Por maioria, o TSE decidiu, em julgamento concluído nesta sexta-feira, 9, que não cassará a chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e/ou econômico nas eleições presidenciais de 2014.
O placar terminou em 4x3. Após o voto do relator, ministro Herman Benjamin, que entendeu pela cassação, votaram em sentido oposto os ministros Napoleão, Admar, Tarcísio e Gilmar. Eles desconsideraram as provas relacionadas à Odebrecht por entenderem que extrapolaram a causa de pedir da petição inicial, e que não há provas cabais de que a chapa tenha utilizado dinheiro ilícito na campanha.
Acompanharam o relator os ministros Luiz Fux e Rosa Weber.
Questão de ordem
Antes de os ministros iniciarem seus votos na sessão da tarde desta sexta, o vice-procurador Geral Eleitoral, Nicolao Dino, suscitou uma questão de ordem: pediu o impedimento do ministro Admar Gonzaga para julgar o caso, porque foi advogado de Dilma em 2010. O pedido, no entanto, foi rejeitado por unanimidade. “Não se pode agir coagindo o tribunal ou fazendo jogo de mídia", advertiu Gilmar, ao afirmar que o fato não é novo e não deveria ser trazido apenas nesta sessão do julgamento.
Ato contínuo, os ministros passaram aos votos. Veja como votou cada ministro:
Napoleão
Ao tomar a palavra para proclamar seu voto, o ministro Napoleão criticou menção na imprensa de "homem misterioso" lhe entregou envelope. Revoltado, explicou que era o próprio filho com fotos da neta. Criticou também menção de que teria sido citado em delação da OAS. "Mentira!", exclamou, inconformado. "Eu sou inocente em tudo isso. Estou sendo injustamente, perniciosamente, sorrateiramente e desavergonhadamente prejudicado no meu conceito."
Gilmar apoiou o ministro e aproveitou para advertir novamente o procurador Nicolao: "V. Exa. tem toda a solidariedade do tribunal. Nós reconhecemos a sua plena integridade, como reconhecemos a plena integridade de todos os colegas, inclusive do ministro Admar, que acaba de ter seu impedimento suscitado pelo MP. Esse tipo de prática, doutor Nicolau, contribui para esse tipo de ambiente que se está criando. Esses vazamentos sabe-se de onde vêm. Se conhece bem a fonte. E tem-se alimentado modelo de chantagem para o Judiciário. E isso tem de ser encerrado."
Napoleão passou, então, ao voto, no qual tratou inicialmente da ampliação da causa de pedir. Destacou que os juízes devem se orientar pelo que está na origem do processo, no pedido inicial, e que esta é uma garantia essencial à pessoa processada.
O ministro afirmou que, no caso presente, não foram respeitadas as garantias processuais. Afirmou que o juiz tem liberdade de produzir provas, ouvir testemunhas, mas apenas no âmbito do objeto da ação. "É melhor inocentar um culpado que condenar um inocente", disse.
Ele destacou que a ação foi proposta pela chapa que perdeu – e que esta pede para ser nomeada. “Isto não é democrático. Democrático é respeitar o mandato de quem ganhou e punir na via criminal, própria àqueles que forem encontrados no cometimento de infrações criminais."
"É contra tudo ampliar o objeto dos pedidos, porque chegaríamos ao infinito. Tem que pesquisar caso a caso. (...) O critério seguro para se julgar uma ação desse tipo é adstringir a instrução ao que foi expressamente pedido, e não aquilo que provavelmente, teoricamente, virtualmente estaria no pedido. Porque, no domínio das hipóteses, está tudo."
O ministro Napoleão afirmou que tudo o que foi trazido como prova mostra a ocorrência de crimes que “já estão sendo processados na vara competente, na mão de um juiz rigoroso, à qual nada escapa". Assim, divergiu do voto do relator e posicionou-se pela improcedência total dos pedidos formulados nas quatro ações eleitorais em análise.
Admar
O ministro Admar iniciou sua fala abordando o pedido de suspeição feito pelo membro do MP no início da sessão. "Nós temos verificado essa astúcia de trazer, pouco antes da minha manifestação, uma espécie de constrangimento que eu não merecia." E continuou: "Engana-se quem pensa que eu estou aqui constrangido. Eu estou aqui revigorado para honrar os colegas que estão aqui."
No voto, afirmou que o tribunal não pode, em nome da estabilização política, sacrificar regras do Direito e da segurança jurídica. "Entendo que o julgamento da causa deve ficar adstrito exclusivamente às alegações constantes nas exordiais e ainda acrescento que não levarei em consideração aquilo que foi apurado a partir de 1º de março deste ano."
Para Gonzaga, não há prova de que houve desvio de dinheiro da campanha para gráficas ou que não houve a produção dos materiais de campanha.
Ele também tratou das doações legais de empresas contratadas pela Petrobras e citou diversos testemunhos de colaboradores confirmando esquema de propinas. Afirmou que, pelos indícios, havia esquema de distribuição de propinas em obras da Petrobras, no entanto, não há prova cabal de que os valores foram direcionados à campanha de 2014. Sobre o depoimento de Marcelo Odebrecht, repetiu que não tem relação com os pedidos presentes na inicial. Admar julgou improcedente as ações.
“Ausente a prova de vinculação necessária entre os contratos ilícitos no âmbito da Petrobras e o aporte de recursos na campanha dos representados por meio de doações oficiais, não reconheço a prática do abuso em decorrência do fato em análise."
Tarcísio Vieira
Terceiro a votar na sessão, o ministro Tarcísio iniciou dizendo que, por extrapolação da causa de pedir, não serão contempladas as provas produzidas na “fase Odebrecht”.
Acerca das provas produzidas por meio de testemunhos de detores, ele destacou que, em razão de estes estarem comprometidos com o resultado por eles apontados em razão da delação premiada, “não há como, na hipótese de inexistir outros meios de prova, aferir-se a total credibilidade destes testemunhos, razão pela qual devem ser relativizados, ou quando não muito valorados com triplicada cautela”.
Apontou o ministro que os fatos relacionados a esquema de empreiteiras com partidos, apontados pelos ex-dirigentes da Petrobras, eram difusos e tratavam de período anterior ao ano de 2014. Para Vieira, não há prova, confirmação categórica, de que doações ilícitas tenham sido utilizadas na campanha presidencial. “Extraiu-se de muitos depoimentos de testemunhas uma aparente organização para cometimento de ilícitos, envolvendo pagamento de propinas para partidos e dirigentes. Contudo, as doações foram realizadas em períodos anteriores ao pleito de 2014. Demais disso, os valores eram destinados a partidos políticos, e não a campanha eleitoral.”
“Entendo que malgrado a gravidade dos fatos, a lesividade ao patrimônio público e as grandes somas envolvidas, atos ilícitos relacionados a contratos por executivos não estão inseridos na acusação inicial.”
O ministro acolheu a preliminar da ampliação da causa de pedir, rejeitou todas as demais preliminares e, no mérito, julgou totalmente improcedentes as ações.
Luiz Fux
Ministro iniciou sua fala dizendo que se orgulha de ser um homem justo, e que reza todos os dias para ter dentro de si razão e paixão, para que possa realizar uma justiça caridosa, e uma caridade justa.
Ele ressaltou o caráter histórico da votação e destacou que os fatos são "gravíssimos, insuportáveis, revelam crimes gravíssimos", e que se pergunta, como magistrado: será que eu, com esse quadro sem retoques de ilegalidade, eu vou me sentir confortável de usar o instrumento processual para não encarar a realidade? A resposta, afirmou, é absolutamente negativa.
"Até as pedras sabem que o ambiente político hoje está contaminado, e a hora do resgate é agora."
Após destacar a gravidade da questão, Fux citou o artigo 493 do CPC.
Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Ele apontou que fatos novos vieram a lume informando que na referida campanha houve cooptação do poder político pelo poder econômico, houve financiamento ilícito. "Então, no momento em que nós vamos proferir a decisão, nós não vamos levar em conta esses fatos? Sob uma premissa processual ortodoxa e ultrapassada nós vamos desconhecer a realidade fática quando o código é explícito nesse sentido?"
"A decisão justa e efetiva é aquela que é proferida levando em consideração a realidade. Direito e realidade não podem ser apartados justamente no momento da decisão final, máxime por uma Corte que está julgando em competência originaria uma causa, e com ampla cognição fática e probatória."
O ministro elogiou o ministro Herman Benjamin e disse que “não ousaria desafiá-lo em nenhum tópico que ele destacou”. Rebateu os argumentos utilizados contra a desconsideração das provas e acolheu as conclusões fático-probatórias do relator sobre propina-poupança, caixa 2 na conta corrente da Odebrecht e ilícitos comprovados acerca dos gastos praticados pela chapa.
Fux acompanhou o relator, julgando os pedidos procedentes para cassar integralmente a chapa Dilma-Temer.
Rosa Weber
De pronto, a ministra Rosa, assim que tomou a palavra, anunciou que acompanha o relator no histórico voto que proferiu.
Rosa Weber destacou a possibilidade, em determinadas situações, do surgimento de fato novo que conduza à consequência pretendida pelo autor da lide original, e que "o fato novo, passível de constituir exceção à regra da estabilização da demanda, pode ser descoberto sim na fase probatória". Reiterou que não houve, a seu ver, alteração da causa de pedir.
Rosa destacou que há prova cabal de pagamento aos partidos políticos em questão até 2014, seja na forma de doação oficial, seja por meio de caixa 2, e que várias dessas empresas o fizeram por meio de doação oficial ao PT, “fato que contamina de forma indireta a campanha dos representados, porque financiada pela referida agremiação”.
“Trata-se de situação de extrema gravidade, com a demonstração de sucessiva e reiterada prática de cumprimento de compromissos espúrios, pagamento de propina, disfarçados de doação a partido político até o ano de 2014, em valores que, em rápida análise, estão na casa de dezenas de milhões de reais. Inegável a gravidade, indisfarçável o reflexo eleitoral."
Rosa disse que julgou a causa por dever de oficio, pois não gostaria de estar. Afirmou que, se a prática em questão se repete, e se vai continuar a se repetir, é muito triste para o Brasil, “mas que cada magistrado faça seu juízo de valor em eventuais ações que questionem outras candidaturas”.
“Há que ter esperança e eu, enquanto estiver viva, vou manter a minha esperança."
Ao concluir seu voto, no qual acompanhou o relator nas matérias até então expostas, salientou que “não precisa usar as provas da Odebrecht, não precisa usar o caixa 2”. Cita que se trata de caixa 1, doação de empreiteiras, pagamento de propinas, doação ao partido – que por sua vez doou à campanha, financiamento indireto da campanha via Petrobras, descrito na inicial, com dinheiro de propina. “É abuso de poder econômico qualificado pelo crime, o que não pode ser tolerado, na minha visão, pela Justiça Eleitoral. O mínimo resquício de desvio ou crime na atividade de conquista do poder o deslegitima e representa a trinca no cristal da democracia.”
Gilmar Mendes
Com julgamento até então empatado, Gilmar deu o voto de minerva, pela improcedência das ações. O ministro iniciou lembrando que votou pela aprovação, com ressalvas, das contas da chapa Dilma-Temer. Ele também citou a importância do equilíbrio do mandato e que sua cassação deveria ocorrer apenas em situações inequívocas.
"É muito fácil fazer o discurso da moralidade. Ninguém venha me dar lição aqui, de combate à corrupção. Também eu quero isto, estou muito tranquilo com relação a isto. Mas é preciso que nós analisemos as questões com a perspectiva constitucional."
Ele afirmou que achava importante conhecer as entranhas do sistema, mas não imaginava cassar Dilma Rousseff no TSE. "E nunca imaginei expandir objeto ou causa de pedir, aqueles delimitados pela própria ação."
Mendes lamentou que os órgãos de controle não tenham sido capazes de antecipar, de ter impedido que isto se repetisse. “Eu intuía que isto acontecia, isto era uma prática." Argumentou, no entanto, sobre a questão da causa de pedir, reiterando que "os fatos novos, que não guardam relação com a causa de pedir, não podem ser incluídos no curso da ação".
Gilmar Mendes acompanhou a divergência.