Migalhas Quentes

Licitação supostamente dirigida não é anulada por insuficiência de provas

Segundo o desembargador Vicente de Abreu Amadei, a "afirmação de vício no certame e no contrato administrativo exige prova segura".

18/10/2012

A 1ª Câmara de Direito Público do TJ/SP confirmou a improcedência de ação popular promovida contra o município de São Carlos, que atingia um ex-prefeito e duas agências de publicidade, ambas vencedoras da licitação que resultou na constituição do Consórcio Cidadania.

O autor popular pediu a anulação do contrato sob o fundamento de que a licitação fora dirigida. Sustentou também que houve à época da contratação a coincidência entre o fato de o governo municipal pertencer ao mesmo partido para o qual o consórcio vencedor realizara, anos antes, uma campanha eleitoral ao governo estadual.

Para o desembargador Vicente de Abreu Amadei, relator, "de fato, não se pode negar a ocorrência de alguns indícios de eventual direcionamento de certame, destinado a favorecer o consórcio vencedor da licitação (...) Entretanto, extrair dessa fumaça a certeza do direcionamento da licitação e de fraude ou simulação na contratação, que teria o real escopo de compor dívida do partido político com o tal consórcio, vai uma boa distância".

A advogada Evane Beiguelman Kramer, do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, assinala que a decisão se apresenta esclarecedora e correta por não confundir o plano jurídico com o plano político. "O acórdão reconheceu que o 'vício no certame e no contrato administrativo exigem prova segura, apta a destruir a presunção de legalidade que emerge dos atos da administração pública'", enfatiza Evane.

"Infelizmente, a motivação política acaba sendo a motivação de quase todas as ações populares. A judicialização da política é agora uma prática comum, por isso figura entre os instrumentos mais discutidos na pauta nacional nos dias de hoje", ressalta o advogado Lucas Cherem de Camargo Rodrigues, também do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

Veja a íntegra da decisão.

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Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

1ª Câmara de Direito Público

Registro: 2012.0000499379

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Reexame Necessário nº 0021924-09.2009.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é recorrente JUIZO EX-OFFICIO, é recorrido J.L.R. (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA).

ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores DANILO PANIZZA (Presidente) e ALIENDE RIBEIRO.

São Paulo, 25 de setembro de 2012.

Vicente de Abreu Amadei

RELATOR

VOTO Nº 3.230

REEXAME NECESSÁRIO Nº 0021924-09.2009.8.26.0566

RECORRENTE: Juízo ex-officio.

PARTES INTERESSADAS: J.L.R. (autor), N.L.N. e outros (réus).

REEXAME NECESSÁRIO - Ação popular - Licitação referente a serviços publicitários - Direcionamento para favorecer consórcio de agências publicitárias que, no passado, promoveu campanha eleitoral do mesmo partido político do governo municipal licitante e contratante - Prova indiciária insuficiente ao édito de invalidação do certame, contratos e seus aditamentos - SENTENÇA MANTIDA, EM REEXAME NECESSÁRIO.

Prova indiciária insuficiente a cristalizar juízo de certeza acerca das ilações de ilicitude imputadas em licitação e negócios administrativos correlatos, não autorizam a procedência da respectiva demanda por invalidação em ação popular.

Trata-se de reexame necessário, em ação popular ajuizada por J.L.R. contra N.L.N. e outros, em razão da r. sentença (fls. 454/463), que julgou improcedente a demanda, sem condenar o autor ao pagamento das despesas processuais, na qual o autor pretende a anulação da licitação referente ao Edital nº 03/2001 da Prefeitura do Município de São Carlos, bem como do consequente Contrato nº 014/2002 e de todos os seus aditamentos e atos advindos desse negócio jurídico.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pela manutenção da decisão monocrática (fls. 469/472).

É o relatório.

Ajuizada ação popular questionando a legalidade da licitação, contrato e atos jurídicos subsequentes, promovida por J.L.R. contra N.L.N. (ex-Prefeito do Município de São Carlos) e outros, fundada na alegação de direcionamento do certame para favorecer consórcio de agências publicitárias (“Consórcio da Cidadania”, constituído pelas agências de publicidade PG Comunicação Art e Publicidade Ltda. e Tema Propaganda S/C Ltda.), que, no passado, promoveu campanha eleitoral do mesmo partido político (Partido dos Trabalhadores) do governo municipal licitante e contratante, julgada improcedente.

A r. sentença deve ser mantida, por seus jurídicos fundamentos, observando-se que o MM. Juiz a quo examinou os fatos, as provas e as alegações de ilicitude imputadas de modo detalhado e exaustivo.

O ajuizamento desta ação popular, como bem destacou o magistrado, não foi temerário, pois, de fato, não se pode negar a ocorrência de alguns indícios de eventual direcionamento de certame, destinado a favorecer o consórcio vencedor da licitação, tal como: a) alteração da primeira versão da minuta do edital de licitação, para admitir no certame consórcio de empresas, antes vedado; b) elevação, em data próxima à abertura do certame, da verba orçamentária destinada aos gastos com publicidade (de R$ 100.000,00 em 2001, para R$ 500.000,00 em 2002); c) coincidência entre o fato de que o governo municipal licitante era do mesmo partido político para o qual o tal consórcio vencedor promoveu a campanha eleitoral de 1998.

Entretanto, extrair dessa fumaça a certeza do direcionamento da licitação e de fraude ou simulação na contratação, que teria o real escopo de compor dívida do partido político com o tal consórcio, vai uma boa distância.

Era, com efeito, ônus probatório do autor a demonstração dos fatos alegados em ordem a plena convicção de sua tese, mas, em verdade, para além da prova documental, não foi produzida, nada obstante a oportunidade concedida, outra prova (quer oral, quer pericial). E, considerando os documentos do processo, não se pode afirmar suficiência de elementos de convicção para sustentar aquelas assertivas de direcionamento de licitação e de fraude ou simulação de contratação.

Ademais, afirmação de vício no certame e no contrato administrativo exige prova segura, apta a destruir a presunção de legalidade que emerge dos atos da Administração Pública.

Não se nega, enfim, valor à prova indiciária, mas ela apenas autoriza passar do juízo de probabilidade ao juízo de certeza, indispensável à invalidação de licitação e dos negócios jurídicos administrativos correlatos, em situação de pluralidade de indícios sérios, graves e concatenados, em linha de evidência das ilações de ilicitude imputadas, extraídas por raciocínio dedutivo, que, no caso, não se pode afirmar.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso oficial, mantendo a r. sentença proferida.

VICENTE DE ABREU AMADEI

Relator

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