O ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu definitivamente o pagamento de parcela de 40% sobre os vencimentos de magistrados estaduais do Acre e condenou os beneficiados à devolução das quantias recebidas, em relação aos cinco anos anteriores à propositura da ação, devidamente corrigidos nos índices aplicados à Fazenda Pública.
Em 1995, a Assembleia Legislativa do Acre aprovou o projeto de lei que instituiu o Código de Organização Judiciária e Divisão Judiciária do Estado do Acre. A lei sancionada pelo Executivo previa, no artigo 326, o pagamento de gratificação de nível superior, correspondente a 40% do vencimento, “aos servidores ocupantes de cargos de nível superior”. No entanto, o TJ/AC) – que, desde 1989, já pagava a verba com base em ato da Presidência da Corte (Ato Normativo 143/89) no percentual de 25% – acrescentou ao Código de Organização a expressão “inclusive aos Magistrados”.
Em nota, a Associação dos Magistrados do Estado do Acre afirma que a decisão não tem "qualquer efeito prático, em razão de que, como já dito, os magistrados nada recebem a esse título há quase vinte anos". Veja abaixo:
Nota de Esclarecimento
A ASMAC – Associação dos Magistrados do Estado do Acre, entidade de utilidade pública, em razão da ampla divulgação dada pelo Gabinete do ministro Gilmar Ferreira Mendes por ocasião da decisão proferida nos autos de Ação Ordinária nº 506, que tramita no Supremo Tribunal Federal desde o ano de 1996, vem a público prestar os seguintes esclarecimentos:
1. Nenhum magistrado do Estado do Acre, em atividade ou aposentado, recebe a gratificação objeto da referida ação pelo menos desde o ano de 1998.
2. A Associação de Magistrados do Estado do Acre, por seu presidente, esteve pessoalmente no Supremo Tribunal Federal, acompanhado de advogado, mas não teve acesso ao conteúdo da decisão. Contudo, pode-se afirmar categoricamente que a suposta suspensão não tem qualquer 3efeito prático, em razão de que, como já dito, os magistrados nada recebem a esse título há quase vinte anos.
3. Finalmente, os magistrados acreanos lastimam que, decorridos mais de 20 anos do ajuizamento da ação popular, sobrevenha decisão cuja única utilidade consiste em engrossar a avassaladora campanha contra a magistratura nacional.
Luís Vitório Camolez
Juiz Presidente da ASMAC
Caso
O processo, inicialmente uma ação popular, foi ajuizado pelo então deputado estadual Hildebrando Pascoal Nogueira Neto, que alegava que, ao alterar a redação original do dispositivo, o TJ cometeu fraude à lei, com a finalidade exclusiva de aumentar a remuneração de todos os desembargadores e juízes, e que a Loman estabelece, no artigo 65, o rol taxativo de gratificações que podem ser destinadas aos magistrados, no qual não se inclui a gratificação de nível superior.
Em 1998, o plenário do STF reconheceu sua competência para processar e julgar a ação, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “n”, da CF/88, diante do fato de que tanto os magistrados acrianos quanto os desembargadores do TJ local são beneficiários da gratificação, estando impedidos de julgar a causa, e deferiu liminar para suspender o pagamento da gratificação aos membros da magistratura do Acre. Em 2010, o ministro Gilmar Mendes assumiu a relatoria da AO 506, após a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, que sucedeu na corte o relator originário, ministro Sydney Sanches (aposentado).
Ao decidir o mérito do caso, julgando procedente a ação, o relator ressaltou que a expressão “inclusive aos magistrados” é juridicamente inexistente na legislação, pois não consta da redação do projeto de lei complementar – submetido ao procedimento legislativo estadual e aprovado –, e, por isso, não pode ser utilizada como fundamento para pagamento aos juízes daquele estado. “Do ponto de vista formal e jurídico, o Ato 143/89, produzido pela Presidência do TJ-AC, é o único ato normativo que fundamenta a concessão de tal vantagem aos magistrados”, afirmou.
Reportando-se à decisão do Plenário que deferiu a liminar, Gilmar Mendes assinalou que as razões que levaram à suspensão do pagamento permanecem válidas. “O entendimento firme do STF sempre se pautou na inviabilidade do recebimento de qualquer tipo de benefício não previsto pela Loman, em razão da vedação expressa do seu artigo 65, parágrafo 2º”, afirmou. “Portanto, não possui validade e eficácia qualquer lei ou ato normativo que ultrapasse os benefícios para além dos limites ali estipulados. Sob essa ótica, a gratificação de nível superior prevista no Ato Normativo 143/89 é ilegal e inconstitucional”.
Com relação à restituição dos valores recebidos indevidamente, o ministro observou que a jurisprudência do Supremo entende que as verbas alimentares recebidas de boa-fé não são passíveis de devolução. “Entretanto, as gratificações de nível universitário não são apenas ilegais, como também descaradamente inconstitucionais. Sob essa ótica, a percepção de verbas manifestamente inconstitucionais equivale a recebê-las de má-fé, uma vez que esta é ínsita à própria inconstitucionalidade."
De acordo com a decisão, os magistrados devem devolver as quantias recebidas em relação aos cinco anos anteriores, contados da propositura da ação, com juros, a contar da citação, e correção monetária desde o recebimento de cada parcela, ambos em percentuais/taxas equivalentes aos aplicáveis à Fazenda Pública, a ser apurado na fase de cumprimento de sentença.
Em 2016, o ministro Gilmar Mendes oficiou a PGR para que, querendo, assumisse a titularidade da demanda, diante da condenação e prisão do ex-deputado Hildebrando Pascoal pela participação de grupo de extermínio conhecido popularmente pelos “crimes de motosserra”. A medida foi tomada, explica o relator, “para evitar futuras e eventuais alegações de nulidade” pela suposta suspensão dos direitos políticos do ex-parlamentar. A PGR manifestou-se favoravelmente e assumiu a titularidade ativa da causa.
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Processo relacionado: AO 506