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Em Machado de Assis, Direito é crítica social

Dia 21 de junho seria aniversário do grande escritor nascido em 1839

21/6/2014

Nascido no Rio de Janeiro aos 21 de junho de 1839, de pai mulato e mãe açoriana, e falecido na mesma cidade aos 29 de setembro de 1908, Joaquim Maria Machado de Assis foi criado no morro do Livramento, área central do Rio. Ainda jovem frequentou uma escola pública, mas sem muitos recursos materiais para cursos regulares, boa parte de seus estudos foram feitos por conta própria.

Aos 15 anos de idade publicou seu primeiro poema; em 1856, pouco antes de completar 17 anos, entrou para a Imprensa Nacional como aprendiz de tipógrafo, onde conheceu Manuel Antônio de Almeida; em 1858 tornou-se revisor e colaborador no Correio Mercantil e,em 1860, a convite de Quintino Bocaiuva, passou a pertencer à redação do Diário do Rio de Janeiro. Daí em diante,escreveria em diversos periódicos cariocas, com especial destaque para a Gazeta de Notícias, veículo que se destacaria pela valorização da literatura. Na Gazeta Machado de Assis assinaria a coluna A Semana entre 1881 e 1897.

Muitos bacharéis em sua obra

“Com efeito, lendo com atenção sua obra, percebemos o Direito em todo lugar. Não há romance sem um personagem do meio jurídico, e poucos são os contos em que ele não apareça.”

O parágrafo acima foi extraído da obra Doutor Machado – O direito na vida e na obra de Machado de Assis, coautoria do historiador Cássio Schubsky (in memorian) e do editor deste informativo, Miguel Matos. De fato, a assertiva dá notícia de algo visível na vasta obra do Bruxo do Cosme Velho, que ao retratar a sociedade carioca de sua época, não ignorou o bacharel em direito – suas histórias mostram advogados, magistrados, diplomatas –, tampouco as questões jurídicas de seu tempo, centradas sobretudo no direito de propriedade.

Assim, institutos jurídicos como o testamento e as disposições de vontade adquirem caráter determinante em suas tramas, e ao motivarem os atos de seus personagens, revelam o funcionamento de uma sociedade interesseira, formalista e assinalada pela hipocrisia.

Uma das mais célebres obras machadianas, Dom Casmurro tem seu argumento desenvolvido a partir de uma promessa feita pela mãe de Bentinho, que para atender algumas conveniências da realidade doméstica, termina por quebrá-la,“negociando” com Deus a partir da interveniência do “advogado” dos jovens enamorados, o agregado José Dias.

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, considerada a sua obra-prima, o personagem principal revela ao leitor, no capítulo XX (“Bacharelo-me”), ter estudado “muito mediocremente” e nem por isso ter deixou de obter o grau de bacharel, conferido pela Universidade de Coimbra: “No dia em que a Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso”. O mesmo narrador-defunto vai afirmar, logo adiante, no capítulo em que é tratado seu casamento, que “a noiva e o parlamento são a mesma coisa”, colocando no mesmo patamar e ao mesmo tempo desqualificando duas instituições jurídicas, o matrimônio e a legislatura, tratadas ambas como simples “colocação social”.

E no não menos conceituado conto O Alienista, o advogado Salustiano, que à primeira vista fora catalogado entre os probos, não passou no teste proposto pelo agente da Casa de Orates, e terminou por defender como verdadeiro testamento que sabia falso, corroborando as características pouco nobres da vasta série de advogados machadianos.

Em Teoria do Medalhão, o filho que acabou de completar 21 anos de idade, e que por dispor de “algumas apólices e um diploma” pode “entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa (...)” (de onde se deduz qual o diploma), é aconselhado pelo pai a se tornar um medalhão. Ao lado de não ter ideias em absoluto, ou em as tendo, escondê-las, abafá-las, ao jovem promissor é recomendado, de quando em quando, o emprego de “umas quantas figuras expressivas”: “Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação ou de agradecimento”.

Machado jurista

Mas se na ficção os causídicos não seduziam o velho escritor, em sua vida de funcionário público reconheceu no Direito o amparo de causas nobres.

Por muitos anos Machado de Assis foi funcionário do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, órgão em que era responsável pela elaboração de pareceres, alguns eminentemente jurídicos. Ainda na obra Doutor Machado aparece um caso que lhe foi submetido, acerca da obrigatoriedade de recurso ex officio toda vez que escravos fossem vencidos em pleitos fundamentados na lei do ventre livre. Um dos regulamentos da lei dispunham que escravos “não dados à matrícula” até determinada data seriam dados por libertos. O caso era o seguinte: um proprietário de escravos da comarca de Resende/RJ, obteve reconhecimento da matrícula de seus escravos mediante sentença em ação ordinária que alegava ter transitado em julgado por não ter havido recurso por parte dos escravos.

Valendo-se de interpretação teleológica da lei, cujo art. 7° dispunha que “Nas causas a favor da liberdade” “Haverá apelações ex officio quando as decisões forem contrárias à liberdade”, Machado de Assis, o funcionário público,sustentou que mesmo a ação tendo sido proposta pelo proprietário de escravos – o que para boa parte da doutrina da época não caracterizaria “causa a favor da liberdade”, e sim a favor da propriedade –, deveria sim ter havido o reexame necessário. Isso porque, explicou, o valor vencido na causa era a mesma liberdade, “alma e fundamento” da Lei de 28 de setembro.

O parecer foi acolhido, o que no caso em exame significou mais uma chance de liberdade para o grupo de escravos.

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