Migalhas Quentes

Ministros Fachin e Barroso votam pela descriminalização do porte de maconha para consumo próprio

Julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Teori Zavascki

10/9/2015

O STF retomou na tarde desta quinta-feira, 10, o julgamento do RExt no qual se discute a constitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas (11.343/06), que tipifica como crime o porte de drogas para consumo pessoal.

Na sessão de hoje, votaram os ministros Edson Fachin, que apresentou voto-vista, e o ministro Luís Roberto Barroso, ambos pela descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, julgando inconstitucional o artigo 28. Após os votos, o ministro Teori Zavascki pediu vista.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes também já votou pela inconstitucionalidade do dispositivo entendendo que ele viola o princípio da proporcionalidade. Seu voto foi proferido no dia 20/8. Para o ministro, a punição do usuário é desproporcional, ineficaz no combate às drogas, e ofende o direito constitucional à personalidade. Em seu voto, no entanto, o ministro afastou apenas os efeitos penais da conduta, mantendo, "até o advento de legislação específica", as punições de ordem administrativa (multa).

Durante a sessão de ontem, o ministro afirmou: "Acredito que talvez nenhum dos temas que trouxe ao plenário me tocou tanto, nestes 12 anos de tribunal, como este, tendo em vista os dramas pessoais subjacentes aos debates. Cada pai, cada mãe, cada profissional que vem nos falar sobre o tema, traduz uma experiência marcada por sangue e lágrimas. É extremamente tocante."

Voto do ministro Fachin

Em seu voto, o ministro Fachin destacou que nos debates sobre as causas da “drogadição” o deve ser colocado o circuito que vai “da produção ao consumo de drogas”. Para ele, a regulamentação de toda a sequência que liga a produção ao consumo da droga em questão não cabe ao Poder Judiciário, mas sim ao poder constitucional e democraticamente responsável para levar a diante tal mister sob pena de vácuo inconstitucional e mora legislativa.

Ele ressaltou que não deve o STF em sede do recurso em análise preencher o vazio normativo que daí pode decorrer. “No entanto, cabe reconhecer, sem prejuízo da nulidade constitucional adiante chancelada, que o usuário, apesar da autodeterminação que pode lhe assistir, fomenta, ainda que reflexamente, o tráfico. Este, pois, é o destinatário das causas cujos efeitos estão em pauta.”

O ministro Fachin votou pelo provimento parcial ao recurso, nos seguintes termos:

(i) Declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, sem redução de texto, específica para situação que, tal como se deu no caso concreto, apresente conduta que descrita no tipo legal tiver exclusivamente como objeto material a droga aqui em pauta;

(ii) Manter, nos termos da atual legislação e regulamento, a proibição inclusive do uso e do porte para consumo pessoal de todas as demais drogas ilícitas;

(iii) Manter a tipificação criminal das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do presente recurso (maconha) e concomitantemente declarar neste ato a inconstitucionalidade progressiva dessa tipificação das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do presente recurso (maconha) até que sobrevenha a devida regulamentação legislativa, permanecendo nesse ínterim hígidas as tipificações constantes do título IV, especialmente criminais do art. 33, e dispositivos conexos da Lei 11.343;

(iv) Declarar como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante, e determinar aos órgãos do Poder Executivo, nominados neste voto (SENAD e CNPCP), aos quais incumbem a elaboração e a execução de políticas públicas sobre drogas, que exerçam suas competências e até que sobrevenha a legislação específica, emitam, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data deste julgamento, provisórios parâmetros diferenciadores indicativos para serem considerados iuris tantum no caso concreto;

(v) Absolver o recorrente por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

(vi) E por derradeiro, em face do interesse público relevante, por entender necessária, inclusive no âmbito do STF, a manutenção e ampliação do debate com pessoas e entidades portadoras de experiência e autoridade nesta matéria, propor ao Plenário, nos termos do inciso V do artigo 7o do RISTF, a criação de um Observatório Judicial sobre Drogas na forma de comissão temporária, a ser designada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, para o fim de, à luz do inciso III do artigo 30 do RISTF, acompanhar os efeitos da deliberação deste Tribunal neste caso, especialmente em relação à diferenciação entre usuário e traficante, e à necessária regulamentação, bem como auscultar instituições, estudiosos, pesquisadores, cientistas, médicos, psiquiatras, psicólogos, comunidades terapêuticas, representantes de órgãos governamentais, membros de comunidades tradicionais, entidades de todas as crenças, entre outros, e apresentar relato na forma de subsídio e sistematização.

Voto do ministro Barroso

“Qualquer solução aqui tem custo alto, isso é verdade. Porém, nós virarmos as costas para um problema que é grave e difícil não faz com que ele desapareça. Portanto acho que em boa hora o STF está enfrentando essa matéria.”

O ministro Barroso também votou pela descriminalização. Para ele, a criminalização não diminuiu o consumo e não é a forma mais razoável e proporcional de se lidar com o problema.

Em seu voto, ele declarou inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/06 quando aplicado à maconha, sem qualquer juízo de valor as outras drogas, e o parágrafo 1º do referido artigo, validando a produção limitada de até seis plantas, assim como é feito no Uruguai, até que o congresso nacional se pronuncie sobre a questão.

O ministro estabeleceu também um critério distintivo entre consumo e tráfico. De acordo com seu voto, consiste na presunção de inexistência de tráfico a posse de 25 gramas de maconha. Contudo, Barroso afirmou que a quantidade é mera referência, não impedindo o juiz do caso concreto de valorar os elementos para dizer que é caso de uso próprio mesmo a quantidade sendo maior ou que entende que exista tráfico mesmo a quantidade seja menor, hipótese que, segundo o ministro, o ônus argumentativo do juiz será aumentado.

Barroso destacou que Independente da criminalização ou não, os ministros precisavam estabelecer um critério mínimo para que se diferencie o consumo pessoal do tráfico. Para ele, é a má distinção entre usuários e traficantes que faz com que com as mesmas quantidades, nos bairros abastados, os usuários sejam considerados usuários e nos bairros pobres os considerados como traficantes. “Há um impacto desproporcionalmente discriminatório.”

“A criminalização não protege, compromete a saúde pública.”

De acordo com o ministro, insistir numa politica publica que não funciona, e já experimentada há tantas décadas, "é fechar os olhos para a realidade. É preciso ceder aos fatos."

Ele ressaltou que o consumo de drogas ilícitas, sobretudo o de drogas pesadas, é uma coisa ruim e, consequentemente, o papel do Estado e o papel da sociedade devem ser o de “desincentivar o consumo; o de tratar os dependentes; e o papel de combater o tráfico.” Além disso, o ministro pontuou que o problema das drogas precisa ser analisado sob uma perspectiva brasileira.

“A guerra às drogas fracassou.”

Veja as anotações do ministro Barroso para o voto oral (ainda não é o voto oficial do ministro).

RExt 635.659

No caso dos autos, o recorrente foi condenado pela Justiça paulista à prestação de dois meses de serviços à comunidade por portar três gramas de maconha para consumo próprio. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que representa o condenado, sustenta que essa tipificação penal ofende o princípio da intimidade e da vida privada, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Alega também que não há lesividade na hipótese do porte de drogas para uso próprio, uma vez que tal conduta não afronta a saúde pública.

O Supremo iniciou o julgamento do caso em sessão plenária de 19/8. Na ocasião, após a leitura do relatório do ministro Gilmar Mendes, se manifestaram os representantes das partes, o procurador-geral da República e os advogados das entidades admitidas na qualidade de amici curiae. No dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes proferiu seu voto e o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Edson Fachin.

Veja a íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes.

Confira o voto do ministro Edson Fachin.

Veja as anotações do ministro Barroso para o voto oral (ainda não é o voto oficial do ministro).

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