A Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara realizou ontem audiência pública para debater o PL 7.004/13, do deputado Vicente Cândido, que proíbe a TV Justiça de transmitir ao vivo as sessões do STF e de outros tribunais.
A justificativa do PL assim está:
“A maior “transparência” implica muitas vezes cenas de constrangimento, protagonizadas pelos ministros em Plenário. Na verdade, as entranhas da Justiça é que estão sendo mostradas com sensacionalismo exacerbado por parte de alguns ministros em particular. Basta isso para que tenhamos uma espécie de desmoralização da nossa Corte Suprema.”
O tema ganhou destaque após o julgamento da AP 470, e muito começou a se falar sobre os pontos positivos e negativos da transmissão ao vivo das sessões plenárias.
Missão do SFT
Primeiro a expor na audiência, o ministro da AGU Luís Inácio Adams sustentou que a TV Justiça potencializou o assédio ao juízes. "As pessoas se sentem mais confortáveis em assediar o juiz - chegar nele e questioná-lo sobre as decisões."
De acordo com o ministro, a questão da publicização dos julgamentos passa necessariamente pela missão do STF. O Supremo legitima-se, a seu ver, ao aplicar a norma e fortalecer o sentimento de justiça.
"A nossa Corte Constitucional tem que ser focada cada vez mais nos temas constitucionais. Um agente de resolução das questões efetivamente de validação da nossa Constituição. Hoje ela é envolvida em casos pessoais, em casos individuais, disputas que não deveriam ser objeto de uma publicização ampla."
Na mesma linha foi a argumentação do jurista Dalmo Dallari. Considerando que a grande publicidade leva ao deslumbramento, Dallari asseverou que a CF faz referência expressa à publicidade dos julgamentos do Judiciário, mas que o importante é a publicidade dos atos jurídicos.
Para o professor emérito da Faculdade de Direito da USP, a transmissão ao vivo dos julgamentos prejudica a imparcialidade dos juízes e é necessário, portanto, uma revisão dos critérios para a publicidade do Judiciário.
“Evidentemente as decisões, acórdãos, fundamentação devem ser publicados, é importante para compreender o significado e alcance da decisão. Agora, a transmissão ao vivo tem chance de influir sobre os julgadores e o resultado do julgamento. Aqui pesa o fator humano, que pode sofrer múltiplas influências, incluindo ai o fato de que está sendo visto e avaliado por milhares de pessoas, a maioria sem formação jurídica, e influenciados por campanha de imprensa.”
Dallari citou a obra de sua autoria, “O Poder dos Juízes”, em que comentou a necessidade de uma maior democratização do Judiciário por meio, entre outros, da reformulação no método de escolha dos ministros do STF e com o Supremo focando-se em ser uma Corte Constitucional.
O enfoque cada vez maior do STF nas questões constitucionais também foi lembrado pelo professor de Direito da PUC/RS Ingo Wolfgang Sarlet. Ainda, o professor demonstrou preocupação com o PL em debate especificamente ao ponto que concede ao Executivo controle sobre a tv a cabo do STF.
O PL dá nova redação para o art. 23 da lei 8.977/95, que passaria a ser:
“(...)
h) um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos seus trabalhos, sem transmissão ao vivo e sem edição de imagens e sonoras das suas sessões e dos demais Tribunais Superiores.
(...)
§ 9º O Poder executivo normatizará os critérios técnicos e as condições de uso nos canais previstos nas alíneas a a h deste artigo.” (grifos nossos)
Para Ingo, trata-se de conferir ao Executivo o poder de censura, o que seria perigoso para a democracia nacional.
A favor
O presidente da Apamagis, Jayme Martins de Oliveira Neto, argumentou que, ainda que haja pontos negativos e excessos, a TV Justiça trouxe maiores benefícios para a sociedade. “Tivemos mais de 20 anos de regime ditatorial, sociedade calada, judiciário amordaçado, que não se sabia o que fazia. Nosso espanto está na verdade nessa nova realidade.”
Para Jayme, querer modificar a lei que criou a TV Justiça – sancionada, por sinal, pelo ministro do Supremo Marco Aurélio, enquanto exercia a presidência da República – seria verdadeiro retrocesso.
O expositor lembrou que toda a discussão surgiu principalmente diante da AP 470, o mensalão, mas que tal julgamento mostrou que há excessos e, portanto, deve-se aperfeiçoar o sistema, e não pôr fim a ele. “A transmissão pública tem amparo legal”, afirmou em contraponto ao jurista Dalmo Dallari, para quem a CF fala em publicidade dos atos processuais mas não em transmissão ao vivo das sessões.
O representante da OAB na audiência, advogado Pedro Paulo, afirmou também que a AP 470 é um marco quanto ao tema. “Houve excesso. Os magistrados possivelmente se influenciaram pela opinião publica. Mas em razão disso aboliremos a transmissão? Se fizermos esse retrocesso parece que ferimos um princípio constitucional.” Pedro Paulo comentou recente decisão do STF de transferir para as turmas o julgamento de ações penais contra parlamentares.
À parte as discussões travadas em torno do PL, nota-se o movimento da própria Corte em focar no plenário as decisões de maior relevância social. A própria mudança no regimento para a transferência da competência acima citada é exemplo disso: após uma tarde inteira de debates, os ministros criticaram o tempo despendido para se julgar questão de caráter meramente subjetivo e envolvendo interesses exclusivamente individuais.
Os ministros do STF Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, em recentes entrevistas à TV Migalhas, comentaram o instituto da repercussão geral, defendendo seu aperfeiçoamento.