A 4ª turma do STJ deu provimento a recurso do jornalista Ricardo Noblat, do Jornal do Brasil e do jornal O Globo (Infoglobo Comunicações) e afastou dever de indenizar o desembargador aposentado Marlan de Moraes Marinho, do TJ/RJ, em razão de matéria publicada nos veículos de comunicação sobre um julgamento na 14ª câmara Cível da Corte.
Em outubro de 2003 e em abril de 2004, Noblat teria relatado nos periódicos o processo atípico de julgamento de um recurso em ação movida por ele contra o Condomínio Acionário das Emissoras e Diários Associados, do qual fazia parte e foi afastado.
Capitaneado pelo voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, o colegiado ponderou que, não havendo conduta ofensiva ou crítica desmesurada, não há que se falar em indenização. Ainda segundo a turma, o reconhecimento da violação à honra por veiculação de fato verídico não é plausível. "O compromisso ético com a informação verossímil foi atendido."
Liberdade de expressão
Na ação, Marinho, à época presidente da câmara, afirmava que Noblat teria o acusado de conduzir o julgamento de maneira parcial, interferindo no voto dos demais desembargadores para favorecer indiretamente seu filho, o advogado Marlan de Moraes Marinho Junior, com interesse profissional na causa.
Em trecho da matéria intitulada "Justiça, ó quão dessemelhante", o jornalista informa que Marlan, antes de colhidos todos os votos, teria anunciado o resultado de votação unânime. Em outro momento, Noblat dá conta de que Marlan Marinho Filho defende o Condomínio em vários processos.
"Ele viu quando o desembargador deixou o gabinete às 17h15m e dirigiu-se à sala de sessões do tribunal. Seguiu-o de perto. E com ele entrou na sala onde estava reunida a 14 Câmara Cível presidida pelo desembargador Marlan Marinho."
Noblat e os veículos foram condenados em 1º grau a indenizar o desembargador, decisão mantida pelo TJ fluminense. A Corte considerou que houve abuso da liberdade de expressão, visto que o conteúdo divulgado não seria de interesse público e trazia imputações não comprovadas de condutas indevidas ao desembargador, com repercussão à sua honra a dar ensejo à reparação por dano moral.
Crítica x Notícia
O jornal O Globo foi defendido pelo advogado Antonio Carlos Lemos Basto. Noblat, por sua vez, foi representado por Eduardo Mendonça, do escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados. Da tribuna, Mendonça questionou o fato de uma autoridade pública pedir indenização devido à narração por uma parte ou jornalista de uma sequência de fatos processuais "sem adjetivação ou uso de palavreado chulo". "A parte ou imprensa em um Estado Republicano não tem direito de divulgar um procedimento de julgamento atípico?"
O advogado sustentou que "a vida pública é feita de razões e fornecê-las é dever de quem se disponha a exercer uma função estatal". De acordo com o advogado, essa é uma projeção básica das liberdades de expressão, de informação e de imprensa, que já dispõem de uma posição preferencial no regime democrático, justamente porque não há democracia sem livre circulação de ideias.
"Tais liberdades ficam ainda mais reforçadas quando se trate da divulgação de informações sobre a conduta de pessoas públicas, obtidas por meio lícito. Contrariando tudo isso, infelizmente, o jornalista foi condenado pela ousadia de narrar fatos ocorridos em sessão pública de julgamento, não questionados em sua veracidade. Por isso estamos aqui no dia de hoje e sou obrigado a pedir que confirmem a proclamação da república no Brasil."
Durante a leitura de seu voto, Salomão assinalou a diferença entre notícia e crítica, destacando que, o que o jornalista fez, de fato, foi apenas noticiar um julgamento público, fatos objetivos, sem emitir juízo de valor. "Não foi imputado ao recorrido qualquer conduta ofensiva."
Mesmo que se entendesse haver uma critica jornalística, asseverou o relator, o pleito não mereceria prosperar por não se verificar nenhum abuso do direito por parte do jornalista – "o que se verifica é o direito de informação".
Seguindo o voto de Salomão, o ministro Raul Araújo declarou: "Pagamos um preço por viver em uma democracia. Pessoas públicas devem ter nível maior de tolerância por sua exposição."
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Processo relacionado: REsp 1.297.787/RJ