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Íntegra do pedido de Recuperação Judicial da Vasp e o despacho do Juiz

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4/11/2005


Íntegra do pedido de Recuperação Judicial da Vasp e o despacho do Juiz

 

O EXMO. SR. DR. JUIZ DO TRABALHO DA 14ª VARA DO TRABALHO DA CAPITAL DA .... FAZ SABER QUE A EMPRESA VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO S/A – SOB INTERVENÇÃO – NOS AUTOS DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº ...., REQUEREU, PERANTE O MM. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIAS DA CAPITAL, A SUA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, QUE FOI AUTUADA SOB O NÚMERO 000.05.070715-9, NOS TERMOS DA PETIÇÃO INICIAL RETRO TRANSCRITA EM RESUMO: “VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA – VASP, em processo de intervenção judicial, pessoa jurídica de direito privado, constituída na forma de sociedade anônima de capital aberto, inscrita no CNPJ n° 60.703.923/0001-31, sediada em São Paulo à Praça Comandante Lineu Gomes s/n° – Aeroporto de Congonhas – Edifício VASP – vem, mui respeitosamente, por seus advogados – conforme instrumento de mandato e termo de compromisso judicial ora juntado (docs. 01, 02 e 03), propor o pedido de RECUPERAÇÃO JUDICIAL, com lhe faculta a Lei n° 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, notadamente nos artigos 47, 48, 51 e 198, do Novo Diploma Legal, e pelas razões de fato e de direito que ora passa a expor:

 

(...)A requerente é o primeiro nome da aviação paulista e foi, durante décadas, a maior concessionária de rotas domésticas do Brasil até sua famigerada e reprovável privatização, no início da década de 90. Sempre foi orgulho nacional e é mundialmente conhecida, notadamente na América do Sul. Serviu de exemplo no mundo inteiro para outras empresas aéreas que se estruturam em operações de vôos domésticos e regionais, sendo verdade que a VASP sempre desempenhou papel de suma importância na integração nacional.

 

(...)Em Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 10 de março de 1935, a VASP foi transformada em Sociedade de Capital Misto com o controle acionário pelo Poder Público, teve seu capital elevado para 3.000:000$000 (três mil contos de réis), e somente depois, pelo Decreto Estadual n.º 7308 de 05 de julho de 1935, passou a receber uma subvenção anual de 500$000 (quinhentos contos de réis). Já empresa de Economia Mista Estatal, após os Monospar e o De Haviland, foram adquiridos dois Junker JU-52/3, trimotores de fabricação alemã para 20 passageiros, que foram recebidos na empresa em agosto de 1936, dando início à linha São Paulo/Rio de Janeiro/São Paulo. O PP-SPD decolou de São Paulo, inaugurando o novo aeroporto da capital - Congonhas -, às 8h40 do dia 5 de agosto de 1936. No mesmo horário, o PP-SPE partia do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Ambos levaram duas horas de vôo para completar os respectivos percursos. A nova linha, com seis freqüências semanais, foi o embrião da ligação de maior densidade do transporte aéreo doméstico brasileiro, hoje operada pelos Boeing 737-300 e Fokker-100, realizando o trecho em 35 minutos, com 80 freqüências diárias e transportando dois milhões de passageiros por ano. Seu sucesso foi tão grande que, em 1937, as freqüências foram duplicadas. Isto é, passaram a duas por dia, obrigando à ampliação da frota, com a incorporação do terceiro JU-52, em setembro daquele ano. O quarto modelo seria incorporado em 1939, enquanto os outros três, encomendados à mesma época (1936), tiveram suas entregas retardadas pelo surgimento da 2ª Grande Guerra. Somente dois foram entregues em 1944. O desempenho dos quatro JU-52, foi fundamental para a ampliação da malha, que teve início com o prolongamento da linha de São Paulo/Ribeirão Preto/Uberaba até Goiânia, cidade do Brasil Central, próxima à Brasília. Para a época esse feito foi um grande desafio, tanto que mereceu o incentivo de uma subvenção federal de 3$000 (três mil réis) por quilômetro voado. Em 1939, a malha expandiu-se para o sul do Brasil, ultrapassando novamente os limites do estado de São Paulo, atingindo as cidades de Curitiba (PR) e Florianópolis (SC) para, no início de 1940, chegar a Porto Alegre (RS). A nova empresa aérea fazia jus às tradições do povo paulista, responsável pelas Entradas e Bandeiras, incursões destemidas realizadas pelo interior adentro, nos primeiros séculos de nossa existência, ultrapassando as demarcações do Tratado de Tordesilhas, rompendo florestas e vadeando rios e dando essa dimensão continental ao Brasil. No final da década de 80, a VASP possuía uma frota de 23 B-737-200, quatro B-727-200, três Airbus, mais dois B-727 cargueiros que, em 1989, voaram 80.000h transportando quatro milhões de passageiros. Sob imposição federal, absolutamente obtusa e irreal, para não dizer parcial e viciada de segundos interesses, a partir de 1988, o governo paulista assumiu o compromisso de privatizar a empresa e a criar as condições legais, políticas e financeiras para tal, contratando avaliações das consultoras Price Waterhouse e Coopers & Lybrand, obtendo o aval necessário do legislativo estadual e logrando a renegociação de US$ 260.000.000 (duzentos e sessenta milhões de dólares), mais o aporte de US$ 50.000.000 (cinqüenta milhões de dólares) em 1990, viabilizando o início do processo de privatização. Ainda assim, o resultado de 1989 apresentou um prejuízo, no balanço e não operacional, de 51 milhões de dólares em um faturamento de 426 milhões de dólares. Às vésperas da privatização, a VASP possuía uma frota de 32 aeronaves, um contingente de 7.300 funcionários e era a segunda empresa do país, atuando no transporte doméstico de forma líder.Finalmente, em 1° de outubro de 1990 – durante o Governo Collor -, através de um leilão, amplamente criticado pela sociedade brasileira, o consórcio VOE/CANHEDO, liderado pelo Grupo Canhedo, adquiriu, por US$ 44.000.000 (quarenta e quatro milhões de dólares), 60% das ações ordinárias da empresa, passando a ter o controle. Mesmo em que pese as observações adiante feitas, quanto a maneira como os interesses da empresa foram administrados, após a privatização, houve, vale destacar, autorização para rotas internacionais, obtida no final dos anos 90. Mesmo com vôos para o Oriente, Europa e Estados Unidos, entre outros destinos, em razão dos problemas de gestão e das mudanças na moeda, a VASP acabou suspendendo-as, voltando a operar unicamente no transporte de passageiros doméstico. Mais tarde, a partir de 2000/2001, com a entrada de outras empresas no mercado, com estratégias mais competitivas de preços, a VASP passou a ocupar a quarta posição no transporte aéreo de passageiros. Atuava, também, com intensidade no mercado de carga aérea, com a VASPEX, para pequenas encomendas de entrega urgentes, porta a porta, com um custo considerado bastante competitivo. Nos termos do que se mencionará mais adiante, a Administração Canhedo foi permeada pelo desmonte da companhia e, especialmente, por desrespeito aos direitos de seus funcionários. Pressionados pela precarização de suas condições de vida, estes procuraram, através de seus órgãos de classe, o Ministério Público do Trabalho. Em março de 2005, a intervenção foi deferida e a Administração Canhedo afastada. Hoje – e no período que antecedeu a intervenção –, a VASP tem 2000 funcionários, 32 aeronaves, filiais em todas as capitais e principais cidades (em torno de quarenta);

 

Enfim, a VASP, vige sob o regime jurídico das sociedades anônimas de capital aberto, registrado sob n° 35.300.186.303, no Registro Público de Empresas, com capital social atualmente dividido e classificado em ações conforme cópia autenticada dos Estatutos Sociais juntados Desde a década de 90, a brilhante história da VASP, orgulho Paulista e Nacional, passou a ser escrita em páginas negras, com a tinta vermelha do sangue de seus funcionários, o que contribuiu para sedimentar a situação de crise econômico-financeira da empresa, como será analisado no tópico seguinte.

 

1.2. CAUSAS CONCRETAS DA SITUAÇÃO PATRIMONIAL E RAZÕES DA CRISE DA EMPRESA (art. 51, I, LF) Sem prejuízo da análise técnica dos determinantes da crise, que será retomada e aprofundada no Plano de Recuperação Judicial, em razão da urgência de ajuizamento deste pedido, vale destacar que, com a privatização, a empresa passou a assistir ao seu desmonte, à negação de sua vocação, a um dos maiores exemplos mundiais de aviltamento. A Administração Canhedo foi, já se apontou, catastrófica, permitindo, sabe-se lá por quê, que empresas novas ocupassem, em curtíssimo tempo, o espaço que era da VASP. Atônitos, os funcionários e demais acionistas assistiram a “nova administração”, originária da privatização, destruir a VASP, dilapidar seu patrimônio, deixar de promover a manutenção e renovação da frota, impor à empresa um passivo inaceitável em nome de irreais aportes de capital com operações de super valorização de novos ativos e exclusão de tantos outros valiosos. Os desmandos e desvios da administração antiga levaram o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO a propor oito Ações Civis Públicas antes da que gerou a intervenção em curso Sobre esta os funcionários e ex-funcionários da VASP, após sofrerem o aviltamento de seus direitos de forma desumana e vendo que a empresa estava à beira da insolvência, inclusive com o desvio físico de bens e o próprio silêncio do Acionista Minoritário – Governo do Estado de São Paulo (este só veio a opor-se a estranho e duvidoso aumento de capital que resultou na diminuição da participação do Estado no Capital Social, fato que é objeto de ação própria), entretanto vislumbrando a certeira recuperação, socorreram-se do COMBATIVO E PRESENTE MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e, através da Ação Civil Pública de n° 0057.2005.014.02.00-8, que tramita perante o MM. JUIZ FEDERAL DA 14ª VARA DO TRABALHO DA CAPITAL, distribuída àquele Juízo por dependência às anteriores medidas retro mencionadas alcançaram a intervenção federal laboral na empresa, com a finalidade de possibilitar o equacionamento da situação de penúria e abandono. As cópias da petição iniciais e da decisão que deferiu o pedido são juntadas. Com a intervenção, a VASP paralisou suas atividades em fevereiro de 2005. Este momento é a síntese do processo de deterioração antes mencionado, o qual, para além das dificuldades que assolaram o mercado nos últimos tempos, foi potencializado pelos problemas de gestão. Faz-se mister destacar que junto ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL existem mais de seis procedimentos da esfera criminal contra os antigos administradores, inclusive no tocante a apropriação indébita de verba previdenciária. Com o advento da nova Lei de Recuperação Empresarial, o que poderia ser um objetivo pouco distante tornou-se mais presente e factível em face dos instrumentos que a Lei n° 11.101/05 outorga à empresa, inclusive às concessionárias de transporte aéreo (art. 199), questões analisadas no tópico a seguir.

 

2. DO DIREITO2.1. DA ORDEM ECONÔMICA NA CF/88: O CONTEXTO DA PREOCUPAÇÃO DA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA EM CRISE

 

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabelece em seu Título VII, a Ordem Econômica e Financeira. Considerando que toda a situação com implicação jurídica deve ser analisada com fito em aportes constitucionais, àquelas afetas ao exercício de uma atividade econômica estão enquadradas neste marco. Logo, necessário compreender o significado da existência, na CF/88, de uma ordem econômica e quais as diretrizes nela contidas, para poder contextualizar a nova Lei de Recuperação de Empresa em Crise e aplicá-la ao caso concreto. Neste sentido, ordem econômica é, para GRAU1,[...] o conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica. Assim, ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), não é senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser).

 

Tratam-se, pois, dos preceitos que regulamentam um modo de produção – no caso, o capitalista – e as relações estabelecidas entre os seus agentes – entes particulares e público – que não pode ser desconectada da materialidade da vida. Pensar desde esta ordem demanda, portanto, a formação de um discurso jurídico-econômico, no qual estão em tensão duas racionalidades, legalidade e eficiência, respectivamente. Por outro lado, é evidente que são lógicas conflitantes e que, portanto, necessitam de elementos de composição, quais sejam os fundamentos e os objetivos de tal ordem, previstos no caput, do art. 170, CF/88, que diz: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]Como ponto-de-partida para quem se dedica ao exercício da atividade econômica, estão a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Mesmo no capitalismo, onde existe uma tensão entre os interesses dos trabalhadores e dos proprietários dos meios de produção, o primeiro fundamento da ordem econômica indica para a intervenção estatal que proteja os detentores da força de trabalho, permitindo a existência de instrumentos legais que concretizem esta proteção – que determinam a prevalência da racionalidade jurídico-constitucional, em detrimento da eficiência. Esta foi, em parte, a motivação da intervenção decretada na VASP, como já se apontou.

 

Quanto ao segundo fundamento, a ordenação econômica se orienta a partir da liberdade dos agentes para se estabelecerem no exercício da atividade econômica, no sentido de permitir a concretização dos princípios da livre concorrência e da proteção do consumidor (art. 170, IV e V, CF)2. No caso em exame, este também é um aspecto a ser considerado no deferimento da recuperação judicial da VASP, já que o setor de transporte aéreo de passageiros tende a ser altamente concentrado e com pouca oferta de serviços. Quanto mais empresas puderem nele se estabelecer, maior será a concorrência entre elas e, portanto, os benefícios ao consumidor.

 

No que concerne aos objetivos, a atuação dos agentes deve estar voltada a garantir a dignidade da pessoa humana, entendida como o acesso a todos os direitos fundamentais3, e a justiça social, “[...] superação das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico [...] [que, com o passar do tempo] deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista”4. Na VASP, sob a Administração Canhedo, esta não foi a experiência vivenciada por seus funcionários. Este é um dos aspectos que o Plano de Recuperação Judicial e a atual administração estão priorizando.

 

Logo, partindo do capitalismo previsto na CF/88, limitado pela existência de uma preocupação com o bem-estar social (na medida em que a Carta Magna institui um Estado Democrático de Direito), fundado na valorização do trabalho e na livre iniciativa e objetivando a vida digna e a justiça social, a ordem jurídico-econômica é o contexto no qual se inserem os agentes que exercem a atividade econômica. Foi no sentido de enfrentar o problema da crise econômico-financeira da empresa desde estes objetivos e fundamentos que a Lei de Recuperação de Empresa em Crise inovou o direito concursal brasileiro, no sentido de vincular-se à preocupação com a manutenção da fonte produtora, com os empregos por ela gerados, bem como com o interesse dos credores, adotando, entre outros instrumentos, a recuperação judicial descrita no art. 47, a saber: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.No caso em exame, deve-se novamente apontar que a VASP é uma empresa que, assim como seus funcionários, sofreu os desmandos de uma administração que atuou em favor de seus interesses particulares. Neste sentido, o deferimento de sua recuperação judicial, cujo plano manterá o afastamento da Administração Canhedo e retomará as atividades, bem como salvaguardará os empregos, restabelecerá a função social da empresa, um dos propósitos da recuperação judicial. A VASP possui um “goodwill” absolutamente autorizativo da recuperação e reorganização que será proposta no prazo legal, através do competente plano – art. 53 da LRE. Assim, seu processamento é medida que se impõe. A vontade e a unidade de funcionários e ex-funcionários (hoje, juntos, os grandes credores da VASP, como restará demonstrado), é a grande mola propulsora da recuperação.O afastamento definitivo da antiga administração _ Canhedo - e a corroboração dos atos de isolamento impostos de forma salutar pela Ação Civil Pública, em sede de Juízo de Recuperação, serão fundamentais para alcançar-se o objetivo maior de ver VASP decolar em curto espaço de tempo, com o cumprimento de suas obrigações e a restauração do orgulho latente no peito de cada um de nós que já habitou, seja por algumas horas, as aeronaves da VASP.

 

Assim, desde aportes constitucionais, o deferimento do processamento e, posteriormente, do plano de recuperação judicial, são soluções necessárias no caso em espécie.

 

3.1. DOS REQUISITOS FORMAISA VASP é concessionária de serviço de transporte aéreo público, a teor da Lei n° 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Esta legislação, precisamente o seu art. 187, vedada que tais empresas ingressassem com o pedido de concordata. Este artigo legal restou afastado pela novel LRE que em seu art. 199, assim dispôs: “Não se aplica o disposto no art. 198 desta Lei às sociedades a que se refere o art. 187 da Lei n° 7.565, de 19 de dezembro de 1986.

 

Portanto, a legitimidade ativa para usar da tutela legal da recuperação judicial se faz presente.

 

Por outro lado, a particularidade do caso e da crise vivida pela VASP transcende, como já visto, a análise do interesse meramente privado de seu corpo de acionistas. Em verdade, as medidas necessárias para a manutenção da empresa vão ao encontro do interesse público, pela manutenção dos postos de trabalho, da geração de tributos e dos serviços de natureza pública, próprios do objeto social da VASP. Evidente que protegidos estes interesses, os benefícios advirão aos próprios detentores do capital acionário da empresa.

 

Conforme já observado, a inércia administrativa e conseqüente incapacidade gerencial da Administração Canhedo, inclusive por questão econômica-financeira, lançou a empresa em tamanho cataclisma, que houve a necessidade de que sua intervenção fosse implementada, por decisão judicial liminar, através da Ação Civil Pública n° 0057.2005.014.02.00-8, que tramita perante o MM. JUIZ FEDERAL DA 14ª VARA DO TRABALHO DA CAPITAL.

 

No mesmo viés da inércia acima noticiada cabe ressaltar que sequer acordo firmado em sede da ACP n. 0057.2005.014.02.00-8, logrou o Sr. Canhedo cumprir (cópia do acordo juntado). Portanto o curso da intervenção foi o mais correto e as decisões judiciais absolutamente tuteladoras dos direitos da massa de empregados e ex-empregados.

 

Esta decisão está legitimada por princípios constitucionais já vistos, mas também fundada na autorização direta da Lei n° 7.565/86, que diz que a “A intervenção visará ao restabelecimento da normalidade dos serviços e durará enquanto necessária à consecução do objetivo”, conforme parágrafo único do art. 188.

 

E assim, o MM Juízo que decretou a intervenção na empresa,pelo prazo de doze meses, atribuiu, com base na lei, poderes gerenciais ao Interventor, inclusive o de planejamento dos meios para administrar a crise econômico-financeira e de gestão, conforme se observa da r. decisão liminar, e especificamente nos seguintes trechos: [...] O interventor judicial terá plenos poderes de gestão, devendo a medida ser anotada no livro diário ou equivalente, devendo o fato ser comunicado à Junta Comercial para fins de arquivamento, e, ainda, considerando ser a VASP sociedade anônima, com negociação de suas ações em Bolsa de Valores, comunique-se a intervenção também à Bolsa de Valores de São Paulo.

 

[...]A intervenção terá duração de 12(doze) meses, sendo que, nos primeiros 60 dias, o interventor, em conjunto com a comissão, elaborarão relatório circunstanciado da intervenção, seguida de, ao menos, duas propostas alternativas de providências, que tenham por objetivo sanar a administração, permitir a continuidade dos negócios e quitar paulatinamente o passivo trabalhista, inclusive com detalhamento do plano de gestão, das instituições envolvidas no assessoramento técnico e especificação das responsabilidades de cada qual.A fim de ter instrumentos para atingir o objetivo de, através da intervenção judicial, viabilizar-se um plano de recuperação da empresa, faz-se necessária a tutela jurisdicional amparada na LRE que trará uma blindagem legal na empresa, imprescindível para a operacionalidade de qualquer estratégia de composição com credores e arregimentação de capital no mercado, para que a VASP se restabeleça no cenário da aviação civil.

 

E é nesta condição, com poderes outorgados pelo MM Juízo do Trabalho, que liminarmente decretou a intervenção, inclusive respaldados pelo Ministério Público Federal, ente que se solidarizou no pólo ativo da ação civil pública, que culminou com a intervenção administrativa na VASP, que os Interventores se legitimam na representação da sociedade empresária e no interesse público, para a formalização do presente pedido judicial.

 

Nesta condição, os signatários da presente assumiram compromisso expresso de representação ad juditia da empresa mediante a outorga de instrumentos de mandato firmados pelos Interventores, devidamente juntados.

 

Demonstrado o primeiro requisito subjetivo que legitima a VASP como parte ativa do presente pedido, cumpre expor e comprovar os demais elementos formais que autorizam a sua recuperação judicial, nos termos da Lei n° 11.101/05, bem como, justificar o pedido de juntada a posteriori de alguns destes documentos.

 

Quanto aos requisitos previstos no art. 48, destaca-se:Art. 48. A VASP, como é público e notório, exerce suas atividades, regulamente, há mais de dois anos, conforme também comprovam o Estatuto Social e demais atos constitutivos que se encontram devidamente registrados no Registro Público de Empresas;Art. 48, I e II. A VASP jamais faliu ou requereu recuperação judicial e/ou concordata preventiva, como provam as certidões anexas;Art. 48, IV. A VASP não foi processada, tampouco seus administradores, condenados por crime previsto quer no diploma falimentar anterior quanto no atual, conforme certidões anexas; Instruem o presente pedido, entre outros, atendendo o disposto no art. 51, da Lei n° 11.101/2005, os seguintes documentos:- Relação nominal completa dos credores, contendo: endereço, natureza do crédito, a classificação e o valor atualizado, discriminando origem, vencimentos, indicação dos registros contábeis (art. 51, III);- Relação integral dos empregados, contendo: funções, salários, indenizações, mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento (art. 51, IV);- Certidão do Registro Público de Empresas, o estatuto societário atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores (art. 51, V)- - Relação dos bens particulares dos administradores nomeados (interventores): será juntada em sede de aditamento, desde já requerido.- Extratos atualizados das contas bancárias (art. 51, VII);- Relação das ações judiciais em que a Requerente figura como parte, contendo: ações de natureza cível e trabalhista, com estimativa dos valores demandados (art. 51, IX). Diante da complexidade do pedido de recuperação judicial, da conflituosidade instalada na empresa e da peculiar situação que envolve a atual administração, que ainda diligencia para atender todas as providências determinadas pelo MM. Juízo do Trabalho, notadamente a auditoria contábil, está-se promovendo a competente organização documental, exigida em lei. Portanto, imprescindível a concessão de prazo suplementar para atendimento do comando legal do art. 51, incisos II e VIII, o que desde já se requer.

 

2.3. DOS ASPECTOS PRELIMINARES DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

 

Diante da grandiosidade da crise enfrentada pela VASP, mas que não se mostra irreversível caso haja a tutela jurisdicional e a implementação de um arrojado plano de mudança de modelo de gestão, e, conseqüentemente, das prioridades de atuação no mercado, há necessidade de profunda diagnose dos problemas a fim de viabilizar soluções reais e concretas fundadas, inclusive, no princípio da solidariedade entre a empresa, funcionários, acionistas, credores e Estado.

 

E, este minucioso trabalho de elaboração do plano de recuperação, e conseqüente viabilidade de execução, impede que a VASP desde já o apresente formalmente, com todos os seus requisitos técnicos, que impõem a necessária cautela em sua elaboração.

 

Sendo assim, a VASP trará o plano de recuperação aos autos, conforme lhe faculta o art. 53, da Lei 11.101, no prazo de 60 (sessenta) dias, lapso de tempo necessário e útil, inclusive para firmar e posicionar parcerias em sua implementação com menor risco e prejuízos, tanto para a empresa, quanto para seus funcionários, acionistas, credores e próprio setor de transporte aéreo público, demonstrando assim, a viabilidade econômica do complexo empresarial da VASP.

 

1) Desde já é possível afirmar, no entanto, que a VASP, a despeito da situação em que se encontra, é uma empresa absolutamente viável em face das concessões que detém bem como em face de sua operação de carga e correio aéreo, reconhecidamente o melhor do Brasil. Faz-se mister ressaltar que o mercado de vôos “charters”, muito impulsionado ultimamente, foi inaugurado pela VASP há mais de 20 anos, desta forma, o “know how” da empresa em recuperação é indiscutível. No mesmo sentido possui uma infra-estrutura de apoio – hangares, oficinas e equipamentos – tão só comparáveis com a da VARIG, já em processo de recuperação. A empresa é viável, seja pelos motivos acima, seja pelo seu acervo patrimonial, mais que suficiente para fazer frente ao seu passivo, como se vê das relações juntadas. Neste acervo não estão incluídos, ainda, créditos tributários consagrados, assim, o patrimônio líquido da empresa é absolutamente respeitável.

 

3. DOS PEDIDOS Ante o Exposto, respeitosamente requer a Vossa Excelência, seja recebido e deferido o processamento do pedido de recuperação judicial, para o fim de:

 

a) deferir o prazo legal de 60 (sessenta) dias para apresentação do plano de recuperação, conforme art. 53, da LRE;

 

b) confirmar o afastamento da Administração Canhedo, consolidando a liminar de intervenção judicial deferida pela MM. Juízo do Trabalho e, conseqüentemente, o Comitê de interventores nomeado ou, se for o caso, outro que venha a ser definido no Plano de Recuperação Judicial;

 

c) nomear o administrador judicial, conforme art. 21, da LRE;

 

d) determinar a dispensa da apresentação de certidões negativas para o exercício das atividades da VASP, de acordo com o art. 52, II, da LRE;

 

e) ordenar a suspensão de todas as ações ou execuções contra a VASP, pelo prazo de 180 dias, conforme art. 6°, e art. 52, III, da LRE;

 

f) ordenar a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, conforme determina o art. 52, §1°, observando o prazo de quinze dias para habilitação ou divergência dos créditos, de acordo com o art. 7°, §1°, ambos da LRE;

 

g) que sejam tomadas as demais providências elencadas no art. 52 e ss., da LRE;

 

h) nos termos do art 58, da LRE, conceder a recuperação judicial da Requerente;

 

i) conceder prazo para o aditamento da petição inicial, no que tange aos documentos faltantes, que vem sendo confeccionados, pelos motivos já argüidos; e,

 

j) autorizar o pagamento das custas judiciais iniciais ao final, conforme permissivo legal em face da absoluta impossibilidade neste momento por força da notória crise, ou, no mínimo, o diferimento para quando da apresentação do Plano de Recuperação.

 

k) a intimação do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face do seu legítimo interesse tutelar, do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face do noticiado no que toca a antiga administração e da I. CURADORIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.. Protesta provar o alegado através dos documentos ora juntados, conforme relação anexa, bem como, por todos os meios de provas em direito permitidas. Requer-se que as intimações sejam procedidas em nome de RODRIGO JOSÉ DE PAULA MARENCO e ESPER CHACUR FILHO, advogados, números de inscrição na ORDEM DOS ADVOGADOS, abaixo Valor da causa: R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), reiterando-se o pedido de diferimento de custas..Nestes termos, Pede deferimento.

 

São Paulo, SP, 10 de junho de 2005. Pp. Esper Chacur FilhoOAB/SP nº 98.604; Pp. Juliana Della Valle Biolchi; OAB/RS nº 42.751 ;P.p.Pedro Francisco Pires Morel; OAB/SP n° 102.922; Pp. Rodrigo José de Paula Marenco OAB/SP nº 166.612” Da petição supra foi deferido o prazo para aditamento e, após cumprido o art. 51 da Lei nº 11.101/2005, foi proferido o seguinte r. despacho pelo MM. JUIZ DE DIREITO – DR. ALEXANDRE ALVES LAZZARINI: “Requer a VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA - VASP a sua recuperação judicial nos termos do art. 47 da Lei 11.101/2005, expondo as razões de sua crise econômico-financeira.

 

2) Em face dessa crise, que justificou, inclusive, a nomeação pela Justiça do Trabalho, em razão de ação civil pública (14ª Vara do Trabalho de São Paulo, Proc. n. 507/2005), de interventores, não foram apresentados os documentos necessários (fls. 1084/1086, 6º vol). Pela excepcional situação (intervenção judicial existente), dois peritos foram nomeados, de modo a verificar a real possibilidade da VASP em apresentar os documentos exigidos pelo art. 51 da Lei 11.101/05. Com a informação positiva (fls. 1120/1138, 6º vol.), foi deferido prazo dilatado para tanto (fl. 1152), inclusive com concordância do Ministério Público (fls. 1150/1151). Vários documentos foram apresentados (acompanhando a petição as fls. 1162/1173, 7º vol.), apontando, após, os peritos (fls. 1862/1878, 10º vol.) a falta de algumas informações que foram apresentadas (ao menos sob o aspecto formal), faltando, somente, relação de bens de antigos administradores e conselheiros da sociedade anônima, de modo justificado, sendo que foi determinado, por isso, a requisição junto a Receita Federal.

 

3) Conforme se verifica dos autos, patente a crise econômico-financeira da devedora, existindo, inclusive, vários pedidos de falência em andamento, além da intervenção judicial mencionada.

 

4) Assim, tem-se que presentes os requisitos legais (arts. 47, 48 e 51 da Lei 11.101/2005), deve o pedido ser deferido.

 

5) Pelo exposto, nos termos do art. 52 da Lei 11.101/2005, DEFIRO o processamento da recuperação judicial da VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA VASP.

 

5.1) Como administrador judicial (art. 52, I, e art. 64) nomeio o Dr. ALEXANDRE TAJRA, (OAB/SP 77.624), Praça da Sé, n. 21, conj. 207, Centro, nesta Capital, devendo ser intimado pessoalmente, para que em 48 (quarenta e oito) horas assine o termo de compromisso, pena de substituição (LRF, arts. 33 e 34).

 

5.2) Nos termos do art. 52, II, da Lei 11.101/2005, determino a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando-se o art. 69 da LRF, ou seja, que o nome empresarial seja seguido da expressão em Recuperação Judicial, oficiando-se, inclusive, à JUCESP.

 

5.3) Determino, nos termos do art. 52, III, da Lei 11.101/2005, a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º da LRF, devendo permanecer os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º dessa Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 dessa mesma Lei, providenciando o devedor as comunicações competentes (art. 52, § 3º). Em razão disso, prejudicado fica o pedido de antecipação de tutela (fls. 1171/1172, reiterado as fls. 2094/2095), pois eventual execução de reintegração de posse, caso ainda não executada, ou qualquer outro ato de execução não concluído, é alcançada por tal determinação de suspensão.

 

5.4) Determino, nos termos do art. 52, IV, da Lei 11.101/2005, ao devedor (VASP) a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores.

 

5.5) Expeça-se comunicação, por carta, às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimentos (LRF, art. 52, V).

 

5.6) Nesse tópico, deve ser resolvida questão de prazos, pois Fábio Ulhoa Coelho (Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 2ª ed., Saraiva, 2005, p. 165, item 134) anota que a lei se confundiu na definição do prazo para a apresentação de objeção, no mesmo sentido que é observado por Manoel Justino Bezerra Filho (Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada, 3ª ed., Revista dos Tribunais, 2005, p. 164), ou seja, que a lei, quando determinou contagem de prazos para objeção, será fonte certa de tumulto processual. Assim, há que se acolher a sugestão que Manoel Justino Bezerra Filho (ob. e p. cit.), com a finalidade de dirimir tal questão. Por isso, visando evitar a formação de tumulto e ante a imprecisão dos prazos para objeção estabelecidos no inciso III do § 1º do art. 52 da LRF, em conjunto com o parágrafo único do art. 55 da LRF, determino, desde já, que o prazo de 30 (trinta) dias para objeções ao plano de recuperação se iniciará a partir da publicação da lista de credores (a do administrador judicial) que será publicada na forma do § 2º do artigo 7º da LRF, se publicada antes dessa lista. Com relação ao prazo para habilitações ou divergências aos créditos relacionados (pela VASP), o prazo é de 15 (quinze) dias a contar da publicação do respectivo edital (LRF, art. 7º, § 1º). Dessa maneira, expeça-se o edital a que se refere o art. 52, § 1º, da LRF, com advertência dos prazos dos art. 7º, § 1º, e art. 55, da LRF, providenciando a VASP o necessário, observando-se o art. 191 da LRP. 5.7) Eventuais habilitações ou divergências quanto aos créditos relacionados deverão ser protocoladas no 1º Ofício de Falências e Recuperações Judiciais, no Fórum João Mendes Júnior, Praça João Mendes Júnior, s/n, 16º andar, sala 1610, Centro, São Paulo/SP, de segunda a sexta-feira, no horário de atendimento ao público, que cuidará de entregar ao administrador judicial.

 

6) Encaminhe-se cópia desta decisão ao MM. Juiz da 14ª Vara do Trabalho, para conhecimento, inclusive pelo que consta no item 5.4 acima, que fixa obrigação, sob pena de destituição, para os administradores (interventores) nomeados por Sua Excelência. Intime-se o Ministério Público. Int.” Assim, em atendimento ao r. despacho transcrito na íntegra e em conformidade com o art. 52, § 1º da Lei nº 11.101/2005, é que se faz publicar este edital coma relação nominal de credores abaixo, com a discriminação dos valores e a classificação, ficando todos, em conformidade com o art. 7º, § 1º da LEI DE RECUÉRAÇÃO EMPRESARIAL, os credores terão o prazo de 15 (quinze dias), para apresentarem ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados anexo: E para os efeitos legais, será este edital publicado e afixado na forma da Lei – São Paulo, 20 de outubro de 2005., ALEXANDRE ALVES LAZZARINI JUIZ DE DIRETO – HOMERO BATISTA MATEUS DA SILVA – JUIZ TITULAR DA 14ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO. (segue dados do CD)

 

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1 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 55.

 

2 GRAU, , p. 235.

 

3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998.

 

4 GRAUp. 259.

 

 

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