A 3ª turma do TST manteve condenação de uma clínica odontológica porque um de seus sócios alertou outras empresas do ramo para o fato de a trabalhadora ter ajuizado ação trabalhista. A clínica deverá pagar indenização por dano moral.
"Os prejuízos advindos de tal ato são claros, como a provável restrição de oportunidades em empregos futuros e a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho", afirmou o ministro Maurício Godinho Delgado, relator do agravo da empresa contra a condenação.
A dentista informou que foi admitida em abril de 2002 sem registro na carteira de trabalho. Devido a uma denúncia anônima de que haveria fraudes às relações de trabalho na clínica, o MPT passou a investigá-la, daí resultando a assinatura de um TAC.
Acusada de ser a autora da denúncia, a dentista afirmou ter sofrido assédio moral durante todo o procedimento investigatório até ser dispensada, em outubro de 2008. Por considerar a dispensa discriminatória, ajuizou uma primeira ação trabalhista contra a empresa, visando à reintegração. Ainda segundo seu relato, depois da dispensa percebeu que não conseguia nova colocação em outras empresas do ramo.
Em depoimento prestado na primeira ação trabalhista, um dos sócios da clínica – que segundo a dentista é a maior da área de radiologia odontológica de Brasília – afirmou ter comentado sobre o fato com sócios de outras clínicas, alertando-os de que elas poderiam ser as próximas a serem demandadas judicialmente. Para a odontóloga, a empresa, que conta com um dos sócios na diretoria do Conselho Regional de Odontologia do Distrito Federal, deveria "dar exemplo de ética e cumprimento da lei, sem agir contra os empregados que contribuem ou contribuíram para o sucesso de seu empreendimento". Por considerar que o procedimento do empregador violou seus direitos de personalidade, ajuizou a segunda reclamação trabalhista, com pedido de indenização por dano moral no valor de R$ 240 mil.
O juízo da 8ª vara do Trabalho de Brasília/DF julgou procedente o pedido e condenou a clínica a indenizar a ex-empregada em R$ 5 mil. Embora concordando com a tese de que a conduta da empresa ofendeu a dignidade da trabalhadora, a sentença observou que "a indenização moral, a bem da verdade, é a condenação da empresa em face da conduta irregular perpetrada, e não o valor em dinheiro".
Em agravo de instrumento ao TST, a empresa reiterou suas razões para se isentar do pagamento da indenização, afirmando que a reclamação trabalhista foi proposta "com o claro intuito de se angariar dinheiro". A condenação, segundo a clínica, fora injusta devido à ausência dos elementos caracterizadores do dano (fato danoso, nexo causal e resultado danoso), e a decisão, desfundamentada.
O relator do agravo, ministro Maurício Godinho Delgado, porém, adotou como fundamentação diversos trechos do acórdão regional para demonstrar que a decisão "subsiste pelos seus próprios fundamentos". A decisão foi unânime.
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Processo Relacionado : AIRR-208-10.2010.5.10.0008
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ACÓRDÃO
(3ª Turma)
GMMGD/pm/mjr/ef
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DIVULGAÇÃO DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO TRABALHISTA PARA PROFISSIONAIS DA ÁREA DE ATUAÇÃO DA OBREIRA. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. A higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (artigo 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da CF, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88). No caso concreto, o dano moral configura-se na exposição da Reclamante a situação constrangedora, consubstanciada na divulgação, pelo sócio da Reclamada, para outros profissionais da área, sobre o ajuizamento de ação trabalhista em face daquela empresa, advertindo, inclusive, a então empregadora da autora, que poderia ser ela a próxima demandada judicialmente, conforme consignado pelo TRT. A conduta da Reclamada é abusiva ao expor desnecessariamente a autora. Os prejuízos advindos do ato são claros, como a provável restrição de oportunidades em empregos futuros e a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho. Cuida-se de verdadeiro dano decorrente do próprio fato (damnun in re ipsa) e não há necessidade de prova de prejuízo concreto, até porque a tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial (art. 1º, III, da CF). Assim, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-208-10.2010.5.10.0008, em que é Agravante CLÍNICA DE RADIOLOGIA ODONTOLÓGICA FENELON LTDA. e Agravada A.S.D.G.R..
A Presidência do TRT da 10ª Região denegou seguimento ao recurso de revista da Reclamada.
Inconformada, a Reclamada interpõe o presente agravo de instrumento, sustentando que o seu apelo reunia condições de admissibilidade.
Não foram apresentadas contraminuta ao agravo de instrumento ou contrarrazões ao recurso de revista, sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, do RITST.
PROCESSO ELETRÔNICO.
É o relatório.
VOTO
I) CONHECIMENTO
Atendidos todos os pressupostos recursais, CONHEÇO do apelo.
II) MÉRITO
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DIVULGAÇÃO DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO TRABALHISTA PARA PROFISSIONAIS DA ÁREA DE ATUAÇÃO DA OBREIRA. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO
O Tribunal Regional, ao exame do tema em epígrafe, denegou seguimento ao recurso de revista.
No agravo de instrumento, a Reclamada reitera as alegações trazidas no recurso de revista, ao argumento de que foram preenchidos os requisitos de admissibilidade do art. 896 da CLT.
Contudo, a argumentação da Reclamada não logra desconstituir os termos da decisão agravada, que subsiste pelos seus próprios fundamentos, ora endossados e integrantes das presentes razões de decidir, verbis:
"DANO MORAL
Alegação(ões):
- violação do(s) art(s). 5º, IV da CF;
- violação do(s) art(s). 186 e 927 do CCB;
- divergência jurisprudencial.
A 1ª Turma, por meio do acórdão a fls. 340/348, negou provimento ao recurso ordinário da reclamada para manter a sentença quanto ao pagamento de indenização por dano moral. A decisão foi assim ementada:
'DANO MORAL. PROVA. O dano causado ao acervo imaterial do indivíduo, consoante majoritária corrente doutrinária, prescinde de prova, pois este se encontra in re ipsa, o que significa dizer que a dor moral se prova por si mesma. O que se impõe evidenciar é o fato causador do dano. Uma vez demonstrado cabalmente o fato ensejador alegado dano, tem-se por ocorrida a lesão ao acervo extrapatrimonial do indivíduo.'
Em suas razões recursais, a reclamada insiste no indeferimento do pleito indenizatório, na medida em que não 'se vislumbra no acórdão atacado real configuração do nexo causal e do dano danoso' (sic. fls. 357).
Todavia, verificar a presença ou não dos requisitos de responsabilidade civil reclama revolvimento de fatos e provas, vedado neste momento processual (Súmula nº 126 do TST)" .
O Regional assim fundamentou a decisão:
"2.1. Recurso da reclamada
Danos morais
A instância de origem condenou a reclamada ao pagamento da indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), baseando-se no depoimento do sócio da reclamada nos autos do Proc. nº 1166-2009-008-10-00-6, entre as mesmas partes e com pedido e causa de pedir distintos, que teria comentado com sócios de outras clínicas de radiologia, incluindo a empregadora da reclamante, Srª Marli e, em razão da amizade, que a reclamante havia entrado na Justiça contra a reclamada e que a Srª Marli tomasse cuidado porque poderia ser a próxima.
No apelo, em síntese, a reclamada aduz que a reclamante sempre laborou para mais de uma empresa, inclusive após a rescisão contratual com a demandada. Alega ser falsa a afirmação de prejuízo obreiro no mercado de trabalho e admitiu que '...apenas narrou um fato existente a seus colegas de trabalho, sem que com isso tenha desabonado, caluniado, difamado ou injuriado a Recorrida' (fl. 278). Pugna, assim, pela reforma total do julgado.
Todavia, sem razão.
O legislador constituinte erigiu a reparação por danos morais ao patamar constitucional, dada a sua importância em relação à garantia dos direitos individuais do cidadão, inserta nos incisos V e X do art. 5º da Carta Magna promulgada em 1988.
No plano infraconstitucional o art. 186 do Código Civil versa que 'Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito', tendo o dever de repará-lo.
Não procede a alegação de que o dano moral não subsiste porque a reclamante não foi obrigada a trabalhar doente, inclusive que a inicial não teria mencionado fato relacionado à doença, como dor, perda da capacidade laboral, humilhações, limitando-se a assinalar a não-emissão de CAT o que, a seu ver, não justifica a indenização pretendida.
É certo que o dano causado aos bens imateriais do indivíduo, consoante majoritária corrente doutrinária, prescinde de prova, pois este se encontra in re ipsa, o que significa dizer que a dor moral se prova por si mesma.
Na realidade, o que se impõe ficar evidenciado é o fato causador do dano. Uma vez demonstrado, tem-se por ocorrida a lesão ao acervo extra-patrimonial do indivíduo.
(...)
Observe-se as declarações do sócio da reclamada, Sr. Frederico Fenelon Guimarães, nos autos do Proc. nº 1166-2009-008- 10-00-6, entre as mesmas partes, in litteris:
'...O depoente comentou desta reclamação trabalhista com sócios de outras clínicas de radiologia, quando estavam discutindo sobre tabelas de convênios, em razão da amizade, surgiu o comentário do depoente, já que inclusive fizeram comentários sobre empregados. Presentes estavam: Hélcio, Cleomar e Marli. Marli disse ser a empregadora da reclamante. O depoente apenas disse que a reclamante tinha entrado na Justiça contra a reclamada e tomasse cuidado porque poderia também entrar com processo contra ela' (fl. 23).
Nítida, portanto, a divulgação perpetrada pelo sócio da reclamada ao mencionar, perante outros profissionais da área - incluindo a empregadora da reclamante (Srª Marli) -, que havia sido acionado na Justiça pela autora e de que a Srª Marli deveria tomar cuidado, porque poderia ser a próxima.
Assim, entendo comprovado o dano sofrido pela reclamante em face da conduta irregular do sócio da reclamada, restando nítida a repercussão do fato, quando este admitiu em juízo o comentário feito perante os colegas de profissão, sendo escorreito o reconhecimento do dano moral, já que houve a exposição da obreira, a teor do art. 818 da CLT e inciso I do art. 333 do CPC, mantendo-se a condenação perpetrada na instância de origem.
Nego provimento.
2.2. Recurso adesivo
2.2.1. Valor da indenização por danos morais. Majoração
Busca a reclamante a majoração do quantum fixado a título de indenização por danos morais para o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), tendo em vista que aquele arbitrado pela d. magistrada a quo, em síntese, não chega a desestimular a prática ilícita da reclamada.
A reparação pelo dano moral, além da função de compensar a dor sofrida, apresenta, ainda, as funções de prevenção e sanção.
Nesse passo, valores monetários insignificantes, frente a situação econômica do causador do dano, não cumpririam os papéis sancionatório e preventivo a que se propõe, também, a indenização pelo dano moral.
Nesse sentido, o critério das indenizações exemplares, oriundo do direito norte-americano.
Acerca da determinação do quantum indenizatório Enoque Ribeiro dos Santos elenca os seguintes critérios para arbitramento:
'a) as condições econômicas, sociais e culturais de quem cometeu o dano e principalmente de quem a sofreu; b) a intensidade do sofrimento do ofendido; c) a gravidade da repercussão da ofensa; d)a posição do ofendido; e)a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável; f) um possível arrependimento evidenciado por fatos concretos; g)a retratação espontânea e cabal; h) a eqüidade; i) as máximas da experiência e do bom senso; j) a situação econômica do país dos litigantes; k) o discernimento de quem sofreu e de quem provocou o dano.' (In O dano moral na dispensa do empregado - 1998 - págs. 185/186).
No caso sob exame, a instância originária fixou, a título indenizatório, a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Releva salientar que não se vislumbra a excessiva desproporcionalidade entre a gravidade da culpa e o dano, não havendo que se cogitar em aumento do valor indenizatório como pretendido pela recorrente.
Por tais razões, mantenho o valor da indenização por danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por ser bastante condizente com a situação econômica da reclamada.
Nego provimento" (destacamos).
Acrescente-se às razões expendidas, que a higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (artigo 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da CF, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88).
Quanto ao dano moral, este corresponde a toda dor psicológica ou física injustamente provocada em uma pessoa. Dano à imagem é todo prejuízo ao conceito, valoração e juízo genéricos que se tem ou se pode ter em certa comunidade.
A CF de 1988 dispõe, em seu art. 5º, X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Assim, o dano moral decorrente da violação da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas - e sua respectiva indenização reparadora - são situações claramente passíveis de ocorrência no âmbito empregatício.
No caso concreto, o dano moral configura-se na exposição da Reclamante a situação constrangedora, consubstanciada na divulgação, pelo sócio da Reclamada, para outros profissionais da área, sobre o ajuizamento de ação trabalhista em face daquela empresa, advertindo, inclusive, a então empregadora da autora, que poderia ser ela a próxima demandada judicialmente, conforme consignado pelo TRT. A conduta da Reclamada é abusiva ao expor desnecessariamente a autora.
Os prejuízos advindos do ato são claros, como a provável restrição de oportunidades em empregos futuros e a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho.
Cuida-se de verdadeiro dano decorrente do próprio fato (damnun in re ipsa) e não há necessidade de prova de prejuízo concreto, até porque a tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial (art. 1º, III, da CF).
Ademais, estando a decisão em consonância com a prova produzida, irrelevante a discussão em torno do ônus da prova que, na verdade, não representa um fim em si mesmo, tendo serventia o referido instituto apenas quando não há prova adequada à solução do litígio.
Incólumes os dispositivos legais e constitucionais tidos por violados (arts. 186e 927 do CC, 333, I, do CPC e do 818 da CLT, 5º, IV, da CF).
Pelo seu acerto, portanto, adoto como razões de decidir os fundamentos da decisão agravada e NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.
Brasília, 21 de novembro de 2012.
Mauricio Godinho Delgado
Ministro Relator