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A Justiça e a possibilidade de mudança de nome e gênero por pessoas trans

Discussão deve ser retomada no STF dia 22 de fevereiro.

19/1/2018

Transexuais podem mudar informações do registro civil ainda que não tenham realizado cirurgia de transgenitalização? O tema tem sido enfrentado pelo Judiciário brasileiro em uma série de ações que buscam a alteração do registro por pessoas que se identificam de gênero diverso do biológico.

No país, ainda não há legislação que regulamente ou determine a alteração imediata. Assim, resta ao trans pleitear a alteração por via judicial. Após passar por diversas Cortes estaduais e no STJ, o assunto abarcou na Suprema Corte. Em novembro, quando foi iniciado julgamento de recurso com repercussão geral reconhecida (RE 670.422), o ministro Dias Toffoli votou pela possibilidade da mudança, tendo sido acompanhado por outros 4 ministros: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.

Após a discussão ser interrompida por pedido de vista do ministro Marco Aurélio, a retomada de julgamento já tem data: 22 de fevereiro. Também está pautada para este dia a ADIn 4.275, que discute o mesmo tema e só não foi apregoada em novembro por falta de quórum.

Cirurgia de transgenitalização

O recurso em discussão no STF (RE 670.422) questiona acórdão do TJ/RS que autorizou a mudança de nome, mas condicionou a alteração do gênero à realização de cirurgia de redesignação de sexo.

Ao votar, o relator, ministro Dias Toffoli, defendeu que qualquer tratamento jurídico discriminatório sem justificativa constitucional razoável e proporcional importa limitação à liberdade do indivíduo e ao reconhecimento de seus direitos como cidadão.

“Não há como se manter um nome em descompasso com a identidade sexual reconhecida pela pessoa, que é efetivamente aquela que gera a interlocução do individuo com sua família, com a sociedade, tanto nos espaços privados como nos espaços públicos. Não é o sexo do indivíduo a identidade biológica, que faz a conexão do sujeito com a sociedade, mas sim a sua identidade psicológica.”

Toffoli ainda apontou que muitos transexuais não têm condições financeiras para fazer a cirurgia, têm medo do procedimento ou não sentiriam prazer com um novo órgão sexual. Assim, a exigência da cirurgia fere o direito da personalidade da pessoa.

Acompanhando o relator, o ministro Barroso afirmou que "o processo civilizatório é um certo compromisso de fazer com que todas as pessoas consigam realizar em plenitude os seus projetos de vida e as suas personalidades".

"Não permitir que as pessoas coloquem a sua sexualidade onde mora o seu desejo e que sejam tratadas socialmente da maneira como se percebem é uma forma intolerante e cruel de viver a vida."

Ele também afirmou que não se pode exigir a cirurgia de transgenitalização como condição para alteração no registro civil, sob pena de violação adicional aos direitos à integridade psicofísica, à dignidade e autonomia dos transexuais.

Precedentes

Uma série de decisões das Cortes estaduais já decidiram a favor da mudança de nome e gênero por transexuais, como o TJ/RJ, TJ/SP, TJ/MS e TJ/GO. Em maio de 2017, foi a vez do STJ, em decisão inédita na Corte, entender que transexuais têm direito à alteração do registro civil sem realização de cirurgia (REsp 1.626.739).

Em voto paradigmático, o relator, ministro Luis Felipe Salomão destacou que a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

“A recusa da alteração de gênero de transexual com base na falta de realização de cirurgia de transgenitalização ofende a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana. (...) A compreensão de vida digna abrange, assim, o direito de serem identificados, civil e socialmente, de forma coerente com a realidade psicossocial vivenciada, a fim de ser combatida, concretamente, qualquer discriminação ou abuso violadores do exercício de sua personalidade.”

Direitos humanos

Recentemente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reiterou que a orientação sexual e a identidade de gênero são direitos protegidos pelo Pacto de San Jose, e que estão vinculadas às garantias de liberdade e de autodeterminação.

A Corte considerou que o nome e a menção a sexo nos documentos de registro de acordo com a identidade de gênero autopercebida são garantias protegidas pela Convenção Americana de Direitos Humanos. Sendo assim, os Estados parte da OEA – entre eles o Brasil – estão obrigados a reconhecer, regular e estabelecer os procedimentos adequados para o alcance dessas garantias.

Segundo a Corte, a ausência de normas internas sobre o tema não habilita os Estados-membros da OEA – entre eles, o Brasil – a violarem ou restringirem direitos humanos desses grupos populacionais.

Nome social

Enquanto a mudança de nome no registro civil depende de trâmite judicial, o uso do nome social – aquele pelo qual a pessoa se identifica e é socialmente reconhecida – aos poucos ganha espaço e já é uma vitória para os transexuais. Em âmbito Federal, a regulamentação veio em 2016, quando a então presidente Dilma Rousseff editou o decreto 8.727/16, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais.

No Estado de São Paulo, os órgãos da administração pública têm de respeitar o nome social desde 2010, em razão do decreto 55.588/10, assinado por José Serra. Quem infringir a regra fica sujeito a processo administrativo por descumprimento à lei estadual 10.948/01, que dispõe sobre as penalidades a serem aplicadas em caso de discriminação em razão da orientação sexual.

Em 2016, a OAB garantiu a possibilidade do uso do nome social no registro da Ordem pela resolução 7, de junho de 2016. Em janeiro do ano passado, o presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, entregou à advogada Márcia Rocha a primeira certidão da seccional paulista com o registro do nome social. Durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, a advogada falou à TV Migalhas sobre a luta da classe.

Na última quarta-feira, 17, o MEC também reconheceu a possibilidade do uso do nome social nas escolas de ensino básico. Com a medida, estudantes maiores de 18 anos podem solicitar o uso do nome social e, em caso de menores de idade, a solicitação deve ser feita pelos responsáveis. O objetivo é propagar o respeito e evitar práticas de violência e bullying nas escolas.

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