Migalhas Quentes

Contrária à moralidade administrativa, PEC dos Cartórios assombra a pauta da Câmara

Destinada a legitimar a situação de milhares de oficiais de serventias extrajudiciais em situação irregular Brasil afora, o breve texto da PEC merece a atenção.

9/12/2013

Sem grandes notícias na mídia, a PEC 471/05, a famigerada “PEC dos Cartórios”, que se encontra na Câmara sob a rubrica “Pronta para a pauta do plenário”, estava na pauta do plenário desta semana. Na quarta-feira última, 4, contudo, foi retirada da pauta e a votação adiada. Nesse jogo de aparece e desaparece, grandes interesses estão em jogo.

PEC 471/05

Composto de um só artigo, o texto da PEC 471/05 preleciona:

Art. 1.º. O parágrafo 3.º do artigo 236 da Constituição Federal passa a ter a seguinte redação:
"Art.236...................................................................

§ 1.º.........................................................................

§ 2.º.........................................................................

§ 3.º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses, ressalvada a situação dos atuais responsáveis e substitutos, investidos na forma da Lei, aos quais será outorgada a delegação de que trata o caput deste artigo.

Como se vê, o §3° do art. 236 da CF receberia à sua redação atual o acréscimo marcado pelo nosso grifo, acima.

Embora breve, o texto traz alterações significativas.

Ao dispor em seu art. 236, §3° que “O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”, a CF tem alvo certo: pôr fim a delegações de serviços públicos altamente rentáveis feitas sem um critério objetivo, porta aberta a transações e benesses políticas prejudiciais à democracia e ao Estado de Direito.

A lei destinada a regulamentar o comando constitucional – 8.935 – veio em 1994, determinando que os concursos para provimento dos cargos fossem organizados pelo Poder Judiciário Estadual de cada unidade da Federação, com a participação da OAB, de um integrante do MP, de um notário e de um registrador.

Passados 19 anos do advento da lei e 25 da promulgação da CF, nove unidades da Federação seguiam, em agosto último, sem ter organizado sequer um concurso.

Estados que não realizaram concurso para os cartórios

AL

AM

DF

MS

MT

PA

PB

SE

TO

Fiscalização a cargo do CNJ

Após a EC 45/04, a fiscalização das serventias extrajudiciais passou a ser atribuição do CNJ (art. 103-B, §4°, III). Inspeções realizadas nos Estados com esse fim demonstraram que diversos oficiais haviam assumido a titularidade das serventias após 1988 sem prestar concurso público, em afronta ao comando constitucional. Como resultado, o CNJ editou as resoluções 80 e 81, ambas de junho de 2009, declarando vagas as serventias ocupadas indevidamente e determinando aos tribunais de justiça de cada unidade federativa a realização do concurso no prazo de 6 meses a contar daquela data, visando à outorga das delegações.

Muitos dos cartórios opuseram-se às determinações, contestando as decisões do Conselho. Após analisar os pleitos, um ano depois, em 12 de julho de 2010, a Corregedoria Nacional de Justiça publicou lista atualizada de todos os cartórios declarados vagos – mais de 5.500 permaneciam na condição. Na ocasião, o CNJ determinou ainda a observância do teto salarial do serviço público para os oficiais interinos (todo o resultado financeiro que ultrapassá-lo deve ser recolhido aos cofres públicos), determinação que motivou a interposição do MS 29.039 por parte da ANOREG.

Em um primeiro juízo sobre o tema, o relator para o MS, ministro Gilmar Mendes, deferiu liminarmente a pretensão da associação, para suspender até o julgamento do mérito a determinação do CNJ de observância do teto salarial do serviço público pelos oficiais interinos.

Em junho último, contudo, verificando o transcurso de quase três anos sem que nenhuma providência para a realização dos concursos havia sido tomada, Gilmar Mendes reviu sua posição, e foi categórico:

“(...) apesar do claro comando constitucional, as informações atualizadas oferecidas pelo Conselho Nacional de Justiça demonstram o verdadeiro abuso na substituição sem concurso público de serventias extrajudiciais.

Com efeito, ainda estão vagas mais de 4.700 serventias extrajudiciais apesar dos esforços do próprio CNJ em declarar a vacância há mais de 4 anos. Em pelo menos 15 unidades da Federação não se realizou sequer um certame para preenchimento dessas vagas, em verdadeiro desprezo ao prazo constitucionalmente consignado e desprestígio da regra do concurso público.”

No mesmo ano da apresentação da PEC, um PL também tentou tirar do Judiciário – e do CNJ, que começava a incomodar – a incumbência da fiscalização das serventias extrajudiciais, transferindo-a para o executivo estadual. À época, como resultado de movimentação contrária da imprensa e de órgãos do próprio judiciário – houve inclusive um comunicado oficial por parte de alguns magistrados –, a tentativa frustrou-se com a aposição do veto presidencial ao PL 7/05.

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