Migalhas Quentes

Penitenciárias Federais dificultam ressocialização de presos

Veja entrevista com o criminalista Luís Carlos Dias Torres e com o advogado Carlos Araújo.

27/3/2014

Dados do MJ informam que a população de presos no Brasil cresceu 400% em 20 anos. É a quarta maior população carcerária do mundo. O sistema penitenciário Federal surgiu justamente em meio a esse aprofundamento da crise dos presídios brasileiros.

De acordo com o advogado Carlos Araujo, diretor do Instituto Innovare, as penitenciárias Federais permitiram a transferência e inclusão de presos em estabelecimentos de segurança máxima. A finalidade é de ser uma alternativa ao sistema prisional ordinário, em situações específicas de risco à ordem pública ou ao ambiente carcerário. “Para tanto, a lei tratou de cuidar de pontos importantes tais como: os prazos, as respectivas competências e a legitimidades dos envolvidos no processo, além do problema da superlotação de estabelecimentos prisionais comuns. “

A previsão inicial, em 2006, era de criação de cinco estabelecimentos do tipo no país. Passados oito anos, ainda há um estabelecimento em planejamento, a Penitenciária Federal de Brasília. Duas penitenciárias foram inauguradas em 2006 (Catanduvas e Campo Grande) e outras duas em 2009 (Porto Velho e Mossoró).

A lotação máxima de cada penitenciária Federal (cerca de 200 vagas) "não pode ser ultrapassada e, sempre que possível, deve ser mantida aquém do limite de vagas, a fim de atender a situações de inclusões emergenciais, como em caso de rebeliões”, conforme dispõe a lei 11.671/08.

O texto legal estabeleceu que o tempo de permanência de presos nas unidades Federais de segurança máxima está fixado em até 360 dias, permitindo, entretanto, possibilidades de prorrogação desse prazo mediante solicitação motivada, exercida por parte do juízo de origem.

As penitenciárias federais tem cumprido o papel preconizado na Lei. No entanto, me parece que a quantidade de vagas nesses presídios é insuficiente para atender à demanda de casos.” A afirmação é do advogado Luís Carlos Dias Torres, do escritório Torres|Falavigna Advogados, ao comentar as péssimas condições do sistema carcerário tupiniquim. O advogado Carlos Araujo corrobora que, dentro das especificações do texto legislativo, as penitenciárias Federais têm cumprido seu objetivo.

A realidade carcerária do país, contudo, passa longe das determinações legislativas. “As penitenciárias federais sabidamente oferecem uma condição mais digna de acolhimento do apenado, mas o seu próprio caráter de permanência transitória dificulta o desenvolvimento adequado e abrangente dos mecanismos de ressocialização pensados pelo legislador federal.”

A ponderação de Carlos Araujo encontra respaldo em relatórios do MJ. A desestruturação familiar se reflete no comportamento daqueles que fazem parte do seu meio, principalmente quando estas condutas estão relacionadas à prática delituosa. Este reflexo se torna nítido quando verificamos o elevado número de internos que possuem parentes envolvidos em algum tipo de crime”, consta no relatório da Divisão de Reabilitação da Penintenciária Federal de Campo Grande/MS, de março de 2008.

Luís Carlos Dias Torres credita a precariedade do sistema carcerário brasileiro, seja o estadual ou Federal, “à incompetência total e completa do administrador público e ao distanciamento da realidade por parte do legislador”. “Só o que foi gasto com estádios para a Copa do Mundo já seria mais do que suficiente para a construção de muitos presídios. O que falta é competência e honestidade na gestão de recursos públicos. O administrador público que não é incompetente é desonesto. O que não é desonesto é incompetente.”

Acerca do arcabouço legislativo, a falta de preparo dos parlamentares é novamente lembrada pelo causídico, que raramente possuem “um conhecimento mínimo de direito”. A própria LEP é citada pelo advogado. “É uma lei maravilhosa para a Suécia, Dinamarca ou Noruega. Para o Brasil ela só traz ineficiência e descrédito para o sistema penal. Acredita-se que a função da pena não é só punir, mas também reeducar, ressocializar, etc... Ocorre que nossa realidade é outra. Do jeito que a coisa está, a pena privativa de liberdade não reeduca e também não pune. Vamos parar com essa fantasia de que o sistema penitenciário vai reeducar gente como o Marcola ou o Fernandinho Beira Mar, para citar dois exemplos dentre os que estão presos.”

Carlos Araujo também cita a LEP, que dispõe o dever do Estado em promover o retorno do preso ao convívio da sociedade: “É ressocializá-lo e prepará-lo para o convívio social, pois é fundamental desenvolver trabalhos com a finalidade de fazer com que a pena privativa de liberdade desempenhe sua função social, sem transgredir os direitos individuais do apenado.”

O exemplo da Noruega é emblemático. Entre as características do sistema penitenciário local, estão prisões para poucos detentos, estímulo ao trabalho, instalações carcerárias adequadas e projetos de ressocialização do sentenciado. A prisão de Halden, que já foi chamada pela imprensa europeia de "a prisão mais humana do mundo", foi inaugurada em 2010 e possui 252 prisioneiros, tendo quase 350 funcionários para essa população carcerária. O custo envolvido para a manutenção do preso sob custódia do Estado tem impacto direto nas condições carcerárias.

Enquanto um detento na prisão modelo de Halden custaria ao Estado o equivalente a aproximadamente R$ 37 mil por mês, o MJ calcula um custo mensal aproximado de um preso no sistema estadual de R$ 1.800. Em uma prisão Federal, o custo é de aproximadamente R$ 4 mil. Manter um preso na penitenciária de segurança máxima custa mais que o dobro para os cofres públicos brasileiros.

A inclusão no sistema Federal depende de duas decisões judiciais convergentes: do juiz de origem e do juiz federal corregedor da penitenciária. Diz o diretor do Innovare: “O processo de transferência de presos para as penitenciárias federais é um procedimento complexo que necessita inicialmente da indicação de vaga pela Diretoria do Sistema Penitenciário Federal, a partir de pedido de autoridade local e posteriormente, com a seleção da unidade federal mais apropriada, de ao menos duas decisões judiciais tanto do juízo da origem do preso, que deve admitir a possível transferência, como do juiz federal corregedor da unidade prisional federal (que deve autorizar a remoção), admitindo-se em casos excepcionais autorizações cautelares, sem oitiva prévia da defesa, como nos casos de iminentes rebeliões ou fugas.”

O sistema penitenciário Federal foi concebido visando a custódia diferenciada de presos que tenham “longa folha criminal, histórico de liderança negativa nas suas unidades de origem, que exerçam o comando de organizações criminosas e que confrontem o poder legítimo do Estado, não podendo assim permanecer em suas regiões de influência”, assevera Carlos Araujo.

A segurança é a palavra de ordem na decisão de transferência de um preso para alguma das quatros penitenciárias Federais – seja a segurança pública ou do preso – e pode ser solicitada por autoridade administrativa (delegados de polícia, secretários de segurança, etc), pelo MP ou o próprio preso. O advogado Carlos Araujo assinala que uma das finalidades do sistema prisional Federal é desarticular o crime organizado, mantendo o maior isolamento possível dos presos, nos limites da legislação.

Especializado na área Criminal, o advogado Luís Carlos Dias Torres pondera, contudo, que o CP e a LEP acabam por proteger o criminoso da sociedade, “quando deveriam proteger a sociedade do criminoso”. “Sou amplamente favorável a um recrudescimento da nossa legislação penal e a aplicação do chamado RDD como regra para todo criminoso condenado por crime violento ou com grave ameaça à pessoa e para o crime de tráfico de drogas. A Lei Penal tem que, pelo menos, punir e tirar de circulação esses criminosos violentos e perigosos. Reeducar pressupõe que o sujeito tenha em algum momento da vida recebido alguma educação. Não é o caso da grande maioria desses criminosos. São pessoas da pior espécie possível, que têm que ser punidos pelas barbaridades que praticaram. Se não há presídios adequados, que se construam presídios adequados em vez de modernos estádios de futebol.”

Por sua vez, Carlos Araujo entende que o próprio RDD é hoje exceção na condição de cumprimento de pena dos presos nas unidades federais, “considerado percentualmente a população carcerária dessas unidades e vem sendo aplicado com razoável critério, de novo, com pontuais exceções”.

O sistema penal reúne hoje presos oriundos de diferentes e diversos estados da Federação. Não há notícias de fuga do Sistema Penitenciário Federal. Inclusive, no âmbito da segurança e da inteligência penitenciária, o acompanhamento dos presos da unidade Federal, autorizado judicialmente, já permitiu a prisão de pessoas que tentavam burlar as normas de segurança dos presídios. Narra Carlos Araujo: “No caso específico do Rio de Janeiro, uma dessas prisões, com apreensão de carta, permitiu, por exemplo, antecipar e informar as autoridades, com um mês de antecedência, sobre mobilizações de organização criminosa que planejava ataques a UPPs da cidade do Rio de Janeiro, auxiliando as autoridades de segurança do Estado na retomada do Complexo do Alemão, ocorrida no final do mês de novembro de 2010.”

Política carcerária

O principal aspecto que não pode ser deixado de fora para uma boa política carcerária é que a prisão tem que servir para punir com rigor o crime e tirar de circulação o criminoso. O sistema penal tem que proteger a sociedade do bandido e não o contrário. Esse tem que ser o norte de qualquer política carcerária, especialmente no combate à criminalidade violenta e ao tráfico de drogas. O resto é história da carochinha. Só acredito na função ressocializadora da pena para delitos mais leves, onde não há violência ou grave ameça à pessoa. E mesmo para esses delitos é importante que a pena seja aplicada. É preciso acabar com uma série de direitos que foram outorgados aos criminosos, que se traduzem em impunidade”, conclui o advogado.

A urgência da temática “caos do sistema prisional” levou o Innovare a criar neste ano nova categoria de premiação, intitulada “Sistema Penitenciário Justo e Eficaz”. A categoria busca discutir a dimensão do problema existente e chamar a atenção para as múltiplas e originais iniciativas e práticas que existem país afora para tentar solucioná-lo.

Na opinião de Carlos Araujo, uma nova política carcerária no Brasil que seja justa e eficaz deve considerar uma gama de aspectos em diversas frentes de atuação. “Alguns desses aspectos são de eficácia pontual, como mutirões carcerários de âmbito nacional, como os levados a efeito com sucesso pelo CNJ e outros, devem ser de perseguição permanente, como a busca de condições de estabelecimentos prisionais dignos para os presos e de acolhimento aos seus familiares (que cumprem com eles as penas), além é claro, de uma política de estado consistente de reinserção dos ex-apenados na sociedade.”

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