As soberbas lições de Sobral Pinto
Leia abaixo o artigo publicado no Jornal do Brasil, pelo jornalista Augusto Nunes, sobre o grande jurista Heráclito Fontoura Sobral Pinto:
Pediu ao advogado que reservasse todo o dia 20 a um só compromisso. Sobral Pinto precisaria examinar a vasta documentação que lhe permitiria representar o amigo numa causa de natureza trabalhista. O advogado ponderou que, antes de aceitar a proposta, deveria examinar o caso e verificar se Schmidt tinha razão. O poeta-empresário pareceu perplexo. Advogado não é juiz, replicou. Ao folhear a papelada, Sobral Pinto haveria de admitir que sobrava consistência à causa que defenderia. O jurista treplicou com argumentos poderosos e repetiu. Sem exame prévio, não poderia aceitar o convite para patrocinar a causa.
Como o processo deveria ser desencadeado já no dia 20, restavam-lhe algumas horas para fazer a avaliação que sempre era cuidadosa, acurada, fosse quem fosse o interessado. Tempo demasiadamente exíguo. Melhor seria, aconselhou Sobral, que Schmidt recorresse aos préstimos de outro profissional. A conversa não deve ter terminado bem. Tanto assim que o grande jurista tratou de retomá-la unilateralmente na manhã seguinte, por meio de uma carta datilografada pela secretária. O remetente ditou os termos do documento, destinado a resumir claramente a argumentação da véspera. Ditou-os quase sem pausas, num luminoso jorro de lições sobre a profissão que exerceu. Cópia da carta foi enviada ao colunista por um neto da lenda, Roberto Sobral Pinto Ribeiro. Seguem-se trechos extraordinariamente exemplares, começando pelo que explica que advogados também devem julgar:
''O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da casa que lhe levam para patrocinar. Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição.''
A regra vale também para velhos amigos? Claro que sim:
''Não seria a primeira vez que, procurado por um amigo para patrocinar a causa que me trazia, tive de dizer-lhe que a justiça não estava do seu lado, pelo que não me era lícito defender seus interesses''.
Outros trechos ensinam a proteger os códigos éticos da profissão de socos e pontapés hoje desferidos tão rotineiramente:
''A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa. (...) O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. (...) O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão.''
Essa magnífica aula improvisada termina com palavras que merecem ser reproduzidas em bronze nos pórticos e auditórios das faculdades de Direito de todo o Brasil:
''É indispensável que os clientes procurem o advogado de suas preferências como um homem de bem a quem se vai pedir conselho. (...) Orientada neste sentido, a advocacia é, nos países moralizados, um elemento de ordem e um dos mais eficientes instrumentos de realização do bem comum da sociedade.''
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