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STJ: Seções divergem em questão sobre recuperação judicial e consideram afetar caso para Corte

Conforme Salomão, Fazenda querer receber antes pode ser "tiro no pé" e "assassinar" a recuperação.

2/3/2018

Nos últimos anos, o Brasil teve alta expressiva nos pedidos de recuperação judicial em decorrência da crise econômica. Nesse cenário, uma questão importantíssima para o jurisdicionado deve ser resolvida no âmbito do STJ.

A Corte Especial do Tribunal decidiu pela autoridade da 2ª seção (Direito Privado) para apreciar conflitos que envolvam crédito fiscal em casos de empresas em recuperação judicial. No colegiado, desde então, a jurisprudência tem sido uniforme no sentido de que a execução prossegue sem constrição de bens, salvo se o juízo da recuperação autorizar.

Tudo certo, exceto por um detalhe: quando a Fazenda recorre e a matéria da recuperação chega no Superior, é distribuída à 1ª seção (Direito Público), que tem proferido entendimento diametralmente oposto.

Quem primeiro demonstrou preocupação quanto ao fato foi o ministro Marco Aurélio Bellizze, em sessão do dia 22/2. O ministro tem um incidente de uniformização de jurisprudência acerca do tema. Neste dia, S. Exa. explicou:

Lá na frente isso vai gerar uma nova discussão, se o bem é essencial ou não. (...) Penso que a Corte Especial deveria definir – a competência para esse tipo de conflito é da 2ª seção, mas esse processo quando vem suscitado pela Fazenda chega e é decidido de modo diferente pela 1ª seção.”

A ministra Isabel Gallotti na mesma linha ponderou: “A decisão da Corte foi só pela competência, não pelo mérito. (...) Não há decisão da Corte que vincule a 1ª seção. Isso gera perplexidade. Não há regra que dirija a distribuição de recurso especial dentro de execução fiscal para a 2ª seção. Eles estão decidindo contra nosso entendimento em processo de competência deles. A nossa distribuição tem relação com a inicial dos processos e não o mérito dos recursos. Está causando uma perplexidade no jurisdicionado e aqui dentro um conflito interno de entendimentos.”

Naquela assentada, o ministro Luis Felipe Salomão não se mostrou propenso a afetar o tema para a Corte. Nas palavras do ministro, “a 1ª seção é que não está cumprindo a decisão da Corte. Não pode a cada solavanco levar para decisão da Corte. Já definimos aqui. A Corte já disse que a competência é nossa.”

Para o ministro Salomão, quando a Corte diz que quem pode tratar desse tipo de crédito é a 2ª seção, não é só no conflito de competência, e sim qualquer recurso: “Vale a tese: quem decide sobre esse tipo de crédito é a 2ª seção. Podemos talvez afetar o mérito.”

Na ocasião, o ministro Bellizze retirou o processo de pauta prometendo apresentar voto na próxima sessão do colegiado para deliberarem sobre o tema.

E agora?

Corta para uma semana depois: na última quarta-feira, 28, voltando à matéria, o ministro Bellizze apresentou um fato novo para consideração dos colegas.

Na véspera, os ministros da 1ª seção decidiram via sessão eletrônica iniciada 15 dias antes fixar repetitivo sobre a “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal”. O acórdão publicado determina a suspensão nacional de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos (REsp 1.694.261, REsp 1.694.316 e REsp 1.712.484).

Os ministros da 2ª seção, então, voltaram a debater qual a melhor medida a ser tomada diante dessa situação. Dessa vez, o ministro Salomão sugeriu a afetação de IRDR à Corte Especial, no lugar do incidente de uniformização, mas o ministro Bellizze acredita que não cabe o instituto no STJ. Sobre o repetitivo afetado, Bellizze afirmou:

Isso significa que nenhum conflito chegará para nós sobre essa matéria. Por via do repetitivo admitido ontem, vão impedir sequer que os conflitos que chegam normalmente à 2ª seção, venham.

A Corte Especial tem que afirmar a questão meritória. Não há divergência sobre a competência, mas a decisão material sobre cada uma das questões está afetando a competência. A hora que decidirem no repetitivo que não tem suspensão [da execução fiscal], não vamos poder decidir contra o repetitivo. Não é afronta de um órgão para outro.

Insisto em levar essa matéria, lamentando que uma seção divirja da outra em matéria que estaria a rigor pacificada. Mas esse repetitivo pode gerar tudo aquilo que o papel do STJ demanda evitar que é soluções diferentes para situações iguais, dependendo da natureza do recurso ou onde começa a disputa em torno do tema. Lamentei só que a Fazenda me procurou para falar do incidente mas não para avisar que o repetitivo estava pautado lá.”

Além de insistir que o instrumento do incidente não era o mais adequado, o ministro Salomão observou que, quanto à questão meritória, “a Fazenda está dando um tiro no pé ao insistir para receber primeiro o seu crédito fiscal”:

Assassinar a recuperação judicial vai ser um golpe contra a economia desse país. Um dia eles vão se dar conta, um dia vão perceber o erro que estão cometendo.”

Teses divergentes

Há um conflito positivo de competência (CC 153.998) - relatado pelo ministro Humberto Martins, afetado pelo presidente da 1ª seção Mauro Campbell e em que suscitada a 2ª seção - que versa justamente sobre dívida ativa em casos de empresa em recuperação judicial e falência.

Ainda, há poucos meses a própria Corte Especial decidiu uma questão de ordem em agravo interno da Fazenda, a qual discutiu qual seria o órgão julgador competente para analisar o conflito de competência instaurado entre o juízo da recuperação judicial e o juízo da execução fiscal.

A questão de ordem não foi conhecida "pois já julgado monocraticamente pelo relator, sendo certo que o respectivo recurso foi interposto por parte confessadamente ilegítima que, inclusive, ao verificar o equívoco, peticionou requerendo o não conhecimento do agravo ou, alternativamente, sua desistência" (CC 133.864).

Na ocasião, o ministro Mauro apresentou voto-vista no qual ressalvou o seu ponto de vista acerca do tema de fundo:

"Entendo que, ainda que se possa admitir que a lei 11.101/2005 estabelece um "juízo universal" , no âmbito da recuperação judicial, tal juízo não possui força atrativa para a execução fiscal. Assim, o processamento da execução fiscal e o deferimento ou não de medidas constritivas devem ocorrer no âmbito do juízo da execução fiscal. Ressalte-se que o processamento e o deferimento de medidas constritivas, por si sós, não são capazes de ensejar a inviabilidade do plano de recuperação judicial."

O ministro Campbell destacou ser possível que o juízo da recuperação judicial entenda que a penhora efetivada não enseja prejuízo ao plano de recuperação judicial, e acredita que a questão deve ser novamente enfrentada no âmbito da Corte Especial, "para excluir da competência da Segunda Seção os casos em que a discussão restringe-se ao prosseguimento da execução fiscal (ainda que com penhora determinada), sem pronunciamento do juízo da recuperação judicial acerca da incompatibilidade da medida constrititva com o plano de recuperação judicial. Nessa hipótese, há apenas um incidente no âmbito da execução fiscal, que atrai a competência da Primeira Seção".

Debate continua

Por fim, sem conseguirem chegar a um acordo sobre o que fazer diante da situação, os ministros acolheram a sugestão do presidente da 2ª seção, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, de suspender a discussão para deliberar na próxima sessão, e nesse meio tempo o presidente contata o ministro Campbell para verem se afetam o repetitivo para a Corte. O próximo encontro do colegiado está marcado para 14 de março.

Em todo caso, a certeza é que, na Corte Especial, a discussão sobre o mérito será acirradíssima. Vale dizer, são quatro ministros de Direito Privado (contando com Noronha) e sete de Direito Público na Corte.

Acerca do tema, o advogado Cristiano Padial Fogaça, do escritório Fogaça, Moreti Advogados, responsável pelo caso que teve reconhecido o status de repetitivo (REsp 1.712.484), afirma que "a realização de atos constritivos, no caso a penhora de bens, por outro juízo que não o da recuperação judicial, poderá inviabilizar a reestruturação da empresa, já que o juízo da execução fiscal não estaria ciente de todos os aspectos envolvidos, podendo ocasionar a inviabilidade econômica e a sua consequente falência."

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