Migalhas Quentes

Homenagem ao dr. Ranulfo de Mello Freire

15/3/2006


Ranulfo de Mello Freire


No último 23/1, o ilustre migalheiro Adauto Suannes publicou em Migalhas uma justa homenagem a um dos grandes juízes deste país, Ranulfo de Mello Freire (Clique aqui). Dando continuidade a merecida veneração, o ilustre causídico José Eduardo Ferreira Pimont enviou-nos um belíssimo texto. Confira abaixo


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Ilmos. Srs. responsáveis pelo site "migalhas.com.br"

Embora com certo atraso por motivo de viagem, fiquei sabendo do texto de autoria do Dr. ADAUTO SUANNES, publicado por VV.SS., em homenagem ao Dr. RANULFO DE MELLO FREIRE, “enquanto ele é vivo”.

Apesar de discordar da urgência da homenagem (“enquanto ele é vivo”), pois espero que ele continue assim por muitos e muitos anos ainda, aqui compareço para manifestar minha total adesão a essa feliz iniciativa, subscrevendo integralmente o que ali está escrito.

Embora pouco ou nada signifique tal adesão, em razão de ser modesta a figura do aderente, penso, contudo, que ela vale como depoimento de testemunha presencial, que conheceu, de muito próximo, a pessoa e a vida do homenageado.

É que tive oportunidade de conviver com ele por longos anos, primeiro como Promotor de Justiça da Comarca de José Bonifácio, onde ele era juiz e, anos depois, trabalhando novamente juntos na 3ª Vara da Família e Sucessões, da Capital.

Essa convivência com ele foi para mim, sem exagero, até providencial, confesso-o, pela influência que teve naquele começo de minha carreira no Ministério Público, levando-me a uma radical mudança na concepção do Direito e da própria vida.

Com efeito, provindo da caserna, trazia eu ainda, malgrado o arejado ambiente das Arcadas do Largo de São Francisco, um certo ranço da rigidez, do autoritarismo e da intolerância, próprios da vida militar, logo mudados por força dessa influência, para uma visão mais humana e fraternal do Direito e da Justiça como obra coletiva, em permanente construção, para o bem comum, exigindo atenção especial para os deserdados da sorte visando a incluí-los de fato, na dignidade da cidadania, mediante uma continua redução das desigualdades sociais.

Sendo ele um homem culto, era contudo, simples, despido de vaidade, bondoso no melhor sentido, e profundamente justo.

Sensibilizava-me especialmente a sua cordial e bondosa atenção a todos, até com as pessoas mais humildes.

Lembro-me, como se fosse hoje, do primeiro dia em que, apresentando-me no Fórum, vim a conhecê-lo, sentado – não na sua curul judicial – mas numa cadeira comum, lado a lado como um trabalhador rural, que ele mandara chamar para explicar-lhe, como de caboclo para caboclo, a razão por que fora obrigado a condená-lo pelo espancamento à esposa, e aconselhá-lo a procurar um bom entendimento com ela, também ali presente, e recebendo também ela, oportunos conselhos.

Eu nunca tinha visto isso antes, nem veria depois em nenhuma outra comarca.

E que dizer da inesgotável paciência com que ele se esforçava por conseguir conciliações, naquele tempo em que essa função do Magistrado ainda não era uma obrigação sua, como é hoje?

E de sua preocupação com os presos da Cadeia, visitando-os, informando-se sobre os seus problemas, aconselhando-os, e procurando mitigar os efeitos negativos e nocivos da vida na prisão?

Mas as coisas complicaram-se quando ele foi promovido para o Tribunal de Alçada Criminal, onde causavam incômodo aos colegas, pelos atrasos do julgamento, os seus pedidos de “vista” sempre que o Relator proferia voto condenatório e lhe parecesse haver ainda qualquer dúvida, por menor que fosse!

Por isso, apesar do profundo respeito, consideração e sincera amizade que os colegas lhe votavam, traumática foi a sua eleição para a Presidência quando chegou a sua vez.

E logo trouxe ele uma novidade, pois baixou uma Portaria determinando que fossem encaminhados ao setor de Assistência Judiciária os processos em que, cabendo Embargos Infringentes, não fossem esses interpostos pelos advogados nomeados para a defesa dos RR, para que não se perdesse essa oportunidade de defesa.

Como todos sabem, trata-se de recurso previsto pela lei em favor do réu condenado, porém com pelo menos um voto a seu favor, pelo que poderia a defesa pedir novo julgamento, por número maior de juízes, e com isso conseguir reversão da condenação e até absolvição.

Essa iniciativa dividiu os membros do Tribunal, muitos dos quais a consideravam ilegal e até inconstitucional por desrespeito à coisa julgada, isto é, a decisão da maioria, que já se tornara imutável por não ter o recurso sido interposto oportunamente pelo defensor já nomeado.

Era uma oposição elitista, insensível às dificuldades do réu pobre para defender-se, mas inspirava-a um profundo senso de Justiça, partido da idéia de que não podia o réu pobre ser prejudicado, pela falta desse pedido de reexame por desídia e descaso do seu defensor público, não escolhido por ele, e sim nomeado pelo Juiz ou pela Assistência Judiciária.

Ora, sob esse pressuposto, em vez de inconstitucional, a Portaria afinava-se, em realidade, com as mais modernas teorias hermenêuticas, que pugnam pela prevalência da interpretação que melhor corresponda à máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais da pessoa assegurados pela Constituição Federal, entre os quais avulta a garantia de efetiva Assistência Judiciária aos necessitados.

Como falar, pois, em desrespeito à coisa julgada se, por culpa do defensor nomeado, houvera desrespeito ao direito do pobre a uma completa e satisfatória Assistência Judiciária?

E se, com o desrespeito a esse direito, desrespeitado era também o seu direito a um efetivo acesso à Justiça, e ao seu direito a ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes, e á estrita observância do devido processo legal, violações essas que não podia o Tribunal tolerar?

Por causa dessa sua incansável preocupação com a Justiça, que aos seus colegas parecia exagerada, não encontrava ele ambiente favorável de trabalho nas Câmaras do Tribunal, e por isso, logo após sua promoção a Desembargador, preferiu aposentar-se, quando poderia continuar prestando os seus bons serviços de sempre à Justiça, em benefício de todos.

Mas o respeito, a consideração e a estima pessoal que o cercavam não arrefeceram pelo seu afastamento, e surpreendeu-me muito, excedendo a todas as expectativas quando, muitos anos depois, enquanto outros colegas aposentados já haviam caído no esquecimento, o contrário ocorria com ele, pois uma homenagem que recebeu por seu aniversário lotou o amplo salão da Associação dos Magistrados, reunindo mais de uma centena de pessoas entre Juízes e Desembargadores, da ativa e aposentados, e até Ministros do Supremo Tribunal Federal, além de numerosos advogados e membros do Ministério Público, e ex-alunos seus da Fundação Getúlio Vargas.

Foi uma verdadeira consagração. E anos depois repetida em homenagem que lhe prestou a Ordem dos Advogados , Secção de São Paulo.

Que Deus o abençoe Dr. RANULFO, a esposa Dª Marina e aos filhos Berenice e Fernando.

E ao Dr. SUANNES também ele um dissidente do excessivo formalismo jurídico de muitos colegas, minhas congratulações pela idéia dessa justíssima homenagem a esse homem tão invulgar – Dr. RANULFO DE MELO FREIRE.

Bragança Pta., 13 de março de 2.006

José Eduardo Ferreira Pimont


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