Migalhas Quentes

STF tem maioria pela restrição do foro privilegiado

Plenário finaliza julgamento nesta quinta-feira.

2/5/2018

Foi adiada para quinta-feira, 3, a decisão do plenário do STF sobre a possibilidade de restrição do foro por prerrogativa de função. O julgamento, que se arrasta desde maio do ano passado, é discutido na questão de ordem na AP 937 e foi retomado nesta quarta com voto-vista do ministro Dias Toffoli.

Até o momento, prevalece a tese apresentada pelo ministro Barroso, para quem o foro especial deve ser limitado aos crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao cargo. Entenda:

O ministro defende duas teses:

1) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

2) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar as ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

O voto do ministro Barroso foi acompanhado integralmente por Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello.

O ministro Marco Aurélio também votou de forma favorável a restringir o instituto. Divergiu apenas quanto à segunda parte da tese do relator. Para ele, assim que o réu deixa de ocupar o cargo, a prerrogativa deve ser cessada, independentemente do momento processual.

Inaugurando nova corrente, Alexandre de Moraes, que apresentou voto-vista em novembro de 2017, entende que o foro deve ser restrito às infrações praticadas durante o mandato, mas não impõe a restrição sobre os crimes não relacionados ao cargo.

O ministro apresentou a seguinte tese:

1) O foro por prerrogativa de funções dos parlamentares aplica-se apenas às infrações penais comuns praticadas a partir da diplomação até o final do mandato, ou até final do julgamento, se já estiver encerrada a instrução processual e publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais.

2) Nos casos em que permanece o foro privilegiado para deputados e senadores, que não se apliquem mais as hipóteses de continência e conexão, somente sendo extensível quando o fato típico for único e indivisível.

Ao apresentar voto-vista nesta quarta, Dias Toffoli afirmou que os critérios fixados na tese de Barroso são subjetivos. Assim, ele seguiu o voto intermediário de Alexandre de Moraes, este com parâmetros que o ministro considerou objetivos, que estabelece como marco temporal a diplomação ao cargo para que a competência passe a ser do Supremo, mas limita o foro a crimes relacionados à função.

O ministro Lewandowski também seguiu Moraes ao votar nesta quinta-feira. Placar, então, fica 7 a 3.

Voto-vista de Toffoli

Toffoli iniciou seu voto traçando um panorama histórico do foro por prerrogativa de função, citando outras Constituições. O ministro apontou que o foro se deu pela pressão que as oligarquias exerciam sobre os magistrados locais. Ele diz ser favorável às regras de prerrogativa de foro porque "em uma federação complexa e marcadamente desigual como a brasileira", as autoridades máximas não devem ser julgadas por poder local, mas sim por "órgão da nação brasileira".

“A Constituição escolheu soberanamente no processo constituinte esta Corte, o STF, órgão máximo do Judiciário do país, para desempenhar esse mister. (...) A prerrogativa de foro não tem como objetivo favorecer aqueles que exercem os cargos listados, mas garantir a independência do exercício de suas funções, além de evitar manipulações políticas nos julgamentos, e a subversão da hierarquia."

Toffoli também afirmou que é mito dizer que há impunidade por parte do STF, ou que a Corte não teria condições de atuar em casos que envolvessem pessoas com prerrogativa de foro. Ele observou que, entre a CF 88, até a emenda constitucional 35, de 2001 - que acabou com a imunidade formal, destacou o ministro - só tramitaram 6 ações penais no Supremo. De 2002 a abril de 2018, já foram autuadas 661 ações penais no Supremo. Acrescentou que foi a partir daí que o Supremo viu a necessidade de aperfeiçoar a forma de atuação. Para ele, não se pode dizer que no passado havia impunidade e que de repente “pessoas iluminadas, heróis que assumem cargos passam a, de uma hora para outra, serem elas que então representam esse iluminismo civilizatório”.

“Os resultados de hoje não são obra de determinadas pessoas, muito menos de heróis iluminados – mas desdobramentos de um processo contínuo de evolução normativa e constitucional, do amadurecimento e do fortalecimento das instituições."

Concluído o apanhado histórico, o ministro relembrou o voto do relator sobre limitar o foro e frisou: “a meu sentir, não existe margem para a pretendida interpretação restritiva da prerrogativa de foro instituída pela CF". Para ele, a CF não distinguiu entre os crimes anteriores ao mandato e durante o exercício, e fez a "explicita opção por atribuir o julgamento deles, indistintamente, ao Supremo".

Apesar de sua posição de que não é possível a interpretação restritiva, Toffoli observou que já há maioria pela limitação do instituto. Ele, então, decidiu aderir à tese intermediária proposta por Alexandre de Moraes. “A objetividade do critério proposto por S. Exa., calcado exclusivamente no marco constitucional da diplomação, tem o indiscutível mérito de evitar dúvidas e questionamentos, pois atrai para a competência da Suprema Corte o julgamento dos crimes praticados por parlamentar Federal após a diplomação, independentemente de sua natureza.”

O ministro externou preocupação com a "porosidade em razão da maior margem de apreciação que vem a decorrer da subjetividade do interprete em relação ao critério de determinação da competência ex ratione muneris – em razão da função – por parte do STF". Para ele, limitar o foro a fatos relacionados à função exigirá que a Corte continue a se pronunciar caso a caso se o crime tem ou não relação com o mandato, porque é um critério subjetivo.

“Quanto menor a margem de apreciação atribuída ao interprete, maior segurança se conferirá não apenas ao jurisdicionado, que conhecerá previamente seu juiz natural, como também às próprias instâncias inferiores, que poderão, sem nenhum temor de depois uma decisão superior delas retirar, poderão ou não instaurar investigações preliminares e ações penais com base em critérios inquestionáveis de determinação da competência.”

Ressalvando posição pessoal, contrária à limitação, Toffoli acabou por sugerir que a questão de ordem seja resolvida no sentido de:

1) Fixar a competência do STF para processar e julgar os membros do Congresso nacional exclusivamente quanto aos crimes praticados após a diplomação, independentemente de sua relação ou não com a função pública em questão.

2) Estabelecer que a renúncia ou a cessação por qualquer outro motivo do mandato parlamentar ou da função publica que atraia a causa penal à Suprema Corte após o encerramento da fase do art. 10 da lei 8.038/90, com a determinação de abertura de vista às partes para alegações finais, não altera a competência do STF para julgamento da ação penal.

Ele ressaltou a importância de se demarcar o momento em que se caracteriza o término da instrução.

Voto de Lewandowski

Ao votar, o ministro Lewandowski destacou que, no STF, “longe daquilo que o vulgo pensa”, não há qualquer vantagem ou privilégio com relação ao julgamento de ações penais na primeira instância.

O ministro observou que o sistema do foro é complexo e importante para permitir a isenção dos julgamentos. Ele apontou rivalidades locais e que, em juízo de 1º grau, é possível que o promotor seja rival do investigado. O ministro afirmou que, se a Corte concluir por tese “um pouco mais radical”, teme que seja desconstruído todo o sistema, “muito bem elaborado, a meu ver”.

“Os juízes não serão mais julgados pelos TJs, mas serão julgados talvez pelo colega da sala ao lado, em se tratando de um crime comum. Será que é isso que nós desejamos? (...) Se concluirmos nesta direção que estamos concluindo, todo o sistema do foro especial haverá de cair."

Ele observou que, no caso, estão julgando os parlamentares, mas a decisão terá desdobramentos para todas as outras autoridades detentoras do foro, sejam elas eleitas ou ingressadas por concurso público, será aplicada a mesma ratio.

Em aparte, Gilmar Mendes lembrou o caso do juiz Federal Bretas, que pediu na Justiça o recebimento de auxílio-moradia, para superar cláusula que veda o recebimento quando o cônjuge já o recebe. “Veja que o sistema é todo corrompido”. Gilmar narrou que a liminar foi concedida pela colega juíza, não houve recurso, a AGU não recorreu e o processo foi arquivado. “Não foi ao 2º grau para escondê-lo. Isso tem nome. Veja o que vai acontecer também nesses casos em 1º grau.” "Alguém tem dúvida de que isso vai acontecer com o foro?"

Tal como Toffoli, Lewandowski entende que, se a Corte adotar a saída sugerida por Moraes, os ministros estariam "conservando o cerne da garantia que cerca uma atuação independente e desabrigada, autônoma, dos parlamentares”. Assim, acompanhou a divergência de Alexandre.

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