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Não é necessária autorização prévia para publicação de biografias

Plenário do STF deu interpretação conforme a Constituição aos artigos 20 e 21 do CC/02.

10/6/2015

O STF declarou nesta quarta-feira, 10, ser inexigível consentimento de pessoa biografada para publicação de biografias. O plenário acompanhou voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, dando interpretação conforme a Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto.

Os ministros entenderam ser igualmente desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes nas biografias ou de seus familiares em casos de pessoas falecidas ou ausentes. Os referidos dispositivos do CC preveem:

"Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma."

Em seu voto, Cármen Lúcia explicou que a matéria em exame na ADIn se refere ao conteúdo e à extensão do direito constitucional à expressão livre do pensamento, da atividade intelectual, artística e de comunicação dos biógrafos, editores e entidades públicas e privadas veiculadoras de obras biográficas. Garantindo-se a liberdade de informar e de ser informado, de um lado, e o direito à inviolabilidade da intimidade e da privacidade dos biografados, de seus familiares e de pessoas que com eles conviveram. "Estas liberdades constitucionalmente asseguradas informam e conduzem a interpretação legítima das regras infraconstitucionais".

Para ela, "o direito à liberdade de expressão é outra forma de afirmar-se a liberdade do pensar e expor o pensado ou o sentido. E é acolhida em todos os sistemas constitucionais democráticos".

De acordo com a ministra, a Constituição prevê, nos casos de violação da privacidade, da intimidade, da honra e da imagem, a reparação indenizatória, e, por outro lado, proíbe "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Assim, uma regra infraconstitucional (o Código Civil) não pode abolir o direito de expressão e criação de obras literárias. "Não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história que se consegue cumprir a Constituição", afirmou. "A norma infraconstitucional não pode amesquinhar preceitos constitucionais, impondo restrições ao exercício de liberdades". A ministra observou que há riscos de abuso, mas o direito prevê formas de repará-los. "O mais é censura, e censura é uma forma de cala-boca".

"História faz-se pelo que se conta. Silêncio também é história. Mas apenas quando relatada e de alguma forma dada a conhecimento de outrem. Pela sua força de construção e desconstrução de relações sociais, políticas e até mesmo econômicas, a expressão como direito é fruto de lutas permanentes desde os primórdios da história."

Durante o julgamento, os ministros afirmaram que não estavam interditando o acesso das pessoas que se sentirem ofendidas com eventuais obras biográficas ao Judiciário. A ministra Cármen Lúcia ressaltou que todos os que buscarem o Judiciário merecem seu respeito. "Defenderei até eu morrer o direito de cada um lutar, na forma da CF e da lei, pelo seu direito de buscar o que lhe parece justo. Não vejo nisso qualquer agressão ou afronta."

Acompanhando a relatora, o ministro Luís Roberto Barroso ressaltou que "defender a liberdade de expressão não significa dizer que ela sempre seja protagonista da verdade ou protagonista da Justiça".

"A liberdade de expressão não é garantia de verdade ou de justiça. Ela é uma garantia da democracia. Defender a liberdade de expressão pode significar ter de conviver com a injustiça e até mesmo com a inverdade. Isso é especialmente válido para as pessoas públicas, como agentes públicos ou artistas."

Para ele, os artigos 20 e 21 do CC - que conferem àqueles que são retratados em biografias a prerrogativa de autorizarem a publicação dessas obras - têm causado danos reais à cultura nacional e aos legítimos interesses de autores e editores de livros. "Tal leitura estabelece uma regra abstrata e permanente de primazia dos direitos da personalidade sobre a liberdade de expressão na divulgação de biografias, que viola o sistema constitucional de proteção e privilégio das liberdades de expressão e informação, configurando eminente censura privada."

A ministra Rosa Weber manifestou seu entendimento de que controlar as biografias implica tentar controlar ou apagar a história, e a autorização prévia constitui uma forma de censura, incompatível com o estado democrático de direito. O ministro Luiz Fux destacou que a notoriedade do biografado é adquirida pela comunhão de sentimentos públicos de admiração e enaltecimento do trabalho, constituindo um fato histórico que revela a importância de informar e ser informado. Em seu entendimento, são poucas as pessoas biografadas, e, na medida em que cresce a notoriedade, reduz-se a esfera da privacidade da pessoa.

Para o ministro Dias Toffoli, obrigar uma pessoa a obter previamente autorização para lançar uma obra pode levar à obstrução de estudo e análise de História. "A Corte está afastando a ideia de censura, que, no Estado Democrático de Direito, é inaceitável".

Segundo o ministro Gilmar Mendes, fazer com que a publicação de biografia dependa de prévia autorização traz sério dano para a liberdade de comunicação. Ele destacou também a necessidade de se assentar, caso o biografado entenda que seus direitos foram violados publicação de obra não autorizadas, a reparação poderá ser efetivada de outras formas além da indenização, tais como a publicação de ressalva ou nova edição com correção.

O ministro Marco Aurélio destacou que há, nas gerações atuais, interesse na preservação da memória do país. "E biografia, em última análise, quer dizer memória”, assinalou. “Biografia, independentemente de autorização, é memória do país. É algo que direciona a busca de dias melhores nessa sofrida República", afirmou. Por fim, o ministro salientou que, havendo conflito entre o interesse individual e o coletivo, deve-se dar primazia ao segundo.

Decano do STF, o ministro Celso de Mello afirmou que a garantia fundamental da liberdade de expressão é um direito contramajoritário, ou seja, o fato de uma ideia ser considerada errada por particulares ou pelas autoridades públicas não é argumento bastante para que sua veiculação seja condicionada à prévia autorização. O ministro assinalou que a CF veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. Mas ressaltou que a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, grupo social ou confessional não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão.

Para o ministro Lewandowski, o Supremo vive um momento histórico ao reafirmar a tese de que não é possível que haja censura ou se exija autorização prévia para a produção e publicação de biografias.

O ministro observou que a regra estabelecida com o julgamento é de que a censura prévia está afastada, com plena liberdade de expressão artística, científica, histórica e literária, desde que não se ofendam os direitos constitucionais dos biografados.

Sustentações orais

A ADIn 4.815 foi ajuizada em 2012 pela Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel, representada no caso pelo advogado Gustavo Binenbojm (Binenbojm, Gama & Carvalho Britto Advocacia). Em sua sustentação oral, o causídico argumentou que o propósito da censura é sempre o mesmo; o de “controlar o que os cidadãos podem ver e saber como forma de determinar o que os cidadãos devem pensar”. Ele ressaltou ainda que essa não é uma causa dos editores de livro, tão pouco dos escritores, historiadores e acadêmicos, e sim uma causa da sociedade brasileira. "É a causa de um país que tem pressa de se educar e de se informar, o que é a causa final de todos os que acreditam que as ideias e as palavras podem mudar o mundo".

Pelo Instituto Historico e Geográfico Brasileiro – IHGB, amicus curiae, sustentou o advogado Thiago Bottino do Amaral, o qual lembrou que a liberdade acadêmica por si só "é fundamento jurídico suficiente para se fazer a interpretação de modo a não se permitir a exigência prévia de autorização para a publicação de biografias". O IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo foi representado na tribuna pela advogada Ivana Co Galdino Crivelli.

O Conselho Federal da OAB, também amicus curiae, foi representado na Tribuna pelo seu presidente, Marcus Vinicius Furtado Coêlho. Ele apontou que não poderá qualquer censor delimitar qual a matéria será objeto de uma biografia. Segundo ele, todos os fatos deem ter relevância para o biógrafo que esta exercendo o direito constitucional a liberdade de expressão e os fatos inverídicos, as ofensas à honra, à calúnia, serão resolvidas como devem ser resolvidos todos os danos cometidos contra as pessoas. "Nos casos de calúnia, de ofensas da honra, de injúria, de difamação, a solução será obviamente a indenização."

"Posso dizer depois de 30 anos ocupando esta tribuna que foram tantas emoções e de qualquer maneira assumo hoje como se fosse a primeira vez, ainda emocionado e muito honrado." Com estas palavras, Kakay iniciou sua sustentação oral pelo Instituto Amigo, criado por Roberto Carlos. O advogado afirmou que a única censura que vislumbrou no processo em questão foi a censura de impedir que o cidadão que tenha sua dignidade afetada não poder propor seu questionamento no Judiciário.

Lembrando a igualdade dos direitos à intimidade e à informação, o advogado ressaltou que o direito constitucional de todo cidadão ir ao Judiciário também estava em jogo. "Nós entendemos que quando se trata de biografias não é a liberdade de expressão que está em jogo, é o direito a informação. Na biografia a pessoa estuda caso concreto em relação a outra pessoa e depois tem que levar o que estudou para o livro sendo, evidentemente, fiel ao que estudou. Os detalhes averiguados com certeza podem ser levados. (..) O que me leva a ocupar a tribuna é que a ADIn diz quase como se fosse absoluto o direito do biógrafo. O biografado não pode avaliar caso a caso quando se sentir ofendido em sua dignidade."

Veja a íntegra do voto da relatora, ministra Cármen Lúcia.

Confira a íntegra do voto do ministro Barroso.

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