Migalhas Quentes

Condutor que não transferiu veículo para seu nome por dívida de um centavo será indenizado

Danos morais é de R$ 5 mil.

27/11/2012

A 1ª câmara Cível do TJ/RS condenou o DETRAN ao pagamento de indenização por danos morais ao motorista que não conseguiu fazer a transferência de propriedade de seu veículo por dívida de R$ 0,01, referente à diferença de multa. O autor ganhou o direito à indenização no valor por danos morais em R$ 5 mil.

O autor narrou que adquiriu um veículo e no dia seguinte à compra verificou no site do DETRAN que o mesmo não possuía qualquer pendência financeira, inclusive já tendo sido liberado por parte do Banco ABN. Disse que procurou o CRVA de Novo Hamburgo para fazer a transferência, quando foi informado que não poderia realizá-la porque o sistema apontava pendência financeira no valor de R$ 0,01.

Afirmou que procurou o Banrisul, em duas agências, para pagar o valor devido e conseguir realizar a transferência, sendo que em ambas as oportunidades foi informado que não existiam débitos pendentes, procurando o CRVA com tal informação, e mesmo assim não conseguindo realizar a transferência.

No 1º grau, a juíza de Direito Cristiane Hoppe condenou o DETRAN ao pagamento de indenização por danos morais. Para a magistrada, o débito de R$ 0,01 inviabilizou a transferência do veículo para seu nome e, por consequência, gerou a imposição de multa no valor de R$ 127,69, aplicada porque o CTB estabelece o prazo de 30 dias para transferência de propriedade de veículos após sua venda.

É de se destacar que o veículo somente foi transferido para o nome do autor após o deferimento da liminar, que determinou o cancelamento do débito de R$ 0,01, bem como a transferência do bem para o nome do autor, o que demonstra que somente após a determinação judicial é que o autor conseguiu fazer valer seu direito, assim como a própria inércia do réu em atender ao requerimento da parte solicitante, afirmou a magistrada.

O DETRAN foi condenado ao pagamento de indenização no valor de R$ 5 mil, corrigidos pelo IGP-M acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação.

Na 1ª câmara Cível, o relator do processo foi o desembargador Jorge Maraschin dos Santos, que manteve a condenação, considerando que é de responsabilidade do DETRAN realizar a transferência de propriedade dos veículos. No caso, houve uma sucessão de falhas dos órgãos administrativos, e por mais que o CRVA tenha atribuição legal de proceder no registro de veículos, o DETRAN é o órgão responsável pela delegação, logo, pela fiscalização, afirmou.

Destacou que não houve responsabilidade do CRV, visto que utilizava os sistemas informatizados disponibilizados pelo órgão público para providenciar a transferência dos veículos, estando atrelado às normas do agente público que lhe delegou a função, sendo responsável somente pela adequada prestação dos serviços a ele delegados.

__________

APELAÇÃO CIVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DETRAN.

MÉRITO. Impossibilidade de transferência de propriedade do veículo, em razão de débito remanescente no valor de R$ 0,01. Falha no órgão administrativo. Responsabilidade do Detran de indenizar. Danos morais arbitrados em R$ 5.000,00. Sentença confirmada.

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. A nova redação dada ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97 somente se aplica às ações cujo ajuizamento for posterior à vigência da Lei n.º 11.960/09, de 29/06/2009. Assim, no caso dos autos, não incide a Lei nº 11.960/2009 por a ação ter sido ajuizada em data anterior a sua vigência, em 2006. Entretanto, tratando-se de ação proposta em data posterior a 24/08/2001 incide o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, acrescido pela Medida Provisória nº 2180-35/2001. Apelo provido no ponto.

CUSTAS. Impossibilidade de condenação do Estado no pagamento de custas processuais, porquanto a recente Lei nº 13.471, de 23 de junho de 2010, alterando o artigo 11 da Lei nº 8.121/82 (Regimento de Custas), isentou as pessoas jurídicas de direito público do pagamento de custas, despesas judiciais e emolumentos no âmbito da Justiça Estadual de Primeiro e Segundo graus.

A referida Lei apenas não eximiu a Fazenda Pública da obrigação de reembolso das despesas feita pela parte vencedora. In casu, a parte autora não litiga sob o benefício da assistência judiciária gratuita, assim, deve haver o reembolso de despesa.
APELO PROVIDO EM PARTE.

APELAÇÃO CÍVEL

PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Nº 70046399739

COMARCA DE NOVO HAMBURGO

DETRAN RS

APELANTE

R.V.

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover em parte o apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. IRINEU MARIANI (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL.

Porto Alegre, 05 de setembro de 2012.

DES. JORGE MARASCHIN DOS SANTOS,

Relator.

RELATÓRIO

DES. JORGE MARASCHIN DOS SANTOS (RELATOR)

Trata-se de ação declaratória c/c danos morais, ajuizada por R.V. em face do DETRAN/RS, objetivando a transferência do veículo para seu nome, em virtude de que um débito pendente de R$ 0,01, referente a diferença de multa, lhe impediu de realizar a transferência para seu nome.

Sobreveio sentença julgando procedentes os pedidos. Assim restou o dispositivo (fl.239):

“(...) ISSO POSTO, julgo PROCEDENTE os pedidos contidos na presente Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Morais, ajuizada por R.V. em face de DETRAN-RS, figurando como denunciado à lide o CRVA – NOVO HAMBURGO, para:

a) DECLARAR a inexigibilidade do débito de R$ 0,01 (um centavo) porventura lançado na rúbrica de infrações vencidas não parceladas do automóvel placa JAD 0008;

b) CONDENAR o requerido DETRAN-RS ao pagamento de indenização por danos morais ao autor, fixados na importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos pelo IGP-M a partir do trânsito em julgado da presente decisão e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação.

Condeno o requerido DETRAN-RS ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador do autor, os quais fixo em 20% sobre o valor da condenação pecuniária, segundo o artigo 20, §§3º e 4º, do Código de Processo Civil. O valor dos honorários deve ser corrigido pelo IGP-M a contar desta data até efetivo pagamento.”

Apresentados embargos de declaração pelo ESTADO DO RS e pelo CRVA DE Novo Hamburgo, restando assim a decisão (fl.247):

Vistos. Trata-se de embargos declaratórios opostos pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo CRVA Novo Hamburgo, ambos insurgindo-se quanto à decisão de fls. 233/239. Insurge-se o Estado do Rio Grande do Sul quanto a fixação de correção monetária e incidência de juros no valor fixado a título de dano moral, bem como quanto a sua condenação em custas processuais (fls. 241/242). O embargante CRVA Novo Hamburgo, por seu turno, insurge-se quanto à omissão na decisão no tocante ao julgamento com relação a denunciação à lide, assim como incidência de custas e honorários decorrentes da condenação (fls. 243/246). Inicialmente, com relação aos Embargos apresentados pelo Estado do Rio Grande do Sul, entendo não ser possível o acolhimento, já que a matéria enfrentada diz respeito a interpretação de lei, o que foi objeto de análise pelo juízo sentenciante, não existindo omissão, contradição ou obscuridade na sentença. Ressalto que eventual irresignação nesse sentido não pode ser ataca pela via de Embargos Declaratórios, devendo a parte que se julgar prejudicada buscar reverter sua irresignação pelos meios processuais pertinentes. Assim, rejeito os embargos de declaração apresentados pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Quanto aos embargos apresentados pelo CRVA Novo Hamburgo, razão lhe assiste, uma vez que a sentença de fls. 233/239, embora tenha em sua fundamentação afastado a responsabilidade do denunciado quanto ao fato objeto da ação, omitiu-se no dispositivo com relação ao julgamento de improcedência da denunciação à lide, bem como com relação a condenação em custas e honorários do denunciante. Isso posto, acolho os Embargos Declaratórios apresentados pelo CRVA Novo Hamburgo, acrescendo à parte dispositiva da sentença, nos seguintes termos:

(...) Ainda, julgo IMPROCEDENTE a denunciação à lide, condenando o denunciante ao pagamento das custas processuais decorrentes da denunciação, bem como honorários advocatícios ao procurador da denunciada, que fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), de acordo com os vetores do art. 20, § 4º, do CPC.

Mantenho as demais disposições da sentença. Intimem-se.”

Irresignado o DETRAN apelou sustentando a inexistência de responsabilidade do DETRAN no que se refere aos prejuízos ao autor. Disse que não há provas documentais nos autos que comprovem o débito de R$ 0,01, sendo que o autor se limita dizer que solicitou uma providência da situação via telefone. Informou que o DETRAN e o Banrisul não detectaram o débito de R$ 0,01. Salientou que o único responsável é o CRVA de Novo Hamburgo, uma vez que o autor nunca buscou uma resolução junto ao DETRAN, mas somente no CRVA de Novo Hamburgo, sendo o DETRAN parte ilegítima para responder por eventuais falhas e danos sofridos pelo autor, decorrentes dos atos praticados pelo CRVA no exercício de suas atribuições delegadas. Asseverou quanto à inexistência de dano moral. Alternativamente, requereu a redução do quantum indenizatório, bem como disse que os acréscimos legais (correção monetária e juros), devem incidir na forma da regra do art. 1º-F da lei 9.494/97. Pediu a redução da verba honorária arbitrada. Pediu provimento (fls.248-257)

A Ilustre Procuradora de Justiça, Eliana M. Moreschi opinou pelo parcial provimento do recurso no que se refere aos acréscimos legais (correção monetária e juros), pois deve incidir a regra do art. 1º-F da lei 9.494/97, e também, no que toca a isenção do pagamento das custas processuais. (fl. 277)

É o relatório.

VOTOS

DES. JORGE MARASCHIN DOS SANTOS (RELATOR)

O apelo merece parcial provimento.

Entendo que a juíza singular, Dra. Cristiane Hoppe, analisou bem o mérito da questão, posto que é de responsabilidade do DETRAN realizar a transferência de propriedade dos veículo (art. 120 do CTB), não havendo falar aqui em sua ilegitimidade de indenizar. No caso, houve uma sucessão de falhas dos órgãos administrativos, e por mais que o CRVA tenha atribuição legal de proceder no registro de veículos, o DETRAN é o órgão responsável pela delegação, logo, pela fiscalização.

Dessa forma, passo a transcrever os fundamentos da sentença, a fim de fazer parte integrante deste voto, o que não padece de qualquer nulidade perante do STJ:

(...) DECIDO.

Antes de examinar o mérito, cumpre analisar a preliminar de carência de ação sustentada pelo DETRAN/RS em contestação, antecipando, desde logo, não ser caso de acolhimento. Ressalto, também, que as demais preliminares já foram apreciadas por ocasião das decisões de fls. 100/100v. E 149/153.

Alegou o demandado que o veículo encontra-se em nome do autor desde 13/06/2006, inexistindo fundamento razão para a propositura da demanda, uma vez que a pretensão já havia sido satisfeita na esfera administrativa.

Todavia, analisando a documentação acostada aos autos, percebe-se que embora o veículo já se encontre em nome do requerente, a efetivação da medida foi posterior ao deferimento da liminar, inclusive ressaltando que o dia 13/06/2006 é a data da aquisição do bem e, não, da efetiva transferência, como pretende fazer entender o réu.

Pelo que se percebe do histórico de alterações do veículo acostado às fls. 40/41, vê-se que consta o dia 13/06/2006 como data de aquisição do bem (o que coincide com as declarações do autor), todavia, o dia da efetiva transferência é marcado como dia 16/08/2006, portanto, mais de dois meses depois da aquisição, quando inclusive já havia sido acolhido o pleito liminar e determinada a transferência do veículo para o nome do autor, o que aconteceu em 11/08/2006 (fl. 15/16).

Diante disso, por ocasião da propositura da ação, o autor ainda não havia obtido junto às rés a autorização para transferência do veículo, não havendo que se falar, portanto, em carência de ação, razão pela qual afasto a preliminar e imediatamente passo ao exame do mérito.

No mérito, igual sorte assiste ao autor.

Conforme se verifica dos documentos acostados pelo autor à inicial, vislumbra-se a veracidade das afirmações acerca da existência do débito no valor de R$ 0,01 (um centavo), o que acabou inviabilizando na época a transferência do veículo para seu nome e, por consequência, gerando a imposição de multa no valor de R$ 127,69 (cento e vinte e se reais e sessenta e nove centavos) aplicada porque o Código de Trânsito Brasileiro estabelece o prazo de 30 dias para transferência de propriedade de veículos após sua venda.

É de se destacar que o veículo somente foi transferido para o nome do autor após o deferimento da liminar (fls. 15/16), que determinou o cancelamento do débito de R$ 0,01 (um centavo), bem como a transferência do bem para o nome do autor, o que demonstra que somente após a determinação judicial é que o autor conseguiu fazer valer seu direito, assim como a própria inércia do réu em atender ao requerimento da parte solicitante.

Quanto à data da solicitação de transferência, inclusive, vale registrar que o documento de fl. 34/35, 37 e 41 comprovam que o autor, desde o dia da aquisição (13/06/2006), protocolou pedido de transferência junto ao CRVA de Novo Hamburgo, que presta serviço delegado pelo Detran/RS, ambos responsáveis pelo evento danoso, portanto.

Dessa maneira, sendo reconhecido que o autor protocolou o pedido de transferência no prazo legal, a qual não foi efetivada em razão de constar débito no valor de R$ 0,01 pendente sobre o veículo, inviabilizando o atendimento do requerimento administrativo, a imposição da penalidade (multa de fl. 37) decorrente da perda do prazo legal para a transferência (art. 233, do CTB), não pode ser entendida como devida.

Ressalto que a existência no sistema das rés do débito que inviabilizou a transferência (R$ 0,01) foi demonstrado pelo documento de fl. 11, revelando-se verdadeira, portanto, a alegação do requerente.

A negativa de transferência do veículo em razão desse débito veio comprovada também pela prova testemunhal.

Nesse sentido, a testemunha MAURÍCIO SCHUSTER COUTINHO declarou que estava na companhia do autor em uma das oportunidades em que este se dirigiu ao CRVA e foi informado da existência do débito de R$ 0,01 (um centavo), o que inviabilizava a transferência. Ainda, acrescentou a testemunha que acompanhou o requerente no Banco Banrisul, onde ele não conseguiu fazer o pagamento da quantia, inviabilizando, então, a transferência (fls. 213/214).

A testemunha LEONARD BERGER, funcionário do CRVA, confirmou que o autor procurou o órgão para efetivar a transferência de um veículo, não sendo possível fazê-lo em razão da existência no sistema de um débito de R$ 0,01 (um centavo). Disse que o sistema utilizado pelo CRVA é apenas de consulta, sendo ele fornecido pelo Detran, não possuindo o CRVA ingerência quanto aos dados nele disponibilizados (fls. 214v./216).

A testemunha AMAURI DA ROSA também confirmou que o sistema do qual se utiliza o CRVA para verificação de pendências e providências de transferência é fornecido pelo Detran, sendo dele também a responsabilidade de dar baixa nos débitos que porventura venha a apontar (fls. 216v.217v.).

De idêntico teor foi o depoimento da testemunha MILTON GAMBA PAGANI, que afirmou ser do Detran a responsabilidade de baixa de valores e controle do sistema utilizado pelos CRVAs (fls. 218/218v.).

Dessa maneira, restou amplamente demonstrado no processo que a transferência do veículo não foi autorizada em razão da existência do débito de R$ 0,01 (um centavo), sendo que o autor, segundo se infere da prova testemunha, em razão dessa dívida não conseguiu providenciar a quitação junto ao Banrisul, evidenciando falha de comunicação entre o sistema do Detran e o do Banco.

Assim, não tendo sido providenciada a transferência de propriedade por desídia do próprio DETRAN em providenciar a exclusão do valor ou permitir a transferência em seu sistema informatizado, não há como imputar ao autor a responsabilidade pela não transferência do veículo no prazo determinado pelo Código de Trânsito Brasileiro, o que torna inexigível, também, a multa aplicada em decorrência do disposto no art. 233 do CTB.

Destaco que o autor limitou seu pedido de declaração de inexistência do débito de R$ 0,01 (um centavo), não se referindo ao valor da multa decorrente da ausência de transferência no prazo legal, motivo pelo qual a decisão fica adstrita a esse pedido.

Assim, o pedido de declaração de inexistência de débito deve ser julgado procedente, restando a análise do pedido de dano moral.

Nesse ponto, impende destacar, inicialmente, que o sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado e das prestadoras de serviço público sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, §6º, da Constituição Federal:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos caso de dolo ou culpa."

Assim, para que incida a responsabilidade objetiva, em razão dos termos da norma constitucional em destaque, há necessidade de que o dano causado a terceiros seja provocado por agentes estatais nessa qualidade. Todavia, não foi o que aconteceu no caso em comento, já que a parte autora alega que os danos causados ocorreram porque o DETRAN deixou de cumprir com seu dever de fiscalização, deixando de verificar a correção dos dados inseridos em seu sistema.

Descartada a hipótese de responsabilidade objetiva, emerge a responsabilidade subjetiva do Estado, a teor do disposto no art. 186 do Código Civil, a qual encontra amparo nos elementos de convicção eventualmente trazidos aos autos.

Assim, estabelecidas as premissas para eventual imputação de responsabilidade civil do Estado, cabe a análise dos requisitos ensejadores do dever de indenizar, quais sejam: (1) conduta omissiva culposa do ente público – falta do serviço; (2) danos; e (3) nexo de causalidade entre o não-ato e os danos suportados pelos requerentes.

No caso dos autos, tem-se que o DETRAN é o órgão responsável pela efetivação das transferências de propriedade de veículos, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro, e delegou a realização do ato aos Centros de Registro de Veículos Automotores, mediante convênio firmado com os oficiais titulares dos ofícios de registro civil das pessoas naturais, conforme dispõe os artigos 1°, §1°, II, e 10°, inciso V, do Regulamento dos CRVAs. Assim, responde o DETRAN pelos atos públicos praticados pelos agentes dos CRVAs.

Neste sentido: “(...) O DETRAN detém legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda que se discuta a responsabilidade civil decorrente de má prestação de serviços de vistorias realizada por CRVA.’ (Apelação e Reexame Necessário Nº 70020261665, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 12/09/2007).

Ressalvada a responsabilidade do DETRAN, entendo que não persiste na espécie culpa do CRVA, já que, conforme ficou demonstrado pela prova testemunhal, utilizava-se dos sistemas informatizados disponibilizados pelo órgão público para providenciar a transferência dos veículos, estando atrelado às normas do agente público que lhe delegou a função, sendo responsável somente pela adequada prestação dos serviços a ele delegados.

Ou seja, o débito que inviabilizou a transferência de propriedade constava no sistema do DETRAN, agindo no exercício regular de um direito o CRVA ao não providenciar a transferência, sendo o órgão público o único responsável pela baixa no sistema de débitos inexistentes, assim como pela imposição da penalidade decorrente do descumprimento das normas de legislação de trânsito.

Assim, entendo que somente o Detran é quem tinha condições de excluir do sistema o débito, assim como de impor penalidade ao autor, não existindo prova da responsabilidade do CRVA e seus agentes.

Dessa forma, reconheço a responsabilidade pelo evento danoso somente em relação ao DETRAN/RS, não existindo provas da responsabilidade civil com relação ao CRVA.

Dito isso, resta a fixação do valor do dano moral, o qual restou plenamente caracterizado no processo, pois demonstrada prova da responsabilidade subjetiva do órgão público.

Quanto ao dano especificamente, entendo que a situação narrada no processo evidencia o abalo sofrido, somados aos transtornos decorrentes do processo judicial, além de ver-se infligido de imposição de penalidade administrativa por ato que não deu causa, o que foge à normalidade dos meros dissabores cotidianos, gerando abalo psíquico e dano suscetíveis de indenização.

Ademais, saliento que tais danos poderiam ter sido evitados se o DETRAN tivesse agido com a diligência esperada, verificando a correção dos dados inseridos em seus sistemas.

No mais, no que tange ao quantum indenizatório, tenho que se mostra adequada a fixação no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), já que a indenização por dano moral deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido, além de revelar-se apta a dissuadir o condenado de novo atentado. (...)”

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA

O DETRAN postula seja aplicada correção monetária e juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.960/2009.

A matéria atinente aos juros foi modificada recentemente, com a edição da Lei nº 11.960, em 30/06/2009, que alterou redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 passando a dispor que nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente da sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação de mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme se verifica:

Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

Ocorre que, a nova redação dada ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97 somente se aplica às ações cujo ajuizamento for posterior à vigência da Lei n.º 11.960/09, de 29/06/2009.

Assim, no caso dos autos não incide a Lei nº 11.960/2009 pelo fato da ação ter sido ajuizada em data anterior a sua vigência, em 2006.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997 COM A REDAÇÃO DA LEI N. 11.960/2009. INAPLICABILIDADE ÀS AÇÕES AJUIZADAS ANTES DE SUA VIGÊNCIA. RESERVA DE PLENÁRIO E SÚMULA VINCULANTE N. 10 E PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. DESCABIMENTO. 1. A respeito dos juros moratórios, de acordo com a jurisprudência do STJ, em se tratando de ação de natureza previdenciária, por se tratar de verba de caráter alimentar, os juros moratórios devem ser calculados à base de 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ. 2. O art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, incluído pela MP n. 2.180-35/2001, disciplinava a incidência dos juros nas condenações impostas à Fazenda Pública para o pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos. Dessa forma, inaplicável a redução dos juros de mora em ações que envolvem segurados da Previdência Social, sem vínculo estatutário com a autarquia. 3. A partir da alteração promovida pela Lei n. 11.960/2009, o legislador uniformizou a regra dos juros moratórios devidos pela Fazenda em ações de qualquer natureza. No entanto, afasta-se a incidência dos juros de 0,5% ao mês porquanto a ação foi ajuizada antes do advento da Lei n. 11.960, de 30/6/2009. 4. Registra-se a impossibilidade de se examinar, na via especial, suposta violação a dispositivos da Constituição Federal, porquanto o prequestionamento de matéria essencialmente constitucional, por este Tribunal, importaria usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 5. Descabe falar-se em adoção do procedimento previsto no art. 97 da Constituição Federal se a tese do recorrente foi afastada somente por ser inaplicável à espécie, e não porque os dispositivos da Lei n. 11.960/2009 possuam incompatibilidade com o texto constitucional. 6. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1233371/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 17/05/2011)

Entretanto, por analogia, tratando-se de ação proposta em data posterior a 24/08/2001 incide o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, acrescido pela Medida Provisória nº 2180-35/2001 que estabelece:

“Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento.”

Nesse sentido o STJ:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAL CIVIL DO EXTINTO TERRITÓRIO DO ACRE. GRATIFICAÇÃO DE ENCARGOS ESPECIAIS - GOE. EQUIPARAÇÃO À CARREIRA POLICIAL FEDERAL. DECRETO-LEI Nº 2.251/85 E LEI Nº 7.548/86. PRESCRIÇÃO DAS PARCELAS VENCIDAS. SÚMULA 85/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUROS MORATÓRIOS. 1. "Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação." (Súmula 85/STJ). 2. São devidos aos policiais civis dos extintos Territórios e pensionistas o pagamento da Gratificação de Operações Especiais - GOE, bem como demais vantagens pagas aos integrantes da Carreira Policial Federal, por força da equiparação realizada pelo artigo 1º da Lei 7.548/86. Precedentes. 3. A correção monetária deve incidir a partir da data em que deveria ter sido efetuado o pagamento de cada parcela. 4. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de que os juros de mora nas causas ajuizadas posteriormente à edição da MP nº 2.180-35/2001, em que for devedora a Fazenda Pública, devem ser fixados à taxa de 6% ao ano. 5. Por se tratar de condenação contra a Fazenda Pública, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% do valor da condenação. 6. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 950.969/AC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 29/11/2007, DJ 17/12/2007 p. 373)

Dessa forma, o pedido merece acolhimento para reconhecer a incidência de juros de mora no percentual de 0,5% ao mês a partir da citação, com fulcro no disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, acrescido pela Medida Provisória nº 2180-35/2001, mantido o IGP-M.

CUSTAS

No tocante às custas processuais, porquanto a recente Lei nº 13.471, de 23 de junho de 2010, alterando o artigo 11 da Lei nº 8.121/82 (Regimento de Custas), isentou as pessoas jurídicas de direito público do pagamento de custas, despesas judiciais e emolumentos no âmbito da Justiça Estadual de Primeiro e Segundo graus, vejamos:

“Art. 1º - O artigo 11 da Lei nº 8.121, de 30 de dezembro de 1985, Regimento de Custas, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 11 – As Pessoas Jurídicas de Direito Público são isentas do pagamento de custas, despesas judiciais e emolumentos no âmbito da Justiça Estadual de Primeiro e Segundo graus.

Parágrafo único – A isenção prevista neste artigo não exime a Fazenda Pública da obrigação de reembolsar as despesas feitas pela parte vencedora.”

A referida Lei apenas não eximiu a Fazenda Pública da obrigação de reembolso das despesas feita pela parte vencedora. In casu, a parte autora não litiga sob o benefício da assistência judiciária gratuita, assim, deve haver o reembolso de despesa.

Por fim, quanto aos honorários arbitrados em 20% sobre o valor da condenação, entendo que estão adequados dentro dos parâmetros do art. 20, parágrafo 3º do CPC.

Diante do exposto, provejo parcialmente o apelo, apenas, para reconhecer a incidência de juros de mora no percentual de 0,5% ao mês a partir da citação, com fulcro no disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, acrescido pela Medida Provisória nº 2180-35/2001, mantido o IGP-M.

DES. IRINEU MARIANI (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. IRINEU MARIANI - Presidente - Apelação Cível nº 70046399739, Comarca de Novo Hamburgo: "À UNANIMIDADE, PROVERAM EM PARTE."

Julgador(a) de 1º Grau: CRISTIANE HOPPE

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