O projeto foi idealizado pela ex-diretora do instituto Marina Dias e finalizado sob a gestão do atual diretor, o advogado Augusto de Arruda Botelho, cujas palavras de abertura da sessão enfatizaram o papel do instituto na sensibilização da sociedade para o equívoco do encarceramento em massa.
Linguagem propositadamente incômoda
Em uma linguagem cinematográfica aflitiva, sem que sejam dados a conhecer os rostos dos depoentes, o argumento é aberto pela narrativa de casos individuais que aos poucos vão revelando não só debilidades e injustiças mas o completo non sense do sistema sob todos os ângulos de que é examinado – inclusive o econômico, pois os contribuintes pagam cerca de R$1.350,00 por mês para que a pessoa saia do cárcere muito mais perigosa e com pouquíssima chance de se reintegrar à sociedade. Enquanto falam os entrevistados, cenas do cotidiano em presídios são mostradas.
À medida que o filme avança, os casos pessoais vão cedendo espaço para contribuições de profissionais ligados ao sistema carcerário. No momento em que falam, o espectador não sabe de que lugar do discurso vem aquela voz – os rostos continuam invisíveis – mas a estranheza inicial vai cedendo lugar a uma certeza: da cozinha do presídio, dos corredores do tribunal de justiça de São Paulo, da sala de audiências do fórum criminal, do cartório de uma das varas desse mesmo fórum, todos os personagens ostentam algo em comum: não creem, a partir de suas experiências profissionais, que o sistema carcerário possa trazer algo para alguém além de inabilitá-lo para o convívio, de destruir todas as possibilidades de relações sociais.
Terminado o filme, são identificadas rapidamente, enfim, as vozes que por uma hora e trinta minutos ousaram incomodar as certezas da plateia. Ao lado de detentos e ex-detentos, falou um delegado de polícia, um agente penitenciário, um professor de criminologia, um padre da pastoral carcerária, um psicólogo, uma assistente social, um juiz, um promotor, uma desembargadora.
Alguns depoimentos
De todos os depoimentos, ao menos três excertos merecem comentários.
Com clareza desconcertante, a participação do delegado de polícia de forte sotaque carioca parece demolir anos e anos de política de segurança pública: policiamento não é produto, é serviço; em vez de ser avaliado por estatísticas – número de pessoas detidas, quilos de drogas apreendidas, etc. –, deveria sê-lo pela satisfação do cliente, como todos os demais serviços. Sob esse enfoque, cresceria naturalmente a ideia da polícia participativa e próxima da população, livrando inclusive a própria corporação de ser refém de discursos politiqueiros.
Em outro momento, um filósofo e uma assistente social sintetizam e fecham o recado: estamos gastando rios de dinheiro para encarcerar jovens pobres, sem ligação com o crime organizado, que foram presos em flagrante geralmente por comércio de pequenas quantidades de drogas sem porte de arma (todas essas características foram extraídas de estatísticas), amontoando-os em cubículos capazes de atrofiá-los física e mentalmente, locais em que, aí sim, entram em contato com as organizações criminosas.
Considerando que nenhuma população carcerária cresce na velocidade da brasileira, a terceira do mundo, atrás somente de EUA e China, concluem: “Estamos criando uma bomba relógio”.
O filme entra em cartaz em 12 cidades brasileiras na próxima quinta-feira, 2 de outubro.
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