Santander Banespa tem vitória no TJ/BA por unanimidade em caso que transformava Banco de credor em devedor
A decisão do Tribunal de Justiça da Bahia restabeleceu a justiça num caso, no mínimo curioso: o credor – leia-se Santander Banespa -, foi acionado juridicamente e passou a devedor. Segundo o Tribunal, cujo acórdão foi publicado terça-feira (14/3), o Santander Banespa tem o direito de cobrar a dívida, com as devidas correções, contraída em 1995 pela empresa Hélios Agropecuária, e reaver R$ 2.629.454,60, que foram sacados de um depósito judicial pelos então advogados da empresa.
Além disso, a Hélios foi condenada a pagar multa de 1% sobre o valor da causa por litigância de má-fé, indenização pelos prejuízos sofridos pelo Santander Banespa, pagamento de 20% sobre o valor da causa a título de custas e honorários advocatícios.
O caso
Em 1998, o Santander Banespa cobrou crédito no valor de R$ 229.313,52 contra a Hélios Agropecuária, que deixou de pagar uma dívida contraída em 1995. Surpreendentemente, o magistrado José Bispo Santana, titular da 4ª Vara Cível de Salvador, declarou inexistente a dívida e determinou o pagamento em dobro do valor executado inicialmente. Segundo o relator do acórdão, desembargador Juarez Alves de Santana, tal sentença para pagar em dobro o valor executado viola os artigos 315 do CPC – Código de Processo Civil, e 1.531 do Código Civil, “que só assegura o pagamento dobrado àquele que for demandado ‘por dívida já paga, no todo’, o que não ocorreu”.
Outro aspecto de violação da lei se vê na data de distribuição da petição inicial dos embargos feita pela Hélios, em 20 de janeiro de 2000, enquanto a penhora só foi realizada quatro meses após, em 12 de junho de 2000. Segundo o CPC, “não são admissíveis embargos do devedor antes de seguro o juízo”, ou ainda “a petição inicial será indeferida quando o autor carecer de interesse processual” (grifos do Tribunal).
De acordo com o juiz, foi o extrato para conferência de conta-corrente e uma confissão de dívida apresentados pela empresa comprovavam que a dívida havia sido quitada. Mas o extrato mostrava apenas que a Hélios solicitara a renegociação da dívida. O acórdão que deu a vitória ao Santander Banespa ressalta que o documento apresentado não prova a quitação: “No caso sub judice, entretanto, a Embargante, até o momento que lhe competia, não fez a prova do pagamento que afirma ter efetuado junto ao Credor, mediante a exibição da quitação correspondente ou da exibição do título pago. Tenta, entretanto, provar a sua afirmação colacionando aos autos o extrato de fl. 18. Tal documento, contudo, não prova, em absoluto, a suposta quitação da referida Cédula de Crédito Industrial”.
Em outro trecho do acórdão, percebe-se a clara intenção de a Hélios obter vantagem no processo: “Age com dolo, altera a ‘verdade dos fatos’, vale dizer, procede como litigante de má-fé, sujeitando-se a pagar indenização e sofrer condenação em honorários advocatícios e multa”.
“Caberia ao juiz, que sentenciou, rejeitar, ab initio, os embargos. Não o fazendo, deu causa S. Exa. A todos os atos teratológicos, ilegais e criminosos que foram praticados depois de sua sentença, que violou, literalmente, todas essas disposições legais, já referidas (grifo do Tribunal). Considerando a sentença como prova de quitação os lançamentos constantes do extrato mensal da conta-corrente da Ré, relativa a dezembro de 1995, incidiu em erro de fato, resultante de documento sem qualquer valor probante para o caso”, relata o acórdão.
De acordo com o advogado Nilson Castelo Branco, do Escritório Castelo e Thyers, que representou o Banco no processo, “o Tribunal de Justiça da Bahia impediu com eficácia e celebridade, que a instituição financeira fosse vítima de uma ‘armação ilimitada’. A decisão dignifica o Tribunal, reafirmando a excelência técnica e pronta eficácia de seus integrantes”.
Cronologia
18/12/1998 – O Banespa promove execução de título (nota de crédito comercial) no valor de R$ 229.313,52 contra a Hélios Agropecuária Ltda.
20/1/2000 – A Hélios apresenta embargos (defesa)
10/8/2001 – Proferida sentença favorável à Hélios. Curiosamente, o fundamento da sentença diz que o extrato de conta corrente apresentado pela empresa prova a quitação da dívida, pois o mesmo contém apenas informações sobre uma renegociação da dívida. O juiz José Bispo Santana, titular da 4ª Vara Cível da Comarca de Salvador, declarou a dívida inexistente e condenou o Santander Banespa a pagar o valor executado em dobro.
15/8/2002 – Absurdamente, o valor cobrado em dobro é apresentado no valor de R$ 13.147.273,93. Caso fosse realmente devido o valor, não ultrapassaria R$ 458.627,04, equivalentes a R$ 229.313,52 multiplicados por 2.
23/8/2002 – O Banco nomeia Notas do Banco Central do Brasil – NBC no valor determinado pela juíza como garantia.
30/8/2002 – A Hélios alega que as notas ofertadas como garantia não garantem o juízo porque não contém o valor relativo a custas e honorários advocatícios, no valor de R$ 2.629.454,60. O pedido de reforço da penhora em dinheiro foi feito inoportunamente, após o Banco ter sido citado na execução da sentença. De acordo com a legislação, não se pode fazer pedido algum após a citação do réu. Além disso, as custas e honorários já estavam contidos no valor de R$ 13.147.273,93.
17/10/2002 – Com apresentação de caução inidônea (imóveis não ofertados pela Hélios e assinatura não reconhecida pelo representante da empresa como sendo sua), a quantia de R$ 2.629.454,60 é autorizada para saque, de acordo com liminar concedida pela juíza Zenilde Vasconcelos, que sucedeu o juiz José Bispo Santana, na 4ª Vara Cível de Salvador.
18/6/2003 – O Santander Banespa entra com ação rescisória para evitar a liberação das NBCs colocadas como garantia no processo até o julgamento da ação.
9/12/2004 – A Hélios impetra Mandado de Segurança, alegando que o Banco teria se desfeito das NBCs. Na verdade, tais títulos foram apenas trocados por outros com prazo mais longo, pois estavam próximos do vencimento. O desembargador João Pinheiro determinou apenas o “resgate dos títulos e restabelecimento da garantia do juízo da execução”.
28/12/2004 – A juíza Zenilde Vasconcelos, contrariando a decisão do desembargador João Pinheiro, determina que a penhora seja restituída em dinheiro. Foi entregue Mandado de Execução à Agência do Santander, na tentativa de fechar o estabelecimento.
29/12/2004 – A juíza determina o acompanhamento de força policial para cumprir a diligência.
30/12/2004 – O desembargador Juarez Alves de Santana concede liminar ao Banco, determinando que se restabeleça a garantia da penhora por meio dos títulos renovados.
6/1/2005 – Santander Banespa ajuíza exceção de suspeição (para substituir o juiz do processo), representações administrativas (para a Corregedoria do Tribunal de Justiça) e ação criminal (no Ministério Público).. Além disso, é impetrado habeas corpus preventivo para evitar problemas e ações contra seus funcionários.
19/1/2005 – A Hélios peticiona requisitando a recomposição da garantia no valor do título corrigido (R$ 17.312.219,71), com a transferência imediata para agência do Bradesco ou Banco do Brasil. A solicitação inclui reforço policial para acompanhar a diligência com o lacre da agência do Santander até o cumprimento na íntegra da ordem judicial.
21/1/2005 – O juiz plantonista Ary Nonato de Pinho, em férias forenses substituindo a juíza Vasconcelos, defere o pedido para que a penhora fosse em moeda corrente, no valor de R$ 17.312.219,71, a ser transferida imediatamente para conta judicial no Banco do Brasil, ficando à disposição do juízo da 4ª Vara Cível, sob pena de ter a Agência lacrada e multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento. Durante a tarde, a Agência do Santander foi fechada.
24/1/2005 – O Santander Banespa apresenta exceção de suspeição contra o juiz substituto Ary Nonato de Pinho e obtém ainda liminar concedida pelo desembargador Gilberto Caribe, que suspende a decisão do juiz Ary Nonato de Pinho. A Agência é reaberta.
4/5/2005 – O Tribunal decide pela manutenção das NBCs e a reabertura da Agência.
9/3/2006 – Por unanimidade, o Tribunal da Bahia, por meio das Câmaras Cíveis Reunidas, – que têm 19 desembargadores -, julgou procedente a ação rescisória proposta pelo Banco. O Ministério Público já havia emitido parecer favorável à procedência da ação, bem como parecer do professor Calmon de Passos. Assim, o Banco deverá reaver o valor sacado antes do julgamento do processo e que fora penhorado como garantia para as custas e honorários; obter indenização pelos danos causados e entrar com processo por litigância de má-fé. Serão enviadas para o Ministério Público, partes do processo para que seja apurada a responsabilidade criminal, enquanto será enviado documento para que a OAB da Bahia possa apurar os procedimentos disciplinares.
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