destacou que, evidentemente, qualquer abuso, qualquer erro, deve ser coibido. Por sua vez, a condução coercitiva ocorrida por ordem judicial é constitucional.
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Processos: ADPFs 395 e 444