Segundo o desembargador Jones Figueirêdo Alves, relator, a regra do condomínio "deve ser interpretada teleologicamente, apenas se aplicando quando restar demonstrado que está ocorrendo perturbação ao sossego, salubridade e segurança dos demais moradores".
O relator afirmou que a norma não poderia ser tão restritiva, caso contrário um portador de deficiência visual ficaria proibido de ter em sua companhia no edifício seu cão-guia. Além disso, o magistrado indagou se o animal seria mantido se ele fosse pequeno e feroz e causasse risco à segurança, saúde e sossego.
"A proibição condominial não se refere a animal de grande e médio porte, mas os de grande e médio porte que violem o sossego, a salubridade e a segurança dos condôminos", concluiu.
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Processo: 0071070-80.2010.8.17.0001
Veja a íntegra da decisão.
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ESTADO DE PERNAMBUCO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
4ª CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível nº 259708-6 – 19ª Vara Cível da Capital
Apelante: Â.C.M.A.
Apelado: Condomínio do Edifício Hilson de Azevedo Mota
Relator: Des. Jones Figueiredo Alves
EMENTA: AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO. CRIAÇÃO DE ANIMAL DE GRANDE PORTE. PROIBIÇÃO. NORMA INTERNA E SUA RELATIVIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. CONGRAÇAMENTO ENTRE OS DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS. CÃO DE CONDUTA DÓCIL. SOSSEGO, SALUBRIDADE E SEGURANÇA PRESERVADOS. APELO PROVIDO.
1. A permanência de um animal em um prédio só pode ser proibida se houver violação do sossego, da salubridade e da segurança dos condôminos (art. 1.336, IV, Código Civil). No ponto, invoca-se o clássico paradigma dos três “S”, para “uma devida eficiência de análise do caso concreto ao desate meritório”.
2. Doutrina de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, sustenta: “...sendo expressa a proibição de qualquer animal, não há que prevalecer a literalidade do texto que representa verdadeiro exagero na restrição do direito de uso da unidade autônoma, que é garantido por lei (art. 1.335, I, do CC e art. 19 da Lei nº 4.591/1964) (...), valendo o entendimento pelo qual se deve afastar a literalidade da convenção para a análise do caso concreto”.
3. Assim, “se o cão não traz qualquer insegurança aos moradores, seja de ordem física ou de ordem psicológica, não viola o sossego e não se mostra nocivo, inexiste razão alguma para que a norma seja interpretada restritivamente tão só pelo fato de o mesmo ser de grande porte”. Se assim não fosse, o portador de deficiência visual ficaria proibido de ter em sua companhia no edifício seu cão-guia.
4. Tem-se presente, outrossim, conhecida alegoria do domador de ursos, sempre citada pela jurista Giselda Hironaka e também referida por Luis Recasens Siches na sua obra “Filosofía Del Derecho”, em uma estação ferroviária da Polônia. Ali era expressamente proibido o acesso de cães e nada referido ao acesso de ursos.
5. Em ser assim, deve haver, na estimação da norma, uma devida congruência entre meios e fins, para que a eficácia da norma exalte a sua própria razão de ser, interpretando-se que a proibição condominial não se refere a animal de grande e médio porte, mas os de grande e médio porte que violem o sossego, a salubridade e a segurança dos condôminos. Demais disso, caberia a indagação: Se o animal fosse pequeno e feroz e causasse risco à segurança, saúde e sossego, seria permitida a sua manutenção?
6. Demais disso, uma nova compreensão acerca da proteção jurídica e dos direitos dos animais, avoca estudo recente do jurista português José Luis Bonifácio Ramos, intitulado “O animal como tertium genus?”, onde ele defende que o animal não pode continuar sendo identificado simplesmente como coisa.
7. Com efeito, o condomínio pode estabelecer regras limitativas do direito de vizinhança, conforme autoriza a Lei 4591/64. Entretanto, a regra interna do Condomínio que proíbe a criação de animais deve ser interpretada teleologicamente, apenas se aplicando quando restar demonstrado que está ocorrendo perturbação ao sossego, salubridade e segurança dos demais moradores.
8. Recurso de apelação provido, por maioria, julgando-se procedente o pedido inicial no alcance de ser permitida a permanência do animal na unidade autônoma do Condomínio, invertidos os ônus sucumbenciais.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 259708-6, em que figura como apelante Angela Cristina Mota de Albuquerque apelado Condomínio do Edifício Hilson de Azevedo Mota, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Egrégia Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por maioria, em dar provimento ao recurso de apelação, de conformidade com a ementa, relatório, voto, que passam a integrar este aresto.
Recife, 31 de outubro de 2012.
Des. Jones Figueiredo Alves
Relator