STJ garante a mulher a adoção unilateral da filha concebida pela companheira por inseminação artificial. De acordo com 3ª turma, ambas as companheiras passam a compartilhar a condição de mãe da adotanda. Por unanimidade, o colegiado negou o recurso do Ministério Público de São Paulo, que pretendia reformar esse entendimento.
A decisão de 1ª instância havia sido favorável à mulher. O MP recorreu, mas o TJ/SP manteve a sentença por considerar que, à luz do ECA e da CF/88, a adoção é vantajosa para a criança e permite o exercício digno dos direitos e deveres da instituição familiar. Para o tribunal, as provas oral e documental revelam que a relação familiar se enriqueceu e seus componentes vivem em harmonia. "Não importa se a relação é pouco comum, nem por isso é menos estruturada que a integrada por pessoas de sexos distintos", consta na decisão.
Em recurso ao STJ, o MP/SP sustentou que seria juridicamente impossível a adoção por duas pessoas do mesmo sexo pois "o instituto da adoção guarda perfeita simetria com a filiação natural, pressupondo que o adotando, tanto quanto o filho biológico, seja fruto da união de um homem e uma mulher". A adotante afirmou a anuência da mãe biológica com o pedido de adoção, alegando a estabilidade da relação e a existência de ganhos para a adotanda.
Para a ministra Nancy Andrighi, é importante levar em conta que a inseminação artificial por doador desconhecido foi fruto de planejamento das companheiras, que já viviam em união estável. Ela ressaltou que a situação em julgamento começa a fazer parte do cotidiano das relações homoafetivas, merecendo, assim, uma apreciação criteriosa. "Se não equalizada convenientemente, pode gerar – em caso de óbito do genitor biológico – impasses legais, notadamente no que toca à guarda dos menores, ou ainda discussões de cunho patrimonial, com graves consequências para a prole", afirmou.
Para ela, o argumento do MP bandeirante, de que o pedido de adoção seria juridicamente impossível por envolver relação homossexual, impediria não só a adoção unilateral, como no caso em julgamento, mas qualquer adoção conjunta por pares homossexuais.
Equiparados
A relatora afirmou que em maio de 2011 o STF consolidou a tendência jurisprudencial no sentido de dar à união homossexual os mesmos efeitos jurídicos da união estável entre pessoas de sexo diferente. "A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas trouxe como corolário a extensão automática, àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional", observou.
Ela afirmou ainda que o ordenamento jurídico brasileiro não condiciona o pleno exercício da cidadania a determinada orientação sexual das pessoas. "Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e a todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza".
Vantagens para o menor
De acordo com a ministra, a existência ou não de vantagens para o adotando, em um processo de adoção, é o elemento subjetivo de maior importância na definição da viabilidade do pedido. Segundo ela, o adotando é "o objeto primário da proteção legal", e toda a discussão do caso deve levar em conta a "primazia do melhor interesse do menor sobre qualquer outra condição ou direito das partes envolvidas". De acordo com a relatora, o recurso do MP se apoia fundamentalmente na opção sexual da adotante para apontar os inconvenientes da adoção. Para ela, porém, "a homossexualidade diz respeito, tão só, à opção sexual. A parentalidade, de outro turno, com aquela não se confunde, pois trata das relações entre pais/mães e filhos".
Nancy Andrighi considera que merece acolhida a vontade das companheiras, mesmo porque é fato que o nascimento da criança ocorreu por meio de acordo mútuo entre as duas, devendo persistir o comprometimento do casal com a nova pessoa. "Evidencia-se uma intolerável incongruência com esse viés de pensamento negar o expresso desejo dos atores responsáveis pela concepção em se responsabilizar legalmente pela prole, fruto do duplo desejo de formar uma família", disse.
Duas mães
A ministra também questionou o argumento do MP paulista a respeito do "constrangimento" que seria enfrentado pela adotanda em razão de apresentar, em seus documentos, "a inusitada condição de filha de duas mulheres". Na opinião da relatora, certos elementos da situação podem mesmo gerar desconforto para a adotanda, "que passará a registrar duas mães, sendo essa distinção reproduzida perenemente, toda vez que for gerar documentação nova". Porém, "essa diferença persistiria mesmo se não houvesse a adoção, pois haveria maternidade singular no registro de nascimento, que igualmente poderia dar ensejo a tratamento diferenciado".
O número do processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
Fonte: STJ