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OAB envia ao Congresso manifestação sobre Super-Receita

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10/11/2005

 

OAB envia ao Congresso manifestação sobre Super-Receita

O presidente nacional da OAB, Roberto Busato, encaminhou ontem ofício aos presidentes da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, do Senado Federal, Renan Calheiros, e ao presidente da Frente Parlamentar dos Advogados da Câmara, deputado Luiz Piauhylino, contendo o entendimento da entidade sobre a Medida Provisória nº 258, de 21 de julho de 2005 - a chamada Super-Receita.

A manifestação consiste em estudo elaborado pela Comissão Especial de Estudo da Carga Tributária Brasileira e de Suas Implicações na Vida do Contribuinte da OAB e defende a inconstitucionalidade da MP nº 258. A entrega do estudo está sendo feita, pessoalmente, pelo presidente da Comissão Especial da OAB, Osiris Lopes Filho.

A seguir, a íntegra do estudo encaminhado pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato:

“Manifestação Pública da Ordem dos Advogados do Brasil ao Congresso Nacional sobre a inconstitucionalidade da Medida da Provisória nº 258, de 21 de julho de 2005, em apreciação na Câmara dos Deputados.

I - A missão

A Presidência da Ordem dos Advogados solicitou à Comissão Especial, composta por seis advogados especializados em Direito Tributário, destinada ao estudo da carga tributária no País e de suas implicações na vida do contribuinte, manifestar-se sobre a Medida Provisória nº 258/2005, em apreciação na Câmara dos Deputados.

II - A questão

A Medida Provisória nº 258/2005 trata de fusão da tradicional Secretaria da Receita Federal com a noviça Secretaria da Receita Previdenciária, instituída pela Lei nº 11.098, de 15 janeiro de 2005, sob a nova denominação - Receita Federal do Brasil - subordinada diretamente ao Ministro da Fazenda (art. 1º da MP), passando à União a titularidade ativa das contribuições previdenciárias e das contribuições instituídas a título de substituição, bem como as demais competências correlatas e decorrentes (art. 3º, caput da MP).

Trata-se, portanto, de novo modelo de administração tributária, de natureza concentradora, que defere à nova instituição as competências funcionais anteriormente atribuídas ao Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Em face dessa substancial alteração na titularidade ativa das contribuições previdenciárias e correlatas, passa-se a examinar a matéria sob a ótica da sua constitucionalidade.

III - O não atendimento aos requisitos de urgência e relevância, previstos no art. 62 da Constituição como pressupostos para a edição de medida provisória.

A Exposição de Motivos Interministerial nº 94, de 22 de junho de 2005, apoia-se confusamente nos requisitos de urgência e relevância ao mencionar que “sobre a urgência, na sua forma constitucionalmente qualificada, o requisito, no caso concreto, não deixa de parcialmente confundir com a relevância, na medida em que a relevância dos impactos que ela gera referidos no item anterior, de um lado, aliado à estrita legalidade, exige necessariamente suporte em norma legal desde os primeiros passos conducentes à implementação da nova estrutura”.

Não se confundem os dois requisitos, como pretendem os signatários da exposição de motivos. Em realidade, a própria relevância da matéria, que é inegável, fica comprometida, eis que não se observou na elaboração dessa produção normativa excepcional e precária o disposto no art. 10 da Constituição, ao estabelecer o princípio da participação dos trabalhadores e empregadores em questões em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação. Trata-se de evitar surpresas e buscar legitimação nas decisões, obtidas com audiência e opiniões expressas por dois setores expressivos da sociedade, entre os principais interessados em assuntos previdenciários.

Por outro lado, não há urgência em se alterar estruturação que está estabelecida na Constituição de 1988, cujas raízes se localizam na Constituição de 1934, em seu art. 121, § 1º, “h”, mantidas na Constituição de 1946, art. 157, XVI, na de 1967, art. 158, XVI, e em sua Emenda nº 1. De 1969, art. 165, XVI.

Tais dispositivos evidenciam que as antigas Constituições deferiam a matéria previdenciária a instituições autárquicas, financiadas mediante contribuições da União, dos empregadores e dos empregados.

Portanto, a autonomia da instituição encarregada de arrecadar os recursos da contribuição previdenciária e alocá-los na forma do pagamento dos direitos dos segurados - proventos das aposentadorias, pensões aos dependentes e os seguros sociais aos trabalhadores urbanos e rurais - constitui questão sedimentada na nossa tradição constitucional, e não pode ser modificada por produção normativa precária e excepcional, como a medida provisória, por lhe faltar o requisito de urgência.

IV - Inidoneidade da medida provisória para tratar de matéria reservada à lei complementar.

A Constituição atual, em seu art. 165, § 9º, II, dispõe que cabe à lei complementar “estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.”

A Medida Provisória nº 258/05, além de modificar a estruturação da administração tributária federal, transfere patrimônio e receitas de um ente que, nos termos da Constituição Federal, deve ser dotado de caráter democrático e descentralizado de administração, em gestão quadripartite, em que o governo federal é apenas um dos seus integrantes (art. 194, parágrafo único, inciso VII).

São exemplos de normas sobre gestão financeira o disposto no art. 3º, § 2º, que dispõe que o “o produto da arrecadação das contribuições sociais de que trata o “caput”, mantido em contabilidade e controle próprios e segregados dos demais tributos e contribuições sociais, será destinado exclusivamente ao pagamento de benefícios do Regime Geral da Previdência Social”. Além disso, o § 3º do citado art. 3º defere à nova instituição a competência para arrecadar outras contribuições devidas a terceiros, bem como, o estatuído no art. 21 autoriza o Poder Executivo a transferir do INSS e do M.P.S. para o Ministério da Fazenda os acervos, obrigações e direitos, contratos e convênios, processos administrativos que menciona, bem como realizar remanejamento, utilização e transferência de dotações orçamentárias, ali referidas. Trata-se, inequivocamente, de gestão financeira e patrimonial.

No art. 22, encontra-se disposição sobre a transição do Ministério da Previdência Social e do INSS para o Ministério da Fazenda para a realização de despesas de pessoal e de atividades transferidas.

Finalmente, o art. 23 realiza transferência para o patrimônio da União de imóveis pertencentes ao INSS, destinados ao funcionamento da Receita Federal do Brasil.

Esses, alguns dos dispositivos de que trata a medida provisória abordando questões específicas de normas de gestão financeira e patrimonial.

Por outro lado, se dúvida houvesse quanto à ofensa ao citado art. 195, § 9º, inciso II, é inequívoco que essa medida provisória trata de questão afeta às finanças públicas. E dispõe o art. 163, I, da atual Constituição, que as finanças públicas estão submetidas à reserva da lei complementar.

Tem-se, assim, que a medida provisória em análise é flagrantemente inconstitucional, pois invade o âmbito de abrangência de matéria reservada explicitamente pela Constituição ao legislador complementar, constituindo, portanto, inequívoco instrumento de produção normativa dotado de inidoneidade constitucional.

V - A inconstitucionalidade substancial.

A Constituição de 1988 deferiu à seguridade social - previdência, assistência social e saúde - uma instrumentalidade autárquica. Seguindo o traçado das Constituições anteriores com relação à previdência social, a de 1988 ampliou o elenco de atividades da autarquia previdenciária para abranger um leque superior e mais moderno de ações sociais, albergado sob o conceito de seguridade social. E deu-lhe uma definição, no art. 194, caput, como compreendendo “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. E no seu parágrafo único, inciso VII, instrumentalizou os vários objetivos de que trata, ao prever inequivocamente a existência de uma autarquia de criação constitucional ao estabelecer “o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados,” para dar funcionalidade aos objetivos que fixa.

Tem-se, assim, resumidamente, que esse conjunto de atividades é autônomo em relação ao governo federal, constituindo uma personalidade jurídica autárquica, destacada na estruturação governamental, insuscetível de modificação substancial por meio de medida provisória, instrumento normativo caracterizado por sua precariedade e excepcionalidade, a afrontar a caracterização autárquica da previdência social, como componente da seguridade social, por disposição constitucional, como demonstrado a seguir, pelos atributos autárquicos de que dispõe:

-Autonomia administrativa, que se revela pelo “caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados” (art. 194, parágrafo único, inciso VII);

-Autonomia orçamentária, posto que o orçamento anual dos poderes públicos federais compreenderá “o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público” (art. 165, § 5º, inciso III);

-Autonomia financeira, porque será financiada por toda a sociedade, de forma indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de forma direta, mediante as contribuições cuja instituição e cobrança expressamente indica, para esse fim (art. 195, no caput).

Conclusões

A Medida Provisória nº 258/05, ao transferir toda a atividade de administração e de arrecadação das contribuições previdenciárias ao Ministério da Fazenda, viola a Constituição Federal na sistematização da previdência social, como componente da seguridade social, em especial os artigos 195, inciso II, bem como os artigos 194 e seu parágrafo único, e também o art. 165, § 5º, III e § 9º, II, configurando, por conseqüência, inconstitucionalidades, formais e substanciais.

Ademais, já está a prejudicar o patrimônio previdenciário ao transferir parte do seu acervo imobiliário para a União, e ao deslocar para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a atribuição com exclusividade da representação judicial e extrajudicial nas ações judiciais a partir da vigência dessa medida provisória, dos créditos tributários inscritos em dívida ativa do INSS (art. 14, § 3º). Todavia, até 31 de julho de 2006, caberá à Procuradoria-Geral da União a representação judicial e extrajudicial do INSS na execução das contribuições sociais inscritas na sua dívida ativa até o dia anterior à data do início da vigência desta medida provisória (art. 14, § 1º).

Concretamente, a execução judicial das contribuições previdenciárias, a partir da vigência da medida provisória, passou a ser incumbência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Todavia, falta-lhe capilaridade geográfica para tanto e não dispõe do acréscimo de 1200 cargos, a serem providos, no futuro, por concurso público.

Nessa condições, alguns tribunais regionais do trabalho suspenderam o exame dos feitos em que a representação da União far-se-ia via Procuradoria-Geral da Fazenda, pelas dificuldades assinaladas anteriormente, em lesão à arrecadação previdenciária.

Todavia, o maior dano ao patrimônio previdenciário decorre da Desvinculação das Receitas da União, com vigência prevista até 2007, pelo estabelecido na Emenda Constitucional nº 42/03. Como até a edição da MP nº 258/05 não era da União a titularidade dessa contribuição, a ela não se aplicava a desafetação da DRU. A partir dessa medida provisória, pela citada desvinculação, 20% das contribuições previdenciárias serão desviadas da sua finalidade, em prejuízo significativo ao patrimônio previdenciário, repercutindo negativamente no atendimento dos direitos dos segurados no futuro.

A OAB, na sua histórica defesa da ordem jurídica, mormente quando há ofensas à Constituição, não pode se furtar a manifestar junto ao órgão competente, o Congresso Nacional, para que ele exerça a sua missão, como estabelecido pela Constituição, e rejeite essa medida provisória, por claras e insofismáveis ofensas à constitucionalidade, formal e substancial, que as normas jurídicas não podem conter”.

Brasília, 08, de novembro de 2005.

Roberto Busato

Presidente da OAB

Membros da Comissão:

Osiris de Azevedo Lopes Filho

Coordenador

Ives Gandra da Silva Martins

José Luis Mossmam Filho

Hugo de Brito Machado

Roque Carazza

Vladimir Rossi Lourenço

______________________

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