Em julgamento paradigmático, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, o STJ analisa a pretensão de transexual para alterar o registro civil mesmo sem ter realizado a cirurgia de transgenitalização.
A pessoa, nascida homem, atualmente vive em Paris, em união estável com francês, trabalhando em salão de beleza e assumindo em tudo as características do gênero feminino.
Nesta quinta-feira, 2, o ministro Marco Buzzi acompanhou o relator pelo provimento do recurso especial para reformar o acórdão e autorizar a alteração do registro civil.
Pertencimento
Segundo o ministro Buzzi, embora a lei dos registros públicos não contenha regra específica sobre o tema, tal fato não implica vedação legal ao requerimento – “a realidade fática e dinâmica não pode ser ignorada por ausência de previsão legal específica”.
Fazendo referência aos princípios da dignidade da pessoa humana, bem como à complexidade da vida humana, Buzzi concluiu que a negativa do Tribunal é “reducionista” e viola a garantia de existência digna.
“Não se revela razoável condicionar a garantia de tais direitos à realização de intervenção cirúrgica. É possível a alteração porque a identidade psicossocial prepondera sob a identidade biológica. O indivíduo vive o gênero ao qual sente pertencer.”
Buzzi destacou que entendimento diverso condena o transexual à marginalização e odiosa exposição a situações vexatórias.
“Não se trata de pessoa que muda a cada dois ou três anos de comportamento. Foi reconhecido que a requerente apresenta a mesma conduta linear há muitos e longos anos.”
Assim, acompanhou o relator para atender ao pedido de alteração do registro civil.
A quem cabe decidir
O ministro Raul Araújo reiterou voto anteriormente proferido pelo não conhecimento do recurso. Isso porque, para S. Exa., a matéria revolvida é eminentemente constitucional.
“O que cabe a essa Corte Superior é a guarda da legislação infraconstitucional. A lei de registros públicos tem uma finalidade, que é a guarda dos registros públicos. O registro civil não existe para atender finalidade íntima, personalíssima de cada um, e sim de satisfação à coletividade.”
Em tempo: questões de direitos trans estão com repercussão geral no STF. Em um dos casos, será proferida decisão sobre o direito de transexuais e travestis a tratamento condizente com sua identidade de gênero. O processo, de relatoria do ministro Barroso, começou a ser julgado em novembro de 2015, e foi interrompido por pedido de vista do ministro Fux.
Em outro caso, relatado pelo ministro Toffoli, o STF decidirá justamente a controvérsia em análise pela 4ª turma do STJ, qual seja, se transexual pode mudar o RG mesmo sem a cirurgia de mudança de sexo.
Com o placar do julgamento em 2 x 1, o ministro Antonio Carlos Ferreira pediu vista dos autos.
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Processo relacionado: REsp 1.626.739