A 4ª turma do STJ, em decisão unânime, negou pretensão de hospital para que a Corte considerasse exorbitante valor a que foi condenado em ação de indenização por procedimento hospitalar em criança de pouco mais de um ano. A menina sofreu sequelas físicas após parada cardíaca que a deixou em coma por vários dias.
Em 1º grau, o hospital foi condenado ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 207 mil, danos morais no valor de R$ 255 mil (para cada um dos autores, compreendendo a menina, pais e irmãos), pensão mensal vitalícia pela invalidez total e permanente da criança, obrigação de arcar com custos de despesas futuras e tratamento psicológico aos autores. O TJ/SP deu parcial provimento ao apelo dos autores para fixar indenização aos valores que a mãe deixaria de ganhar a título de remuneração do trabalho, eis que o abandonou para cuidar da filha.
No recurso ao STJ, prevaleceu o sensível voto do relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, que assentou no julgado:
“Os erros cometidos pelos profissionais da medicina, na realização de suas atividades, possuem relevância ímpar dada a relevância dos bens jurídicos atingidos – integridade física e vida -, assim como, pela pessoalidade e confiabilidade sobre as quais se constrói a relação médico-paciente.”
O caso
A criança foi levada por seus pais à Clínica Bandeira Paulista, vinculada ao hospital réu, com sintomas de vômitos, perda de apetite e sonolência, sendo medicada e liberada. No dia seguinte, a menor retornou à clínica, face à acentuação dos sintomas, tendo sido diagnosticada com desidratação.
Na sequência, foi transferida para a UTI do Hospital São Luiz, onde, sem diagnóstico conclusivo, recebeu aplicação concomitante de três sedativos potentes, "em doses muito superiores às recomendadas para crianças de sua idade e peso". Em consequência da medicação excessiva, sofreu parada cardiorrespiratória, com consequente falta de oxigenação no cérebro, ficando em estado de coma por vários dias. Como resultado, sofreu sequelas físicas, com o desenvolvimento cerebral e locomotor seriamente afetados.
O acórdão recorrido entendeu como o exarado na sentença:
“Quantia próxima de um milhão para a família não a reconfortará, pois não lhe trará de volta a paz de espírito de antes do evento. (...) Chamar tais acontecimentos de meros aborrecimentos da vida moderna é, no mínimo, ofender não só a parte contrária, mas também todos os integrantes da Turma Julgadora, haja vista que deixar uma criança, de idade tenra, com sequelas permanentes, incapaz para a vida, na dependência de cuidados eternos e intensos, não é, de forma alguma, um mero aborrecimento do cotidiano.”
Gravidade do erro médico
No STJ, o Hospital alegou ser exorbitante o valor a que foi condenado e que o dano experimentado por cada um dos recorridos é próprio e diferenciado quanto a sua intensidade, devendo, por isso, ser diferente o valor da condenação para cada um dos ofendidos.
Ao analisar o caso, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que a relevância dos bens jurídicos que os profissionais de medicina se comprometem a resguardar – pessoalidade e confiabilidade – “são características suficientes ao reconhecimento da importância dessa espécie de dano”.
“A busca pelo serviço especializado de um médico acontece quando há estado de privação do bem-estar físico, mental e psicológico. É nesse instante de sensação máxima de impotência e fragilidade que o pedido de ajuda é feito a um médico. Por isso, a gravidade do erro por ele cometido.”
Nesse sentido, concluiu S. Exa. que a sentença e o acórdão consideraram laudo pericial que concluiu “de forma inequívoca pela responsabilidade dos profissionais envolvidos no atendimento pelo dano sofrido pela recorrida”. E, assim sendo, não haveria o que rever quanto à comprovação da culpa. Consignou Luis Felipe Salomão que a responsabilidade do hospital é objetiva quanto à atividade do médico, sendo dispensada a demonstração de culpa relativa aos atos lesivos.
Individualização
Ao ponderar acerca da individualização da indenização para cada uma das vítimas e dos valores fixados, Salomão apontou que os membros da família que sofreram o dano moral pelo erro médico cometido em relação a menor “ligam-se a ela por laços afetivos diversos”.
A única indenização que o relator decidiu alterar diz respeito ao irmão da vítima, reduzindo-a para R$ 216 mil (400 salários mínimos à época). O ministro ressaltou a tenra idade da vítima, que se tornou dependente dos pais a partir do evento danoso, e nessa toada "a indenização devida a esses pais merece ser fixada em patamar que represente o tamanho do desastre vivido por eles e a transformação lamentável ocorrida em suas vidas". (grifos nossos)
Assim, Luis Felipe Salomão negou provimento ao recurso em relação às indenizações por danos morais devidas à menor, sua mãe e seu pai, ficando mantido o acórdão recorrido, e deu provimento ao recurso apenas para reduzir o valor devido ao irmão da vítima. O voto do relator foi seguido à unanimidade, em julgamento ocorrido dia 1º/9.
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Processo relacionado: REsp 1.497.749