Erro judiciário
Uma falha de comunicação entre o TJ/SP e o STF colocou nas ruas José Roberto Garcia, condenado a 17 anos por homicídio triplamente qualificado.
Veja abaixo na íntegra matéria publicada no jornal Estado de S. Paulo, 1º de outubro de 2005, caderno Cidades.
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Erro judiciário liberta assassino já condenado
Falha de comunicação entre tribunal paulista e STF põe nas ruas José Roberto Garcia, que pegou 17 anos por homicídio triplamente qualificado
Bastava um telefonema ou um fax para impedir que o auxiliar administrativo José Roberto Garcia fosse solto. Ele foi condenado a 17anos por homicídio triplamente qualificado. O Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a prisão preventiva que não mais existia contra ele a fim de que respondesse em liberdade a um processo que já havia acabado. O STF não sabia, mas a apelação de Garcia já havia sido julgada. OTribunal de Justiça de São Paulo (TJ) havia negado o recurso dois meses antes, transformando a prisão preventiva em pena definitiva. Tudo constava no cartório do TJ, mas ninguém achou a informação.
Resultado: a ordem de soltura do STF chegou à Justiça paulista e foi para a 1ª Vara do Júri. Garcia foi libertado. Ele cumpria pena por sua participação no assassinato do empresário João Carlos Ganme. Herdeiro do Hospital 9 de Julho, um dos maiores de São Paulo, João Carlos foi vítima do administrador das fazendas de sua família, Wagner Meira Alves. O herdeiro descobrira que Alves estava desviando dinheiro e decidiu demiti-lo. O administrador encomendou a morte do patrão por R$ 120 mil e contratou cinco pessoas.
No dia 22 de outubro de 1999, quando os matadores chegaram ao escritório de João Carlos, no centro de São Paulo, o empresário pensou que se tratava de um assalto e pediu que não o agredissem. Os assassinos amarraram seus pés e suas mãos, além de amordaçá-lo. João Carlos foi executado com 37 facadas. Ele tinha 39 anos.
A decisão de soltar Garcia foi do ministro Cezar Peluso, do STF. O mandante havia obtido um habeas-corpus em 2004 para responder em liberdade ao processo porque sua prisão fora mal fundamentada e porque estava preso havia quatro anos sem julgamento. De fato, os réus estavam detidos desde 2000 em razão de prisão preventiva. Todos poderiam ter o mesmo benefício dado ao mandante, desde que não tivessem sido julgados em definitivo.
No caso de Garcia, ele foi condenado a 17 anos de prisão em fevereiro de 2004 pela 1ª Vara do Júri de São Paulo, mas apelou da sentença. Ele aguardava o julgamento do recurso no TJ quando, em 19 de maio deste ano, pediu ao STF o habeas-corpus. Em 14 de junho, o ministro Peluso pediu informações sobre o andamento do processo ao TJ e à 1ª Vara do Júri.
Em 19 de julho, o TJ negou por unanimidade a apelação do réu. Com isso, a pena de Garcia se tornou definitiva – ele passou a estar preso em razão da condenação no fim do processo e não mais pela prisão preventiva. Mas, em agosto, a 1ª Vara do Júri respondeu ao STF que o processo de Garcia estava no TJ para o julgamento da apelação. Assim, em 6 de setembro, o STF deu o habeas-corpus a Garcia. A ordem de soltura chegou à Justiça paulista, que não a questionou e a cumpriu em 13 de setembro.
Especialistas apontam uma sucessão de falhas
Uma sucessão de erros culminou na libertação de José Roberto Garcia, segundo especialistas em Direito consultados pelo Estado. Eles disseram que tudo poderia ter sido evitado com uma consulta ao cartório que mantinha o processo no TJ. No item 25, está especificado que a apelação havia sido negada ao réu em votação unânime. “Quando a ordem do Supremo chegou, o que se devia fazer era cumpri-la, mas manter a pessoa presa por já haver condenação definitiva”, afirmou o professor de Direito Penal Luis Flávio Gomes. Cabe agora, disse ele, a revisão da decisão e a expedição de nova ordem de prisão.
O ministro Cezar Peluso informou por meio de Assessoria de Imprensa que o STF pediu ao TJ informações sobre o julgamento da apelação criminal. Quer saber quando a ação foi julgada, se o réu foi condenado e se a decisão transitou em julgado. Só assim ele poderá reconsiderar a decisão que soltou Garcia. A Assessoria do TJ informou que o relator do processo no tribunal, desembargador Luis Pantaleão, limitou- se a dizer que tudo o que o Estado precisava saber estava nos autos.
A empresária Márcia Ganme Baüerle, irmã do empresário João Carlos Ganme, disse que a família está revoltada e indignada. “Meu pai morreu antes de ver o primeiro julgamento dos réus e agora soltam um deles. Graças a Deus ele não está vivo para ver isso. Seria mais uma punhalada nele.”
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