A 8ª turma do TRT da 2ª região considerou lícita a impressão de e-mails corporativos para confecção de provas documentais em processo trabalhista.
A desembargadora Sueli Tomé da Ponte, relatora do recurso, entendeu que as cópias dos e-mails corporativos juntadas aos autos pela obreira não afrontaram a inviolabilidade do sigilo das comunicações nem representaram violação à intimidade dos envolvidos, porque foram obtidas em fase pré-processual e ostentaram a reclamante na condição de um dos interlocutores.
Segundo a magistrada, "todos os envolvidos em mensagens eletrônicas têm o conhecimento prévio de que tudo o que for escrito pode ser impresso e guardado por quaisquer dos participantes para utilização futura".
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Processo: 00015418420105020051- RO
Veja a íntegra da decisão.
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PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
Tribunal Regional do Trabalho – 2ª Região
Proc. n. 0001541-84.2010.5.02.0051 - 8ª Turma
PROCESSO TRT/SP Nº 0001541-84.2010.5.02.0051 – 8ª TURMA
RECURSO ORDINÁRIO
ORIGEM: 51ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO
RECORRENTES: WORK TELEMARKETING SERVIÇOS LTDA. – EPP e WORK ASSESSORIA E DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS COMERCIAIS LTDA.
RECORRIDA: HELENA NUZZO
Ementa. Provas ilícitas. Impressão e-mails corporativos. Não configuração de violação ao artigo 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal. Da mesma forma que se afigura lícita a gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores, desde que o outro tenha conhecimento prévio, as impressões de e-mails corporativos para confecção de provas documentais por um dos interlocutores também são lícitas. Isto porque todos os envolvidos em mensagens eletrônicas (destinatários, remetentes e demais participantes com cópia conjunta) têm o conhecimento prévio de que tudo o que for escrito pode ser impresso e guardado por quaisquer dos participantes para utilização futura, haja vista que a possibilidade de impressão de documentos é aplicativo comum a todos os computadores. No caso concreto, verifica-se que a reclamante sempre ostentou a condição de interlocutora nos e-mails corporativos juntados. E mesmo que assim não fosse, ainda que considerada existente a obtenção de provas por meios ilícitos, deve-se ressaltar que os e-mails também não deveriam ser desentranhados dos autos. Isto porque, entre dois valores jurídicos distintos, proteção à intimidade de todos os envolvidos e busca da verdade real sobre o vínculo empregatício e assédio moral (fls. 05), no caso concreto, por sopesamento, deve prevalecer o segundo em detrimento do primeiro, com vistas a tentar coibir a fraude à legislação do trabalho e violação à intimidade e honra (subjetiva e objetiva) da empregada reclamante.
Recurso Ordinário interposto pela segunda reclamada às fls. 244/261, contra a r. sentença de fls. 224/231, cujo relatório adoto, bem assim contra a decisão de fls. 242, e que julgou PROCEDENTE EM PARTE a reclamatória. A primeira reclamada interpôs Recurso Ordinário às fls. 263/276.
Ambas as reclamadas alegam, preliminarmente, julgado extra/ultra petita, pelo reconhecimento da unicidade contratual, grupo econômico e responsabilidade solidária. Pretendem, ainda, o reconhecimento da prescrição total a partir de dezembro de 2007. Além disso, alegam a existência de provas ilícitas, que devem ser desentranhadas dos autos. Por fim, requerem a reforma do julgado no tocante ao reconhecimento do vínculo empregatício, unicidade contratual e responsabilidade solidária. Argumentam, ainda, acerca da impossibilidade da integração de parcelas, em face da natureza indenizatória do vale combustível, auxílio moradia e vale alimentação; requerendo a reforma quanto aos descontos previdenciários e fiscais.
Contrarrazões da reclamante às fls. 287/290.
É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade.
Conheço dos recursos interpostos pelas reclamadas por presentes os pressupostos processuais de admissibilidade, que serão analisados e julgados conjuntamente, em face da identidade de matérias.
2. Recursos das reclamadas.
2.1. Preliminares.
As reclamadas alegam julgamento extra petita, pois afirmam que a obreira não requereu unicidade contratual de 01/09/2003 a 01/03/2010, reconhecida expressamente na origem às fls. 242.
Contudo, o inconformismo das partes não deve prosperar. Na causa de pedir (fls. 04), a autora afirmou que houve registro formal na CTPS de 02/01/2008 a 01/03/2010. Afirmou, porém, que “desde setembro de 2003 já havia sido admitida pela empresa do mesmo grupo econômico (...) desempenhando a mesma função sempre e respondendo aos mesmos superiores” (fls. 04). Em outro momento, a demandante requereu o registro desde setembro de 2003, para requerer as verbas do período, cuja anotação foi sonegada (fls. 07).
Vale dizer, ainda que a reclamante não tenha utilizado expressamente a nomenclatura doutrinária “unicidade contratual”, ficou evidente que ela descreveu fatos relacionados a um único contrato de trabalho, ao se referir que desempenhava “a mesma função sempre e respondendo aos mesmos superiores” das empresas do mesmo grupo econômico. Assim, considerando que o juiz conhece o direito (iura novit curia), a indicação precisa dos fatos é suficiente para o enquadramento adequado, de ofício, pelo magistrado.
Além disso, considera-se o entendimento jurisprudencial pacificado por meio da Súmula 129 do C. TST, acerca do empregador único, in verbis:
Contrato de trabalho. Grupo econômico.
A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.
Desta forma, não seria razoável supor a existência de mais de um contrato de trabalho, em caso de prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, ainda que durante períodos de tempo distintos, pois a obreira afirmou que desempenhava “a mesma função sempre e respondendo aos mesmos superiores” durante todo o lapso temporal, principalmente quando se considera que os prepostos das reclamadas não refutaram a ideia de prestação de serviços ininterruptos desde 01/09/2003 (fls. 184/185).
Por fim, considera-se que a obreira invocou a aplicação do artigo 2º, § 2º, da CLT (fls. 04), que dispõe expressamente sobre a responsabilidade solidária das empresas do mesmo grupo econômico, motivo pelo qual não está correta a afirmação das recorrentes de que não existe pedido para o reconhecimento do grupo econômico e a condenação solidária de ambas as empresas.
Rejeito.
2.2. Prescrição total.
As reclamadas pretendem o reconhecimento da prescrição total, pois afirmam que houve dois contratos de trabalho distintos: o primeiro, de 01/09/2003 a dezembro/2007, e o segundo, de 02/01/2008 a 01/03/2010, sendo que a ação foi ajuizada em 19/07/2010.
Não lhes assiste razão, pois foi reconhecida a unicidade contratual sem solução de continuidade na prestação de serviços, circunstância confirmada pelos prepostos (fls. 184/185).
Assim, não existe prescrição total, com termo inicial em dezembro/2007.
Na verdade, deve ficar consignado que as recorrentes apenas pretendem se beneficiar da própria torpeza, ao pretenderem que a prescrição seja reconhecida com base na fraude à legislação trabalhista perpetrada pelas recorrentes. O Poder Judiciário não deve compactuar com objetivos atentatórios à lei (ausência de registro e quitação correta das verbas trabalhistas) e aos princípios gerais de direito (ninguém pode se beneficiar da própria torpeza).
Nada a deferir.
2.3. Provas ilícitas.
As reclamadas sustentam que os e-mails corporativos juntados aos autos pela obreira devem ser desentranhados, vez que traduzem provas obtidas por meios ilícitos, em afronta à inviolabilidade do sigilo das comunicações, a teor do artigo 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal.
Não prospera. As provas mencionadas foram obtidas em fase pré-processual (extraprocessual). Além disso, verifica-se que os e-mails corporativos (vide volume anexo da autora) sempre ostentaram a reclamante na condição de um dos interlocutores. Por esta razão, revela-se impossível de acolhimento judicial a arguição de que houve violação à intimidade dos demais envolvidos e ao sigilo das comunicações, em face da obtenção das provas por meios ilícitos.
Da mesma forma que se afigura lícita a gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores, desde que o outro tenha conhecimento prévio, as impressões de e-mails corporativos para confecção de provas documentais por um dos interlocutores também são lícitas.
Isto porque todos os envolvidos em mensagens eletrônicas (destinatários, remetentes e demais participantes com cópia conjunta) têm o conhecimento prévio de que tudo o que for escrito pode ser impresso e guardado por quaisquer dos participantes para utilização futura, haja vista que a possibilidade de impressão de documentos é aplicativo comum a todos os computadores.
Portanto, considero que as cópias dos e-mails corporativos juntadas não foram obtidas por meios ilícitos, não afrontam à inviolabilidade do sigilo das comunicações, nem representam violação à intimidade dos demais envolvidos.
E mesmo que assim não fosse, ainda que considerada existente a obtenção de provas por meios ilícitos, deve-se ressaltar que os e-mails também não deveriam ser desentranhados dos autos. Isto porque, entre dois valores jurídicos distintos, proteção à intimidade de todos os envolvidos e busca da verdade real sobre o vínculo empregatício e assédio moral (fls. 05), no caso concreto, por sopesamento, deve prevalecer o segundo em detrimento do primeiro, com vistas a tentar coibir a fraude à legislação do trabalho e violação à intimidade e honra (subjetiva e objetiva) da empregada reclamante.
2.4. Vínculo empregatício e unicidade contratual. Verbas trabalhistas. Responsabilidade solidária.
Em contestação (fls. 129), a segunda reclamada alegou a prestação de serviços autônomos de 2003 e 2007. Contudo, em interrogatório (fls. 184/185), o preposto da segunda reclamada, além de admitir a prestação dos serviços no mencionado período, também admitiu que a reclamante estava subordinada à Sra. Priscila e recebia mensalmente para trabalhar no departamento de pessoal. Destarte, diante da confissão real, impõe-se a manutenção do reconhecimento do vínculo empregatício a partir de 01/09/2003.
Além disso, verifica-se que a sócia Vanessa Savaglia Salatino Feix detém 80% das cotas da sociedade empresária Work Assessoria e Desenvolvimento de Sistemas Comerciais Ltda. (fls. 98) e 50% das cotas da sociedade Work Telemarketing e Serviços S/C Ltda. (fls. 92).
Assim, diante da comprovação do grupo econômico e considerando a existência de empregador único (Súmula 129 do C. TST), impõe-se a manutenção do reconhecimento da unicidade contratual de 01/09/2003 a 01/03/2010 e condenação solidária das empresas (art. 2º, § 2º, da CLT).
Verifica-se, ainda, que o salário inicial de R$3.000,00 foi admitido pelo preposto da segunda reclamada (fls. 185), permanecendo devidas todas as verbas trabalhistas deferidas.
Por fim, ao contrário do afirmado pela primeira reclamada (fls. 271/272), as diferenças de depósitos do FGTS durante todo o período contratual foi requerido na petição inicial (fls. 08). Da mesma forma, houve requerimento do seguro desemprego de todo o período (fls. 08), vez que a diferença indicada às fls. 07 faz referência somente à diferença do benefício advinda do período contratual sonegado. Além disso, a condenação na obrigação de fazer (entrega do TRCT – código 01) ou indenização equivalente encontra amparo legal no artigo 461 do CPC, haja vista que o Juízo pode determinar a adoção de medidas para o resultado prático equivalente.
Mantenho.
2.5. Integração de parcelas.
O Juízo de origem deferiu a integração das parcelas quitadas sob as rubricas vale combustível, vale alimentação e auxílio moradia. As reclamadas, por sua vez, pretendem o reconhecimento da natureza indenizatória das parcelas e que sejam afastadas as integrações.
Não assiste razão às recorrentes. A reclamante recebia elevados valores (R$779,35, R$649,46 e R$584,51 – fls. 19) em comparação ao salário básico (R$1.515,40). Em contestação (fls. 116), houve afirmação de que o vale combustível era para custear o deslocamento da reclamante no interesse da empresa. Contudo, verifica-se que a obreira trabalhava internamente, no departamento de pessoal das empresas, conforme interrogatórios dos prepostos (fls. 184/185).
Além disso, o vale alimentação e auxílio moradia eram quitados em pecúnia, militando em desfavor das recorrentes o entendimento pacificado por meio da Súmula 241 do C. TST.
Na verdade, as circunstâncias fáticas, interpretadas conjuntamente com os elevados valores supramencionados, demonstram que as parcelas eram quitadas como forma de contraprestação dos serviços da obreira, razão pela qual se mostra correta a integração nas demais verbas trabalhistas.
As empregadoras, a todo momento, pretendem causar algum prejuízo à reclamante. Com esta intenção meramente emulativa, requereram a expedição de ofício à Receita Federal (fls. 258 e 274). Inicialmente, salienta-se que a instrução processual já se encontra encerrada. Ademais, a fraude à legislação foi perpetrada pelas empresas, que não devem pretender se beneficiar das próprias torpezas, sob pena de reconhecimento de litigância de má-fé.
Nada a reformar.
2.6. Descontos previdenciários e fiscais.
Os descontos previdenciários e fiscais determinados na origem estão em consonância com a Súmula 368 do C. TST, alterada pela Resolução 181 de 19/04/2012, não merecendo nenhum reparo. Além disso, permanecem devidas as contribuições previdenciárias devidas a terceiros. Mantenho.
3. Conclusão.
ACORDAM os Magistrados da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: conhecer dos recursos ordinários interpostos por ambas as reclamadas, rejeitar as preliminares e, no mérito, NEGAR-LHES PROVIMENTO, na forma da fundamentação do voto da Relatora.
SUELI TOMÉ DA PONTE
Juíza Relatora