Migalhas Quentes

STF suspende lei que liberou uso da fosfoetanolamina

Decisão é liminar e atende pedido feito em ADIn ajuizada pela Associação Médica Brasileira.

19/5/2016

Nesta quinta-feira, 19, o STF suspendeu liminarmente a eficácia da lei 13.269/16, que autorizou o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como "pílula do câncer". A decisão se deu por maioria, 6 votos a 4, em julgamento da ADIn 5.501, ajuizada pela Associação Médica Brasileira.

Relator, o ministro Marco Aurélio votou pela suspenção liminar da eficácia da norma, até o julgamento definitivo da ADIn. Ele foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes votaram apenas pelo parcial deferimento da liminar, liberando a substância para os pacientes terminais.

A Associação alegou que, diante do "desconhecimento amplo acerca da eficácia e dos efeitos colaterais" da substância em seres humanos, sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais.

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio pontuou que o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da população.

"A esperança depositada pela sociedade nos medicamentos, especialmente naqueles destinados ao tratamento de doenças como o câncer, não pode se distanciar da ciência. Foi-se o tempo da busca desenfreada pela cura sem o correspondente cuidado com a segurança e eficácia das substâncias. O direito à saúde não será plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de assegurar a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico, apto a afastar desenganos, charlatanismos e efeitos prejudiciais ao ser humano."

Na ADI, a Associação observa que a fosfoetanolamina sintética, descoberta na década de 1970 por um docente aposentado da USP, teria sido testada unicamente em camundongos, com reação positiva no combate do melanoma (câncer de pele) neste animal. Devido à expectativa gerada pela substância, apresentada como capaz de “tratar todos os tipos de câncer”, milhares de ações judiciais foram apresentadas até a decisão do STF suspendendo sua distribuição. Apesar da ausência de estudos sobre o uso do medicamento em seres humanos, a presidente da República sancionou a lei sem vetos.

A AMB argumentou que a “pílula do câncer” não passou pelos testes clínicos em seres humanos, que, de acordo com a lei 6.360/76, são feitos em três fases antes da concessão de registro pela Anvisa. O ministro Marco Aurélio ressaltou que o registro ou cadastro mostra-se condição para o monitoramento, pela Agência fiscalizadora, da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto. Ante a ausência do registro, segundo ele, a inadequação é presumida.

"No caso, a lei suprime, casuisticamente, a exigência do registro da fosfoetanolamina sintética como requisito para comercialização, evidenciando que o legislador deixou em segundo plano o dever constitucional de implementar políticas públicas voltadas à garantia da saúde da população. O fornecimento de medicamentos, embora essencial à concretização do Estado Social de Direito, não pode ser conduzido com o atropelo dos requisitos mínimos de segurança para o consumo da população, sob pena de esvaziar-se, por via transversa, o próprio conteúdo do direito fundamental à saúde."

O ministro Barroso também afirmou em seu voto que a edição de lei para isentar de registro sanitário uma substância específica, que não foi submetida aos testes e critérios técnicos mínimos exigidos no Brasil e em todo o mundo, representa grave risco à saúde pública. "Não se trata aqui de negar as pessoas diagnosticadas com câncer a esperança de cura de doença tão grave e devastadora. Em verdade, o que se busca é garantir que as expectativas de melhora com o uso de substancias medicamentais sejam fundadas em evidências científicas e clínicas, sem expor os pacientes a maiores riscos de danos à saúde ou a tratamentos inócuos que constituam somente ilusão."

"O processo de desenvolvimento de substâncias e medicamentos deve estar cercado de máxima cautela, em razão dos perigos envolvidos. Seu consumo pode apresentar riscos à saúde, produzir efeitos colaterais e causar danos ao organismo, em diversos graus de intensidade, dos mais leves aos mais g aves e mesmo irreversíveis. Nesse contexto, a exigência de registro sanitário junto à agência competente constitui relevante ferramenta regulatória que garante a proteção da saúde pública, estabelecendo-se uma ponderação entre interesses por vezes conflitantes das empresas farmacêuticas, dos pesquisadores, dos médicos e dos pacientes. Por isso, a atividade de controle e avaliação de pedidos de registro de medicamentos deve ser exercida com grande seriedade e rigor."

Divergência

O ministro Edson Fachin abriu a divergência. Lembrando que neste momento o Supremo julga apenas a medida cautelar no processo, ele entendeu que o Congresso pode autorizar a produção da substância.

"A Anvisa não detém competência privativa para autorizar a comercialização de toda e qualquer substância. Ocorre, no entanto, que a liberação da produção e comercialização de qualquer substância que afete a saúde humana deve mesmo ser acompanhada de medidas necessárias para garantir a proteção suficiente do direto à saúde."

O ministro votou por conceder apenas parcialmente a liminar, para dar interpretação conforme a CF ao artigo 2º da lei, reconhecendo o uso da fosfoetanolamina à pacientes terminais. Seu entendimento foi seguido pelos ministros Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Veja a íntegra do voto do relator, ministro Marco Aurélio.

Confira a íntegra do voto do ministro Luís Roberto Barroso.


Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Suspensa obrigação de fornecimento de fosfoetanolamina sintética

12/5/2016
Migalhas Quentes

Laboratório deve fornecer fosfoetanolamina a criança com câncer

5/5/2016
Migalhas Quentes

STF arquiva MS contra lei da pílula do câncer

19/4/2016
Migalhas Quentes

Associação Médica pede ao STF suspensão da lei que libera pílula do câncer

16/4/2016
Migalhas Quentes

Lei permite uso da fosfoetanolamina por pacientes com câncer

14/4/2016

Notícias Mais Lidas

Entenda PEC que quer o fim da escala de trabalho de 6x1

11/11/2024

Advogados analisam PEC que propõe o fim da escala de trabalho 6x1

11/11/2024

OAB aprova recomendações para uso de IA generativa na advocacia

11/11/2024

Júri é suspenso após promotor relatar ameaça de “surra” por advogado

11/11/2024

STF reconhece fraude de varejista para ocultar vínculo empregatício

11/11/2024

Artigos Mais Lidos

Penhora de bem alienado fiduciariamente por dívidas propter rem

10/11/2024

É confisco, sim!

11/11/2024

Duas visões sobre a jurisdição do STF

11/11/2024

Diferenças entre doença, incapacidade, invalidez e deficiência

12/11/2024

A importância da checagem de antecedentes em parcerias comerciais e contratações

11/11/2024