Para o STJ, é dispensável a supervisão de médicos para garantir o funcionamento de clínicas de fisioterapia
Segundo a Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, o funcionamento das clínicas de fisioterapia está condicionado à contratação de médicos fisiatras, ortopedistas ou traumatologistas. Diante de tal exigência, o Estado do Rio Grande do Sul requereu a citação do INSS como litisconsorte passivo necessário, sob o argumento de que a exigência da Secretaria de Saúde tem como base norma procedimental estabelecida pelo Instituto em respeito à Resolução nº 1236/87, artigo 2º, do Conselho Federal de Medicina. O Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 5ª Região – Crefito 5, ajuizou ação declaratória contra o Estado gaúcho, em face da suposta exigência da presença de médicos nas clínicas de fisioterapia.
O Tribunal de origem indeferiu a citação do INSS, mas determinou que promovessem a citação do Conselho Regional de Medicina (CRM) e da União Federal, como sucessora do extinto INAMPS. O CRM não compareceu para fazer sua defesa, sendo declarado revel, e a União alegou sua ilegitimidade passiva para a causa – tendo em vista a inexistência de razões de fato e de direito que justifiquem sua permanência do pólo passivo. A União teve sua preliminar rejeitada, e o CRM teve sua legitimidade passiva reconhecida sob o argumento de que a decisão tomada nestas ações afetaria a situação profissional dos médicos.
Para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no entanto, não há que se falar de legitimidade passiva do CRM, uma vez que os médicos registrados na referida entidade de classe continuariam desempenhando suas atividades profissionais normalmente, independentemente da decisão que viesse a ser tomada nas referidas ações. Por essa razão, o Tribunal decidiu excluir o CRM da lide por ilegitimidade passiva para a causa, extinguindo-se o feito sem julgamento do mérito em relação à entidade profissional. No que se refere à União, o TRF sustentou que a sentença recorrida não merecia reforma. Isso porque compete ao Ministério da Saúde a coordenação e fiscalização dos serviços prestados pelo SUS, entre os quais se encontram os de fisioterapia e terapia ocupacional.
Ainda de acordo com o TRF, nos termos da legislação que regula a matéria, Decreto-Lei nº 938/69 e Lei º 6316/75, os profissionais de fisioterapia e terapia ocupacional estão habilitados, tão-somente, a executar os métodos e técnicas indicados pelos métodos especializados – sendo-lhes vedado fazer o diagnóstico e indicar o tratamento a ser realizado, atividade esta reservada aos profissionais da medicina.
Diante da decisão, tanto o Conselho Regional de Fisioterapia, quanto a União interpuseram recurso especial no STJ. O Conselho apontou violação dos artigos 535, II, e 458, II, do CPC já que, embora o julgado tenha reconhecido a capacidade técnica do fisioterapeuta para o exercício de sua atividade privativa, concluiu em sentido contrário, ao entender necessária a presença de médico nas clínicas de fisioterapia. Segundo o Crefito 5, se o Tribunal fundamentou sua decisão no parecer do Ministério Público Federal, que opinou pela ilegalidade da exigência de médico por ofensa ao Decreto-Lei 938/69 e da Lei 6.315/75, não poderia ter concluído em sentido oposto.
A União, por sua vez, alegou que a decisão do TRF feriu os artigos 267, VI, 472 e 568, I, do CPC, porque o julgado deixou de reconhecê-la como parte ilegítima. Inferiu que a discussão a respeito da contratação de médicos fisiatras, ortopedistas e traumatologistas para o funcionamento de clínicas de fisioterapia se trava entre o Estado do Rio Grande do Sul e o TRF da 4ª Região.
Segundo a relatora do caso no STJ, ministra Eliana Calmon, com base no entendimento do Tribunal, o funcionamento do SUS é de responsabilidade solidária da União, estados-membros e municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que lhe diga respeito. Sendo assim, de acordo com a ministra, fica afastada a ofensa ao artigo 267, VI, do CPC, já que "embora bastasse a presença de qualquer dos entes na lide, nada obsta que se forme litisconsórcio passivo entre o Estado e a União".
A ministra considerou também decisão do STF, que tem o seguinte entendimento: "é bem estreita e limitada a faixa exclusivamente reservada aos dois novos ramos profissionais; o fisioterapeuta e o terapeuta ocupacional são profissionais de nível superior e seu aprendizado compreende os fundamentos científicos dos correspondentes ramos da medicina, não apenas os aspectos materiais de sua aplicação; não cabe ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional diagnosticar as causas ou a natureza das deficiências orgânicas ou psíquicas dos pacientes, nem indicar os tratamentos; sua função é apenas a de executar os métodos e técnicas prescritos pelo médico; e ao médico caberá a tarefa de diagnosticar, prescrever tratamentos, avaliar resultados, mas não a execução material das técnicas e métodos prescritos, reservados à nova profissão."
Diante disso, bem delimitado o campo de atribuições dos profissionais em questão, a ministra Eliana Calmon constatou que "não se pode concluir que se deve exigir nas clínicas de fisioterapia que o trabalho dos fisioterapeutas e dos terapeutas ocupacionais seja supervisionado por médicos, o que obviamente não impede que, nos quadros de clínica de fisioterapia, esses profissionais possam trabalhar conjuntamente, com o objetivo de prestar um serviço mais completo aos seus pacientes". A relatora decidiu, então, conhecer em parte do recurso da União e negar-lhe provimento e dar parcial provimento ao recurso do Crefito 5 – "para afastar a exigência da presença de médicos em clínicas de fisioterapia".
_______________