Foram intensos os debates travados em torno da lei 12.846/13, a chamada lei anticorrupção, no seminário organizado por Migalhas ocorrido ontem (7/4) em SP. Advogados, procuradores, representantes do MP, da controladoria geral da União, da Corregedoria Geral da Administração do Estado, integrantes de consultorias de administração, profissionais jurídicos, enfim, expuseram suas esperanças, dúvidas e até mesmo angústias, acerca da aplicação da nova lei.
Dentre os muitos pontos abordados, a plateia assistiu a uma polarização entre os posicionamentos esposados por procuradores, promotores e controladores públicos, de um lado, e os advogados empresariais, de outros.
Moralidade administrativa
Na mesma esteira, Gustavo Ungaro, presidente da CGE – Corregedoria Geral do Estado de São Paulo, destacou a relevância dos bens juridicamente tutelados pelo diploma: o patrimônio público, os princípios da Administração e os Acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte. Nesse sentido, a aprovação da lei insere o Brasil no cenário mundial de combate à corrupção, e coloca os entes privados brasileiros em posição de exercer verdadeira cidadania empresarial.
No entendimento do secretário-executivo da CGU – Controladoria Geral da União, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, os eventuais excessos temidos pelos advogados serão mitigados pelo Judiciário, tal como já ocorre com a aplicação da lei de improbidade.
Punições sem as garantias do Direito Penal
Nessa mesma linha seguiu o advogado Pierpaolo Bottini, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, para quem a lei procura escapar aos postulados do Direito Penal, prescrevendo, por exemplo, a responsabilidade objetiva, “algo estranho ao Direito Penal”.
O advogado Luis Navarro, do escritório Veirano Advogados, chamou a atenção da plateia para a conduta descrita no inciso V do art. 5° da lei, que ao arrolar os “atos lesivos à administração” fala em “dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”. O que é exatamente “dificultar a investigação”?, perguntou o causídico. Atrasar a entrega de documentos poderia ser assim caracterizada? Em uma lei que chega ao ponto drástico de cominar a extinção da empresa é possível que as condutas tipificadas revistam-se de tal vagueza?
Contexto de criação da lei
Vários palestrantes fizeram alusão ao contexto em que nasceu a lei: sua origem remota, sem dúvida nenhuma, são as ações internacionais no âmbito da OCDE, compromissos a que o Brasil aderiu, seguida da pressão dos Estados Unidos para que todas as nações com que mantêm relações comerciais fossem adotando, desde a FCPA (Foreign Corrupt Practice Act, de 1977), regramentos semelhantes.
Foram lembrados ainda os protestos de rua de junho de 2013, que teriam impelido o governo brasileiro a responder com alguma iniciativa concreta – lá como cá, as motivações políticas aceleram o processo legislativo: à época da aprovação do FCPA, os EUA saíam do escândalo Watergate; em 1992, logo após o processo de impeachment do presidente da República, o Congresso brasileiro aprovava a lei de improbidade administrativa, lei 8.429/92.
Acordos de leniência
Um dos pontos mais tratados nos painéis foi a chance real de ocorreram os acordos de leniência propostos nos termos da lei 12.846/13.
Na opinião dos advogados, a lei não confere garantia alguma ao proponente que torne a ideia do acordo de leniência atraente. Para a celebração do acordo, o diploma impõe a confissão da prática de condutas pela empresa que encontram correspondentes no ordenamento jurídico penal brasileiro para a pessoa física, deixando os diretores ou funcionários da empresa em situação delicada. De comum acordo, os participantes asseveraram que as poucas hipóteses em que o acordo de leniência teria chance de vingar seriam em casos de i) troca de diretorias; ii) prática do ato por parceiros da empresa (uma subcontratada, por exemplo), sem a sua ciência.
Outro aspecto lembrado pelo advogado Guilherme Ribas, do escritório Mundie Advogados, é a dificuldade, nesses tempos de “estado espetáculo”, de conferir-se credibilidade à disposição da lei (art. 16, §6°) de que os nomes dos lenientes serão mantidos em sigilo. Há semanas que um caso de uma grande empresa do segmento de trens ocupa as manchetes da imprensa – as informações divulgadas deveriam estar, à mesma maneira, protegidas pelo acordo celebrado com o CADE.
E por falar em CADE, merece registro a participação em um dos painéis do procurador do Estado de São Paulo e ex-conselheiro do CADE Roberto Pfeiffer, para quem a experiência adquirida com a aplicação da lei 12.529/11, lei de defesa da concorrência, deverá contribuir na aplicação da lei anticorrupção. Ainda assim, reconhece que à época do advento da primeira os profissionais jurídicos encontravam-se bem mais otimistas do que agora.