O magistrado considerou que: “o prazo de 10 dias revela-se extremamente exíguo” e que "as providências preventivas determinadas na sentença demandam todo um planejamento e organização, tanta para sua elaboração como para sua execução, e exigem um processo de conscientização preventiva dos agentes econômicos envolvidos em todo esse processo, a permitir uma mudança de comportamento”.
Gebran Neto lembrou ainda que já foram interpostas as apelações contra a sentença, as quais serão julgadas pelo TRF, oportunidade em que será analisado o mérito da ACP proposta pelo MPF, bem como os meios e prazos para o efetivo cumprimento das medidas determinadas. O magistrado também ordenou que as apelações tenham prioridade de tramitação, considerando a relevância e o interesse envolvido na ação. Ainda não há previsão de julgamento no tribunal.
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Processos : AI 5020895-25.2012.404.0000/TRF
ACP 5012924-20.2012.404.7200/SC
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5020895-25.2012.404.0000/SC
RELATOR : JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
AGRAVANTE : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO : ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA (CERVBRASIL)
ADVOGADO : GUSTAVO BINENBOJM
INTERESSADO : UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão por meio da qual o julgador a quo, após a prolação da sentença proferida em ação civil pública ajuizada pelo MPF, em que postula limites à propaganda/publicidade ao consumo de bebidas alcoólicas, concedeu o prazo de dez dias para que as rés comprovassem o efetivo cumprimento das restrições legais à publicidade, nos termos previstos na Lei 9.294/1996, cujo teor reproduzo (evento 26-DECDESPA1), verbis:
'Concedo o prazo de dez dias para que a União e a ANVISA comprovem o cumprimento da sentença.
Com efeito, a obediência ao Princípio da Legalidade não se resume ao cumprimento da Lei, mas também da Constituição Federal. Tendo a sentença concluído que a omissão do legislador e dos réus está a afrontar a Constituição, não há como se aguardar o cumprimento da sentença, eis que é o direito à saúde que está em jogo, bem como o futuro de milhares de adolescentes, que são influenciados pela publicidade de bebidas alcoólicas.
Assim, o prazo de dez dias será suficiente para a publicação de resolução ou ato normativo que dê cumprimento à sentença. '
Requer a ANVISA seja atribuído efeito suspensivo ao recurso de apelação já interposto, consoante permissivo do art. 14 da Lei º 7.347/85, bem como do art. 558, caput, do Estatuto Processual Civil.
É o relatório. Decido.
Trata-se de agravo de instrumento incidente em ação civil pública deflagrada pelo Ministério Público Federal, com objetivo de obter, na ação principal, a condenação da União e da ANVISA à obrigação de fazer, consistente na edição de restrições legais à publicidade de bebidas alcoólicas, mediante regulamentação, na forma prevista na lei nº 11.705/2008.
Referiu o Parquet que, desde 1996 vige a Lei nº 9.294, que impôs restrições à publicidade de bebidas alcoólicas, afastando sua incidência em relação às bebidas com teor alcoólico inferior a 13º na escala Gay Lussac. Afirmou o autor que, a despeito da edição da Lei nº 11.705/2008, que considerou bebidas alcoólicas como sendo todas aquelas que contenham álcool em sua composição em concentração igual ou superior a meio grau Gay Lussac, a União e a ANVISA estão sendo omissas na execução de sua obrigação legal de editar atos restritivos de publicidade de tais produtos.
Sem adentrar no exame do mérito da ação, e nem seria possível fazê-lo na via estreita do agravo de instrumento, a questão debatida no presente recurso diz respeito exclusivamente ao prazo de dez dias (evento26) determinado para o cumprimento da medida restritiva, imposta na sentença, que elencou, em vários tópicos, quais as providências a serem adotadas pelos réus para reduzir o consumo de álcool, com o objetivo de concretizar o direito fundamental a saúde, evitando danos e prevenindo 'que novas vidas sejam ceifadas pelo estímulo do consumo inconseqüente de bebidas alcoólicas'.
Segue a sentença abaixo, no que interessa:
(...) Ante o exposto, julgo procedente o pedido veiculado pelo Ministério Público Federal para determinar às rés para que, por seus órgãos competentes, passem a aplicar as restrições legais à publicidade de bebidas alcoólicas com teor igual ou superior a 0,5 (meio) grau Gay-Lussac, nos termos previstos na Lei 9.294/1996 e modificações posteriores, notadamente:
a) a.1) somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas (art. 4º, caput, da Lei 9.294/96),
a.2) somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de televisão entre as vinte e uma hora e as vinte e três horas nos casos de obras audiovisuais não recomendadas para menores de 18 anos, nos termos da classificação indicativa em vigor (Portaria nº 1.220, de 11 julho de 2007, do Ministro da Justiça),
a.3) a propaganda de bebidas alcoólicas não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou idéias de maior êxito ou sexualidade das pessoas ( § 1º do artigo 4º da Lei 9.294/96);
a.4) os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes termos: 'Evite o consumo excessivo de álcool' (§ 2º do artigo 4º da Lei 9.294/96);
a.5) na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixada advertência de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool, punível com detenção (art. 4º-A da Lei 9.294/96);
a.6) é vedada a utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos, para veicular a propaganda de bebidas alcoólicas (art. 6º da Lei 9.294/96);
a.7) as restrições acima enumeradas aplicam-se para eventos alheios à programação normal e rotineira das emissoras de rádio e televisão e à propaganda estática existente em estádios, veículos de competição e locais similares;
a.8) bebidas alcoólicas não poderão ser objeto de promoção, mediante distribuição de prêmios (artigo 10 do Decreto 70.951, de 09 de agosto de 1972) que dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, e estabelece normas de proteção à poupança popular');
(...)
Com efeito, entendo relevantes os argumentos da parte agravante, porquanto o prazo de dez dias determinado pelo Julgador a quo revela-se extremamente exíguo para o cumprimento do comando judicial, não sendo razoável exigir dos réus medidas imediatas, se tais providências preventivas demandam todo um planejamento e organização, tanto pra sua elaboração como para sua execução, e exige um processo de conscientização preventiva dos agentes econômicos envolvidos em todo esse processo a permitir uma mudança de comportamento, que na verdade é o objetivo final da ação principal.
Portanto, necessário considerar os vários segmentos envolvidos no processo, sobretudo pela relevância da questão, de modo que necessário e imprescindível uma ação conjunta entre setores, o que, por óbvio, demanda tempo maior do que aquele deferido na decisão agravada.
Nessa perspectiva, plausível a tese da parte agravante quanto à impossibilidade de, no curto espaço de 10 dias, além de editar e publicar o regulamento pretendido, fiscalizar seu cumprimento, considerando que a propaganda das bebidas cuja publicidade ora se restringe, é um costume e uma prática disseminada, arraigada e realizada sob as mais variadas vertentes, há longo tempo no país.
Por outro lado, também não verifico a urgência necessária ou a existência de perigo de dano de difícil reparação à saúde pública a exigir, dos réus, o imediato cumprimento da decisão judicial. Aliás, a publicidade deste tipo de bebida vigora de longa data na legislação pátria, sendo que a imediata suspensão, sem a fixação de prazo razoável para a adaptação dos envolvidos, inclusive da própria administração, para normatizar adequadamente a questão, pode ensejar dano irreparável e consequências imprevisíveis, dada a exiguidade do prazo fixado.
O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação na hipótese não é iminente ou concreto - mas abstrato - de modo que não justifica medida judicial preventiva que imponha a imediata regulamentação e fiscalização. Tampouco está configurado o atraso excessivo do legislador em limitar a publicidade de bebidas alcoólicas, sobretudo em se tratando de medidas relacionadas aos efeitos nefastos do consumo do álcool, especialmente entre os jovens.
Registre-se que o art. 14 da Lei nº 7.347, de 23.07.85, autoriza o Julgador a conferir efeito suspensivo ao recurso para evitar dano irreparável à parte, hipótese configurada caso prevaleça o prazo de dez dias assinalado no despacho do evento26 para que a ANVISA elabore o regulamento restritivo e fiscalize o consumo das bebidas alcoólicas.
Por fim, não há óbice para que o prazo para o cumprimento das determinações fixadas na sentença seja apreciado por ocasião do julgamento das apelações, aliás, já interpostas, conforme se vê dos autos principais, oportunidade em que o Colegiado desta Corte poderá emitir juízo de mérito acerca do objeto da ação civil pública e dos meios e prazos para o efetivo cumprimento das medidas judiciais lá determinadas. Considerando que o efeito suspensivo ora postulado - e deferido - cessará por ocasião da apreciação da (s) apelação (ções) pelo Colegiado, possível o provimento, de pronto, o provimento do presente recurso, na forma do art. 557, § 1º-A, do CPC.
Assim, não havendo razão para o processamento do presente recurso, dou-lhe provimento, de pronto, atribuindo efeito suspensivo à apelação interposta pela ANVISA até que o feito seja apreciado pela Quarta Turma desta Corte.
Determino que as apelações interpostas contra a sentença tenham prioridade de tramitação, considerando a relevância do direito controverso e o interesse envolvido na ação.
Comunique-se, com urgência.
Intime-se. Publique-se. Diligências legais.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2012.
Juiz Federal João Pedro Gebran Neto
Relator