Migalhas Quentes

Seminário no STJ tratou do uso predatório do sistema de justiça

O evento em parceria com a FGV Projetos reuniu pesquisadores, professores, magistrados, advogados, promotores e defensores públicos.

22/5/2018

O auditório do STJ recebeu nesta segunda-feira, 22, renomados especialistas no seminário Acesso à Justiça: o Custo do Litígio no Brasil e o Uso Predatório do Sistema de Justiça.

Promovido pela Corte e pela FGV Projetos, o evento teve a coordenação científica dos ministros Luis Felipe Salomão e Ricardo Cueva e do conselheiro do CNJ Henrique Ávila.

O vice-presidente do STJ, ministro Humberto Martins, discursou na abertura do evento e destacou mudanças históricas consagradas na CF/88 para a garantia de direitos sociais.

O uso predatório da Justiça se refere à utilização estratégica do Judiciário por litigantes que buscam atrasar a implementação de direitos. O uso excessivo do Poder Judiciário em prol de postergar – de modo maciço – a outorga de direitos gera danos que ultrapassam as partes. O congestionamento Judiciário é um fato”, avaliou Martins.

O objetivo do evento, segundo o ministro Luis Felipe Salomão, foi discutir, entender e buscar soluções para o problema da judicialização no país. Por sua vez, o ministro Cueva defendeu o debate sobre o uso dos recursos escassos do Judiciário, colocando em evidência questões normalmente negligenciadas quando se discute o volume de processos em tramitação no país.

O professor Aloísio Pessoa de Araújo, da FGV, palestrando no painel sobre o custo do litígio no país, disse que a legislação nacional é um dos fatores que ajudam a explicar o cenário. Ele apresentou a lei de falência e recuperação judicial (11.101/05) como exemplo. Araújo comentou que, antes, os processos de falência duravam dez anos em média, e após a promulgação da lei atual esse tempo baixou para quatro anos.

O jurista Antônio Carlos Marcato, da USP, no mesmo painel, afirmou que há uma relação direta entre as custas processuais e o número de demandas na Justiça. Ele citou exemplos de países como Inglaterra, França e Alemanha, nos quais a ausência de gratuidade se reflete no número de processos, sensivelmente inferior ao observado no Brasil. Outro fator a ser considerado, na visão do professor, é a falta de recursos para incentivar os meios extrajudiciais de solução de conflitos, como a mediação. Veja a entrevista concedida pelo professor à TV Migalhas.

Também sobre o tema, o professor Luciano Benetti Timm, da FGV, também comentou a relação entre a Justiça gratuita e o número de demandas ajuizadas. Ele afirmou uma das motivações de tantos litígios no país é o baixo custo associado ao baixo risco, sendo necessário propor soluções para impedir o uso excessivo da Justiça, como o estabelecimento de critérios rígidos para a concessão do benefício de gratuidade.

Aprimoramentos

No período da tarde foram realizados três painéis de debates, com uma gama variadas de palestrantes.

No primeiro deles, sobre a racionalização do sistema de justiça, falou o professor Kazuo Watanabe, que defendeu a ideia de uma postura ativa do Judiciário na prevenção de litígios judiciais, cuidando dos conflitos de interesses antes da judicialização. Foi quando propôs a criação de grupo de estudos para prevenção e tratamento adequado dos conflitos, que faça pesquisa e estudo da litigiosidade repetitiva de modo a formular politicas públicas para solução desses conflitos.

O juiz de Direito Marcus Vinicius Kiyoshi Onodera, de SP, destacou a necessidade do gerenciamento de casos como importante meio para combater o excessivo volume de processos. Para ele, hoje, o juiz e as partes devem resolver não só o processo, mas o caso ou conflito, para se atingir um julgamento célere, eficiente e justo. Além disso, afirmou que “os métodos adequados de resolução de conflitos devem ser utilizados como mais um instrumental nas mãos do juiz”.

A professora Teresa Arruda Alvim focou a palestra nas mudanças advindas com o CPC/15 e delas destacou que o Código traz institutos que devem ser compreendidos como único sistema, de modo que seja aproveitado ao máximo, fazendo-se o que for necessário para concretizar de modo mais abrangente a isonomia.

Uma crítica veemente foi feita pela professora à súmula 343 do STF, segundo a qual "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". Para Teresa, trata-se de verbete que pode ser classificado como "jurisprudência defensiva", sem "racionalidade jurídica", e nessa linha defendeu o instrumento da modulação, muito mais "rico" e que "apaga o efeito-surpresa".

O procurador RJ e professor da UERJ Antonio do Passo Cabral abordou a importância do "case management", afirmando que muitas vezes "as grandes revoluções estão nos pequenos procedimentos". O procurador argumentou a favor do protagonismo das partes, lembrando que o processo "começa no contrato, no planejamento contratual", mas defendeu também a gestão da competência, propondo uma "competência ad actum", de modo que seja possível combinar competências entre juízos. Cabral entende necessária a ressignificação do juiz natural.

No segundo painel, cujo foco era a otimização do sistema de justiça, com atenção aos Juizados Especiais e às Defensorias Públicas, o juiz de Direito Fernando da Fonseca Gajardoni inaugurou a palestra lembrando que "acesso a justiça não pode ser confundido com acesso ao Judiciário", e que há muitas formas de garantir tal otimização - inclusive por meio de legislação.

O magistrado acredita ser importante que se reveja o conceito de interesse processual para salvar os Juizados Especiais Cíveis. Gajardoni destacou o "problema cultural de falta de conversa" que leva ao Judiciário conflitos que p deriam ser solucionados por meios administrativos. Uma ideia sugerida foi a de onerar os maiores litigantes a pagarem o custo do Judiciário, já no momento da citação - uma forma de incentivar que grandes players saiam do ranking de mais demandados e busquem soluções administrativas para os problemas.

O defensor-público-Geral do Amazonas Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa sustentou a remodelagem da Defensoria, instituição que, acredita, não deve ter apenas defensores e sim uma gama ampla de profissionais (como psicólogos, assistentes sociais e antropólogos) que lidem com a complexidade dos dramas que ali aportam. "A Defensoria deve restringir cada vez mais sua atenção para que a advocacia trafegue na margem em que há possibilidade de custeio do profissional."

Já no último painel do dia, o advogado e professor Paulo Henrique dos Santos Lucon disse que uma cultura voltada para a oralidade é um caminho no enfrentamento de um processo formal, restrito e distante do jurisdicionado. Segundo Lucon, é chegada a hora de um papel efetivo das agências reguladoras - "a empresa sofre milhares de processos e não acontece nada" - e a valorização do processo coletivo. "Decisão judicial no Brasil se recorre, não se cumpre", lamentou o professor.

A professora Juliana Loss destacou o alto custo da judicialização da saúde e a concentração de demandas em um número pequeno de atores. Para ela, a falta de informação qualificada pode prejudicar o trabalho do juiz, e o uso da inteligência artificial poderia suprir essa lacuna. Segundo a pesquisadora, o reconhecimento da competência do Judiciário dentro da solução de conflitos influencia positivamente as políticas públicas da área de saúde.

Com a experiência de desembargadora no maior tribunal do mundo, o TJ/SP, Christine Santini assegurou ao público presente, a partir de dados sobre a judicialização da saúde, que o Poder Judiciário atua para equilibrar uma relação; e, no atual contexto, os litigantes estão em franca rota de colisão, sem darem a devida seriedade à ameaça que vem do outro lado; "o Judiciário pode funcionar como meio de conscientização social. Precisamos do aparelhamento do Poder Judiciário para lidar com ações coletivas ou individuais repetitivas de forma diferenciada, com ênfase no papel da mediação".

Encerramento

O painel de encerramento do seminário contou com a participação de dois dos coordenadores científicos do evento, o ministro do STJ Villas Bôas Cueva e o advogado Henrique Ávila, conselheiro do CNJ, além dos advogados e professores Georges Abboud e Sergio Bermudes.

Último palestrante do dia, o professor Sergio Bermudes lembrou que, muitas vezes, o advogado é compelido a insistir no processo e nos instrumentos recursais, inclusive por pressão dos próprios clientes. Bermudes também lembrou a necessidade de reconhecer a Justiça como serviço público e, dessa forma, garantir-lhe recursos necessários para o seu funcionamento e aprimoramento.

Por fim, o ministro Cueva anunciou uma novidade: a criação de um observatório de precedentes judiciais.

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