Um retrocesso à garantia constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana. Assim a procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, classificou a portaria MTB 1129/17, editada há dois dias pelo Ministério do Trabalho. A norma tem sido criticada por dificultar a punição ao trabalho escravo no país. Nesta quarta-feira, 18, Raquel Dodge recebeu o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, quando oficializou pedido de revogação da portaria.
A procuradora-Geral entregou ao ministro ofício em que chama atenção para as violações constitucionais que podem ser efetivadas a partir do cumprimento da norma, além de uma recomendação elaborada pelo MPF e pelo MPT.
Ao explicar ao ministro os fundamentos que levaram o MPF a reagir ao novo regramento, Dodge destacou a dignidade humana, garantida na Constituição, e não apenas a liberdade de ir e vir. “A portaria volta a um ponto que a legislação superou há vários anos”, resumiu a PGR, completando que a proteção estabelecida na política pública anterior tem o propósito de impedir ações que “coisificam” o trabalhador, que está na raiz do conceito de escravidão.
Dodge frisou ainda que, na caracterização da condição análoga à de escravidão, é importante verificar a intenção do agente e a combinação de fatores que atentam contra a dignidade humana do trabalhador. “Há casos em que há consentimento do trabalhador, mas em situações como de coação, por exemplo, isso não é válido sob a ótica do direito”, completou.
A procuradora-Geral sugeriu que a participação da Polícia Federal, prevista na nova portaria, nas inspeções realizadas por auditores do Ministério do Trabalho mantenha o atual caráter de escolta ao auditor fiscal do trabalho e tenha efetivo papel de polícia judiciária da União. “É importante que a Polícia Federal atue para, na condição de polícia judiciária, instaurar inquéritos, avaliar prisões em flagrante, colher depoimentos que podem garantir a punição deste crime que envergonha a todos”.
A recomendação, entregue ao ministro do Trabalho junto ao ofício de Dodge, pede a revogação imediata da portaria, sob o fundamento de que afronta o artigo 149 do CP e as Convenções 29 e 105 da OIT. Texto foi elaborado na última terça-feira, 17, por membros do MPF e do MPT integrantes da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com apoio da Câmara Criminal do MPF (2CCR) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
Leia a íntegra do ofício e da recomendação conjunta do MPF e MPT.