Migalhas Quentes

Lei anticorrupção suscita divergências entre especialistas

Foram intensos os debates travados em torno da lei 12.846/13 no seminário organizado por Migalhas.

8/4/2014

Foram intensos os debates travados em torno da lei 12.846/13, a chamada lei anticorrupção, no seminário organizado por Migalhas ocorrido ontem (7/4) em SP. Advogados, procuradores, representantes do MP, da controladoria geral da União, da Corregedoria Geral da Administração do Estado, integrantes de consultorias de administração, profissionais jurídicos, enfim, expuseram suas esperanças, dúvidas e até mesmo angústias, acerca da aplicação da nova lei.

Dentre os muitos pontos abordados, a plateia assistiu a uma polarização entre os posicionamentos esposados por procuradores, promotores e controladores públicos, de um lado, e os advogados empresariais, de outros.

Moralidade administrativa

Para o primeiro grupo, a lei estabelece um novo padrão de moralidade administrativa, e busca dar mais um passo no combate à corrupção no Brasil, qual seja, a responsabilização das pessoas jurídicas corruptoras. Nas palavras de Felipe Locke Cavalcanti, presidente da Associação Paulista do MP, “haverá corrupção havendo quem dela se beneficie”, razão pela qual a lei veio para ocupar-se da outra ponta da relação.

Na mesma esteira, Gustavo Ungaro, presidente da CGE – Corregedoria Geral do Estado de São Paulo, destacou a relevância dos bens juridicamente tutelados pelo diploma: o patrimônio público, os princípios da Administração e os Acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte. Nesse sentido, a aprovação da lei insere o Brasil no cenário mundial de combate à corrupção, e coloca os entes privados brasileiros em posição de exercer verdadeira cidadania empresarial.

No entendimento do secretário-executivo da CGU – Controladoria Geral da União, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, os eventuais excessos temidos pelos advogados serão mitigados pelo Judiciário, tal como já ocorre com a aplicação da lei de improbidade.

Punições sem as garantias do Direito Penal

Para os advogados, contudo, a lei apresenta problemas graves, dentre os quais o fato de travestir-se de diploma administrativo a fim de escapar às garantias históricas do processo penal clássico, mas ainda assim abrigar disposições punitivas rigorosas. Esse fato foi inicialmente abordado pelo renomado advogado criminalista Marcelo Leonardo, do escritório Marcelo Leonardo Advogados Associados, para quem a ineficiência investigativa da administração não pode ter como resultado a transferência desse ônus ao setor privado.

Nessa mesma linha seguiu o advogado Pierpaolo Bottini, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, para quem a lei procura escapar aos postulados do Direito Penal, prescrevendo, por exemplo, a responsabilidade objetiva, “algo estranho ao Direito Penal”.

O advogado Luis Navarro, do escritório Veirano Advogados, chamou a atenção da plateia para a conduta descrita no inciso V do art. 5° da lei, que ao arrolar os “atos lesivos à administração” fala em “dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”. O que é exatamente “dificultar a investigação”?, perguntou o causídico. Atrasar a entrega de documentos poderia ser assim caracterizada? Em uma lei que chega ao ponto drástico de cominar a extinção da empresa é possível que as condutas tipificadas revistam-se de tal vagueza?

Contexto de criação da lei

Vários palestrantes fizeram alusão ao contexto em que nasceu a lei: sua origem remota, sem dúvida nenhuma, são as ações internacionais no âmbito da OCDE, compromissos a que o Brasil aderiu, seguida da pressão dos Estados Unidos para que todas as nações com que mantêm relações comerciais fossem adotando, desde a FCPA (Foreign Corrupt Practice Act, de 1977), regramentos semelhantes.

Foram lembrados ainda os protestos de rua de junho de 2013, que teriam impelido o governo brasileiro a responder com alguma iniciativa concreta – lá como cá, as motivações políticas aceleram o processo legislativo: à época da aprovação do FCPA, os EUA saíam do escândalo Watergate; em 1992, logo após o processo de impeachment do presidente da República, o Congresso brasileiro aprovava a lei de improbidade administrativa, lei 8.429/92.

Acordos de leniência

Um dos pontos mais tratados nos painéis foi a chance real de ocorreram os acordos de leniência propostos nos termos da lei 12.846/13.

Na opinião dos advogados, a lei não confere garantia alguma ao proponente que torne a ideia do acordo de leniência atraente. Para a celebração do acordo, o diploma impõe a confissão da prática de condutas pela empresa que encontram correspondentes no ordenamento jurídico penal brasileiro para a pessoa física, deixando os diretores ou funcionários da empresa em situação delicada. De comum acordo, os participantes asseveraram que as poucas hipóteses em que o acordo de leniência teria chance de vingar seriam em casos de i) troca de diretorias; ii) prática do ato por parceiros da empresa (uma subcontratada, por exemplo), sem a sua ciência.

Outro aspecto lembrado pelo advogado Guilherme Ribas, do escritório Mundie Advogados, é a dificuldade, nesses tempos de “estado espetáculo”, de conferir-se credibilidade à disposição da lei (art. 16, §6°) de que os nomes dos lenientes serão mantidos em sigilo. Há semanas que um caso de uma grande empresa do segmento de trens ocupa as manchetes da imprensa – as informações divulgadas deveriam estar, à mesma maneira, protegidas pelo acordo celebrado com o CADE.

E por falar em CADE, merece registro a participação em um dos painéis do procurador do Estado de São Paulo e ex-conselheiro do CADE Roberto Pfeiffer, para quem a experiência adquirida com a aplicação da lei 12.529/11, lei de defesa da concorrência, deverá contribuir na aplicação da lei anticorrupção. Ainda assim, reconhece que à época do advento da primeira os profissionais jurídicos encontravam-se bem mais otimistas do que agora.

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